O ex-ministro da Justiça José Gregori deve desculpa aos argentinos, aos mortos, desaparecidos e sobreviventes de uma das ditaduras militares que se instalaram no continente, desde meados dos 60 e se estenderam até a década de 80. Para o ex-ministro, "mandar meia dúzia de velhinhos que sobraram para a cadeia não significa que o país se regenerou". Segundo Gregori, "a Argentina fez isso, mas nem por isso a qualidade de sua democracia é melhor que a nossa", disse, ao criticar os que defendem a revogação da Lei da Anistia no Brasil, caso de integrantes da Comissão Nacional da Verdade.
Por maiores que sejam as críticas ao governo Cristina Kirschner, nada autoriza o ex-ministro a qualificar a democracia na Argentina como melhor ou pior. Gregori sabe como ninguém que a Lei de Anistia brasileira não foi um ato de congraçamento nacional.
A anistia foi aprovada nos termos dos militares. A relação das forças políticas em 1979, quando o projeto foi aprovado no Congresso, era desfavorável à oposição. O general João Figueiredo exercia o primeiro de seus seis longos anos de mandato. Ainda chefiava um governo forte, apesar da anarquia na caserna e da falta de um projeto do regime para tirar o país da crise econômica. Grupos de militares ainda se davam ao luxo de mandar recados explodindo bancas de jornais, entidades representativas de classe até a infame bomba do Riocentro, que explodiu no colo de um sargento do Exército, enquanto ele espreitava um show de comemoração do Dia do Trabalho, em 1981.
Lei de Anistia não muda, se depender do Executivo
A discussão e votação da lei de 1979 foi a primeira vez em que a anistia esteve nas mãos do poder político, no âmbito institucional. Haveria ainda outras duas. O regime venceria as três; perderam a oposição, as esquerdas e as "viúvas (e filhos) do talvez e do quem sabe", num resumo da frase que custou o mandato do líder do PMDB na Câmara em 1977, Alencar Furtado. Para ser exato, 30 de junho de 1977, apenas dois anos antes da "aprovação" da Lei da Anistia.
Esse era o clima da época, os que desafiaram o regime estavam exilados, "terroristas" ou não. E havia militares que resistiam à anistia aos chamados "crimes de sangue". Aprovada nos termos da ala mais radical do regime, provavelmente hoje não se discutiria a revogação da Lei da Anistia. Muitos de seus integrantes estariam presos.
Esse foi o acordo possível à época. Uma nova oportunidade para o poder político mudar a Lei da Anistia surgiria nove anos depois, em 1988, quando foi promulgada a nova Constituição. A Carta de 88 é o marco da devolução do poder dos militares aos civis, embora o presidente já fosse então o atual senador José Sarney (1985-1990). Essa foi talvez a "mãe de todas as batalhas", pois a relação de forças na Assembleia Nacional Constituinte era outra.
As forças políticas se organizaram mais em torno dos grupos de interesses que dos partidos. Ideologicamente, a esquerda, além do barulho habitual, fez prevalecer alguns de seus pontos de vista. Mas perdeu em questões que considerava fundamentais.
A Constituinte foi uma guerra. Os congressistas não apenas discutiam, algumas vezes foram aos tapas. Um revólver foi sacado durante discussão sobre a reforma agrária, uma das bandeiras da esquerda, assim como a criação de um conselho de regulação da mídia. Outra era a revogação da anistia de 79 aos agentes do regime militar acusados de torturar e matar.
A batalha decisiva se deu em torno de um dos incisos do artigo quinto da atual Constituição. Gente como Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e José Genoino tentou incluir no texto a prática da tortura como crime "imprescritível". Aprovado, talvez não houvesse hoje uma Comissão Nacional da Verdade. Mas as oposições e os familiares dos mortos e desaparecidos não só perderam a votação em plenário - por margem pequena, é verdade -, como o texto constitucional recepcionou a Lei da Anistia concedida em 1979. Legítimo.
O avanço das teses de esquerda - e a tentativa de reduzir para quatro anos o mandato de Sarney -, além de uma generosa distribuição de concessões de rádio, deu liga à centro-direita, que se organizara majoritariamente no "Centrão".
A terceira e última vez em que a Lei da Anistia esteve ao alcance do poder político ocorreu no final do governo Lula, nas discussões que envolveram o projeto que criou a Comissão Nacional da Verdade. Executivo, Legislativo e os militares, com dissensões, acordaram seus termos: a comissão seria um instrumento não do esquecimento, mas da reconstituição da memória do período. Não caberia à comissão o debate sobre a revogação ou não da Lei da Anistia.
Atualmente, essa é uma discussão no âmbito do Judiciário. O Supremo já se manifestou favoravelmente à interpretação segundo a qual a anistia foi para os dois lados. Nada impede, no entanto, que findos os trabalhos as viúvas e os filhos do "talvez e do quem sabe" voltem a acionar a Justiça. Na realidade, já há ações correndo mo Judiciário. Os advogados também descobriram brechas na legislação: como não apareceram os corpos dos guerrilheiros capturados pelo Estado, há a presunção de um sequestro ainda em curso e portanto passível de punição de seus autores.
O fato é que a Comissão da Verdade não tem margem de manobra para revogar ou mudar a lei da anistia. Agora esse é um assunto do Judiciário, pois é certo que o Executivo - ou seja, a presidente Dilma Rousseff - não vai propor nenhuma mudança.
À presidente Dilma Rousseff agrada a candidatura de mulheres aos governos estaduais, nas eleições de 2014. Entre elas, por enquanto, há duas do PP: a senadora Ana Amélia Lemos, ao governo do Rio Grande do Sul, e Rebeca Garcia, ao governo do Amazonas. Rebeca era candidata bem cotada a prefeito de Manaus, em 2012. Mas desistiu diante das baixarias na pré-campanha. Baixarias que não atribui à oposição, mas a antigo aliado no governo local, hoje auxiliar da presidente.
Fonte: Valor Econômico
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