Chama a atenção o conservadorismo com que o Tesouro elaborou o Plano Anual de Financiamento (PAF) para este ano. Era de se esperar que o cenário atual estimulasse mais ousadia e levasse o Tesouro a buscar tirar proveito para reduzir os custos de financiamento da dívida mobiliária. A perspectiva de que a inflação vá convergir para o centro da meta deve levar a taxa básica de juros aos níveis mais baixos desde 2013. Pesquisa Focus divulgada ontem indicou a expectativa de que a inflação vai fechar o ano em 4,7% e a Selic vai recuar para 9,50% em comparação com os 13% atuais.
Outro ponto favorável para o administrador da dívida mobiliária é o aumento da participação dos fundos de previdência no carregamento dos títulos públicos que, pela primeira vez, superou a atuação das tesourarias dos bancos. Investidores mais preocupados com os resultados a longo prazo e menos propensos a estratégias especulativas como as tesourarias, os fundos de previdência ampliaram de 21% para 25,1% sua fatia na compra dos títulos públicos em 2016, enquanto que a dos bancos recuou de 25% para 23%.
Ganharam também espaço os fundos de investimento, de perfil igualmente menos especulativo, passando de 19,6% para 22,1%. Os investidores estrangeiros, os mais arredios e sensíveis de todos, realizaram lucro e reduziram a atuação no mercado de 18,8% para 14,3%. Um dos papéis que mais apreciam, a NTN-F com vencimento neste ano, teve rentabilidade de 80% em dólares.
O Tesouro conta ainda com outra vantagem que é a baixa pressão dos resgates. Vencem neste ano entre 16% e 17% do estoque total de títulos públicos, o que equivale a R$ 528,4 bilhões no mercado doméstico e mais R$ 16,8 bilhões da dívida externa. O percentual é semelhante aos 16,8% de 2016, bem menos do que os 21,6% resgatados em 2015. O prazo médio dos títulos continua perto de 4,5 anos.
A estratégia usual diante desses números relativamente tranquilizadores seria tirar proveito das expectativas do mercado mais favoráveis para o comportamento dos juros, lançar mão da venda dos papéis prefixados e reduzir a fatia dos pós-fixados, indexados à Selic, confortáveis para os investidores. No entanto, o Tesouro fez praticamente o contrário: quer ampliar a fatia dos papéis pós-fixados e reduzir a dos prefixados.
Pelo plano de financiamento do Tesouro, a dívida mobiliária vai crescer de 10,8% a 17,3% neste ano, após ter aumentado 11,4% em 2016. O estoque vai subir de R$ 3,112 trilhões para R$ 3,45 trilhões a R$ 3,65 trilhões. O Tesouro quer que a parcela dos títulos prefixados, que já foi de 39,4% em 2015 e recuou para 35,7% em 2016, caia mais, para 32% a 36% neste ano.
Por outro lado, a intenção é ampliar a fatia dos pós-fixados, vinculados à taxa básica de juros, a Selic, preferidos pelos investidores porque é ganho certo, mas nem sempre conveniente para o emissor. O governo geralmente recorre aos pós-fixados, as LFTs, quando o mercado está nervoso e arredio, o que não é o caso agora. Em 2003, na transição do governo de Fernando Henrique para o de Lula, os pós-fixados chegaram a representar 45% do total da dívida mobiliária. À medida que a confiança dos investidores foi sendo recuperada, o percentual foi diminuindo. Mais recentemente, porém, voltou a crescer, recuperando o patamar do início da década. De 18,7% do total em 2014, subiu a 22,8% em 2015 e chegou a 28,2% em 2016. Para este ano, deve ir de 29% a 33%, segundo o PAF. O Tesouro argumentou que os papéis pós-fixados são vantajosos do ponto de vista de custo porque não provocam volatilidade no mercado.
O novo plano de financiamento não prevê mudanças significativas no percentual de títulos corrigidos por índices de preços, que vão oscilar de 29% a 33% neste ano em comparação com 31,8% em 2016; nem para os vinculados ao câmbio, variando de 3% a 7% depois de terem ficado em 4,2%.
A estratégia do Tesouro, que amplia o peso dos papéis pós-fixados tirando espaço dos prefixados, também está desalinhada com os proclamados objetivos de longo prazo (Valor, 26/1), e parece mais preocupada em evitar turbulências do que em reduzir os custos de financiamento da dívida mobiliária, aproveitando as condições favoráveis. O próprio Tesouro reconhece que a LTF pode ter um custo maior e um prazo menor, mas advoga que é uma opção realista diante das incertezas que ainda existem em relação ao controle da dívida pública e ao déficit fiscal elevado.
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