- O Globo
• É na Bahia, onde há nove décadas o grupo constrói sua identidade, que se espraiam os efeitos mais corrosivos das delações entre famílias, amigos e vizinhos
É na Bahia onde se espraiam os efeitos mais corrosivos das confissões da Odebrecht, validadas ontem pelo Supremo — consequência natural da identidade baiana construída há nove décadas pela família controladora do grupo.
Salvador, capital da colonização escravocrata, concentra ansiedade pública pelas revelações dos Odebrecht e seus executivos sobre corrupção. Prevalece a convicção de que devem se refletir em mudança de rumos da política e dos negócios no estado.
O clima é similar ao observado em Brasília. Com agravantes derivados da atenção pública aos ruídos de embates familiares, entre eles, os do patriarca Emílio, herdeiros e o filho Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba.
Repete-se no condomínio praiano de Interlagos, onde partilham a beira-mar o ex-diretor da Odebrecht em Brasília, Cláudio Melo Filho, o ex-ministro do governo Temer Geddel Vieira Lima e os publicitários das campanhas de Lula e Dilma, João Santana e Mônica Moura.
A relação Cláudio e Geddel, contou o executivo à Justiça, “era muito forte”, bem além da simples vizinhança: “Geddel recebia pagamentos qualificados, e fazia isso oferecendo contrapartidas claras.” Conversavam bastante — contaram-se 117 ligações num único ano. Geddel era “Babel” na planilha de pagamentos.
Vizinhos deles na praia, os publicitários João e Mônica também compartilhavam a folha Odebrecht. Receberam US$ 24 milhões nas campanhas de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014), confessou Vinícius Borin, responsável pelos repasses no Meinl Bank, em Antígua.
O casal foi recompensado com outros US$ 5 milhões por Eike Batista, preso no Rio. Eike pagou-os pela conta panamenha da Golden Rock, que também usou para repassar US$ 16,5 milhões ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
Nesse circuito sobressaem expoentes de uma elite republicana moldada em vícios típicos do Brasil colonial, descrito pelo poeta Boca do Inferno, o advogado Gregório de Matos, na Salvador onde tudo se permitia aos amigos do rei:
“Furte, coma, beba e tenha amiga,
Por que o nome d’El Rei dá para tudo
A todos que El-Rei trazem na barriga.”
Desde então, sob o manto do foro nobre, multiplicam-se histórias de impunidade. Nele pouparam-se, entre outros, fidalgos como Fernão Cabral, que lançou viva na fornalha de seu engenho uma escrava grávida do “gentio do Brasil”, conta o historiador Ronaldo Vainfas.
O resguardo em foro especial, atenuante na Justiça e na Igreja da Colônia, prossegue. Ano passado, Dilma aplicou-o a Lula, levando-o à Casa Civil, no lugar de Jaques Wagner.
Ex-governador da Bahia, Wagner seria “Polo” na folha da Odebrecht, com US$ 11 milhões recebidos. Do total, US$ 8 milhões sustentariam a eleição do sucessor, o governador Rui Costa, segundo Melo Filho. Em troca, “Polo” pagou à empresa uma fatura pendente de US$ 85 milhões, valor sete vezes maior.
Na sexta-feira 20 de janeiro, o governador Costa fez Wagner secretário de Desenvolvimento. No mesmo pacote nomeou o engenheiro Abal Magalhães para a Companhia de Desenvolvimento Urbano. Precisou demitir Magalhães 24 horas depois. Descobriu que ele militava em redes sociais qualificando Wagner como integrante de “quadrilha” do PT financiada pela Odebrecht. E repetia:
“#lulanacadeia”, “#dilmanacadeia” .
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