segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Crise de Bolsonaro pode tirar governo das cordas no Congresso - César Felício

Valor Econômico

Com avanço das investigações contra o ex-presidente, aumentaram as chances de o governo aprovar ajuste fiscal ainda neste ano

O avanço das investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deve impactar a agenda do Congresso. Aumentaram as chances de o governo aprovar um pacote duro de ajuste fiscal ainda este ano, mesmo que implique mudanças legislativas com quórum qualificado, como propostas de emendas constitucionais e projetos de leis complementares.

O corte de gastos politicamente atenderia aos partidos do Centrão em três camadas: a primeira é se distanciar do bolsonarismo radical, que domina o PL, está enraizado no PP e no Republicanos e tem ramificações no União Brasil, PSD e MDB, entre os principais partidos. A segunda é fazer isso em uma pauta que reforçaria os elos da elite parlamentar com o empresariado e o sistema financeiro, que apontam há muito tempo para a falta de consistência do arcabouço fiscal. E a terceira é colocar o PT na constrangedora posição de endossar medidas que contrariam a sua base eleitoral e nunca foram defendidas pela sigla.

O governo iniciou o mês politicamente encurralado. O mau resultado da esquerda nas eleições municipais de outubro e a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos abriram perspectivas de poder para a oposição. O Centrão praticamente garantiu o comando futuro da Câmara e do Senado ao se unificar em torno das candidaturas do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) para as presidências das Mesas Diretoras, sem assumir compromissos significativos nem com o governo, nem com o bolsonarismo.

A oposição iniciou uma ofensiva para restaurar a elegibilidade de Bolsonaro em dois níveis. No plano interno, aumentando as articulações para a aprovação do projeto de lei de anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, que com uma emenda poderia beneficiar o ex-presidente, e no plano externo tentando envolver Trump e o Partido Republicano nesta batalha.

O plano de ajuste fiscal concebido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, deparou-se com a resistência dos militares em aceitarem mudanças em seu regime previdenciário e sofreu uma dura derrota no Congresso com a aprovação, na Câmara e no Senado, do projeto que impede o bloqueio orçamentário de emendas parlamentares de comissão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva planejava diluir o ônus político do corte de gastos, mas ele ficou todo concentrado no Executivo. Um dos fatores que impulsiona o ajuste fiscal é exatamente deixar o Congresso com fatia cada vez maior do Orçamento. “Para que as emendas parlamentares se ampliem, é preciso criar margem para isso reduzindo outras despesas”, comentou o consultor Antônio Augusto de Queiroz, ligado ao movimento sindical.

A revelação no dia 19 de que houve um plano de militares para assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes e o indiciamento pela Polícia Federal do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por suposta tentativa de golpe em 2022 mudou a equação política. “O governo pode fazer dos limões uma limonada”, comentou o analista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências. Mas sem ilusões para o Palácio do Planalto. O governo saiu das cordas, mas ainda está em desvantagem na contagem de rounds.

O bolsonarismo vive um momento de reversão de expectativas

Se interessa ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enviar um sinal de normalidade institucional no momento em que o bolsonarismo está acuado, a pauta da Casa está mais do que nunca em suas mãos. “O pacote depende de atalhos legislativos bem conhecidos por Lira, como a criação de grupos de trabalho para contornar as comissões permanentes e o apensamento da proposta a outras matérias em estágio de tramitação mais avançado”, opinou Rafael Cortez. Ele lembra que o governo não se voltou voluntariamente para uma estratégia de cortes em despesas obrigatórias. Está sendo levado a isso.

Também estará nas mãos de Lira e do presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) a aprovação a toque de caixa da regulamentação da reforma tributária, um tema que neste momento tende a interessar menos ao governo diante da urgência do ajuste fiscal.

Analistas políticos divergem em relação a essa pauta. Para Queiroz, a regulamentação da reforma deve passar. “É do interesse de Lira e Pacheco que este tema se resolva em suas presidências, não na de seus sucessores”, diz. Para Cortez, pode ficar em segundo plano. O fato é que a regulamentação da reforma tributária neste momento está na fase de pressão de setores que sentem atingidos para que Câmara e Senado criem exceções à regra dos impostos que não conseguiram emplacar quando a emenda constitucional foi votada. É absolutamente certo que o Senado fará modificações em relação ao que foi aprovado na Câmara e não pode ser descartado o risco de desentendimento entre as duas Casas. Creomar de Souza, da consultoria Dharma, é ainda mais reticente e afirma que apenas o Orçamento pode ser aprovado ainda em 2024.

O bolsonarismo vive um momento de reversão de expectativas. O indiciamento do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, no mesmo inquérito de Bolsonaro, deve radicalizar o partido no Congresso, tornando-o mais monolítico em torno do ex-presidente. Ao mesmo tempo, tende a esgarçar os laços do principal partido de oposição com as legendas do Centrão, deixando-o mais isolado. Valdemar em diversas ocasiões serviu de contraponto a Bolsonaro. O clima para aprovação de um projeto de anistia, contudo, desapareceu e a manutenção da inelegibilidade de Bolsonaro tornou-se o cenário mais provável.

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