Editoriais / Opiniões
Bombas no caminho do próximo governo
O Estado de S. Paulo
Desarranjo fiscal, dívida mais cara, juros altos e baixo potencial de crescimento formam o legado previsto para o futuro presidente da República
Baixo crescimento econômico e alta dívida
pública estão no horizonte brasileiro há muitos anos, mas o futuro pode ser
mais sombrio com a herança deixada pelo atual governo. O Tesouro Nacional
poderá enfrentar em 2023 um aumento de R$ 63 bilhões no custo de sua dívida e
uma perda de recursos de R$ 178,2 bilhões, segundo cálculos de economistas do
mercado. Empenhados em conquistar ganhos eleitorais, o presidente Jair
Bolsonaro, ministros e parlamentares aumentam gastos, cortam impostos e criam
enorme desarranjo fiscal para a União, os Estados e os municípios. Somados os
três níveis de governo, o corte de receita poderá atingir R$ 281,4 bilhões, de
acordo com projeções de especialistas. O próximo governo enfrentará economia
estagnada, maiores gastos, juros maiores, inflação ainda elevada e compromissos
inflados com medidas eleitoreiras.
Economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), de outras organizações multilaterais e também do mercado identificaram há muito tempo o escasso potencial produtivo do Brasil, sua rigidez fiscal e seu elevado endividamento público. Previsões de médio e de longo prazos dificilmente incluem taxas anuais de crescimento superiores a 2%. Maior dinamismo só será possível com mais investimentos em capital fixo – máquinas, equipamentos, infraestrutura e outras obras – e em formação de capital humano. O País tem feito muito menos que o necessário em todas essas frentes. Para fazer mais, precisará de mais poupança, interna e externa, de melhores padrões de gestão pública e de um retorno duradouro às práticas de planejamento.
Como as contas oficiais são muito rígidas e
sobra pouco dinheiro para investimento, principalmente em nível federal, o
governo da União precisará reativar as parcerias público-privadas. Isso
dependerá de uma administração muito mais competente que a dos últimos anos.
Dependerá, também, de maior confiança na gestão das contas públicas e na
condução de projetos. Contas públicas mais confiáveis serão essenciais para a
redução dos juros e, portanto, para a mobilização de capitais privados para
projetos de desenvolvimento.
Nenhum cenário tão luminoso é perceptível,
nos próximos anos, a partir das condições atuais. Com o desarranjo fiscal
deixado pelo atual governo, o poder federal terá muita dificuldade para
administrar suas contas, conter o endividamento e investir em áreas
estratégicas como educação, saúde, ciência e tecnologia. Também será complicada
a mobilização de capital privado para obras de infraestrutura, se o quadro
geral permanecer incerto e os juros continuarem muito altos.
Algum ganho econômico e fiscal ocorrerá,
muito provavelmente, se o novo governo, como é natural esperar, for melhor que
o do presidente Bolsonaro. Mas seu espaço de manobra será com certeza limitado
pela herança encontrada a partir de 1.º de janeiro. Pelas últimas estimativas
do mercado, o primeiro ano será muito difícil e alguns obstáculos, como juros
altos, estarão presentes pelo menos até 2025.
A inflação no próximo ano ainda ficará em
5,33%, segundo a mediana das projeções colhidas pelo Banco Central na
pesquisa Focus. Nesse caso, o teto da meta, fixado em 5%, será superado
pelo terceiro ano consecutivo. A taxa básica de juros, a Selic, estará em 11%
no fim de 2023 e em 8% no encerramento de 2024, muito alta, muito custosa para
o Tesouro e muito inconveniente para o consumo, a produção e o investimento em
capacidade produtiva. Até lá se terá completado metade do mandato do novo
presidente.
A mediana das estimativas do mercado aponta
para o Produto Interno Bruto (PIB), segundo a pesquisa, expansão de apenas
0,40% em 2023, 1,70% em 2024 e 2% em 2025. Com esse crescimento muito vagaroso,
inflação ainda alta e juros elevados, a modernização do sistema produtivo será
difícil e a criação dos empregos necessários, muito improvável. Isso compõe boa
parte da herança prevista, por enquanto, para o próximo presidente. Resta, de
toda forma, a expectativa de encerramento, em 31 de dezembro, de quatro anos
excepcionalmente ruins.
A lista tríplice é jugo, e não autonomia
O Estado de S. Paulo
PGR não deve estar submetida a interesses particulares, sejam do Planalto, sejam de entidade privada. A pretensão de impor a lista tríplice de uma associação é inconstitucional.
Segundo o Estadão, procuradores têm
intensificado a pressão entre os candidatos ao Palácio do Planalto para que
assumam o compromisso de indicar para o cargo de procurador-geral da República
nomes que integrem a lista tríplice elaborada por uma entidade privada, a
Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Antiga, a demanda é
rigorosamente inconstitucional, seja porque limita arbitrariamente uma
atribuição do presidente da República, seja porque subordina uma instituição de
Estado, o Ministério Público, às vontades de uma associação privada.
A merecer muitos reparos, o comportamento
do sr. Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR) não pode
se converter em pretexto para criar uma deformação no funcionamento do
Ministério Público, cuja função é defender a ordem jurídica e o regime
democrático. Não se corrige um erro instaurando outro erro.
Deve-se lembrar do óbvio: a lista tríplice
elaborada pela ANPR não tem rigorosamente nenhum valor jurídico. Na indicação
de um nome para ser o procurador-geral da República, o presidente da República
não tem obrigação legal de ficar restrito a uma lista feita por entidade
privada. Ou seja, quando procuradores tentam constranger candidatos ao Palácio
do Planalto com essa suposta obrigação, atuam às margens da lei. Falam em nome
de interesses particulares, e não do Ministério Público, cuja única baliza é a
lei.
A Constituição de 1988 previu o
procedimento para a nomeação do procurador-geral da República. “O Ministério
Público da União tem por chefe o procurador-geral da República, nomeado pelo
presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e
cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do
Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”, diz o art.
128.
A pretensão de impor novos e arbitrários
critérios para a escolha do procurador-geral da República é inteiramente
descabida. Segundo o presidente da associação, Ubiratan Cazetta, “com ela (a
lista tríplice), não tem candidaturas tiradas do peito ou do bolso do paletó”.
Ora, em primeiro lugar, não há que se falar em candidatura. A escolha é por
indicação, e não por eleição envolvendo candidatos. O procurador-geral da
República não é um líder de classe. Em segundo lugar, de acordo com o que está
disposto na Constituição, os nomes não surgem do nada. São integrantes da
carreira, com mais de 35 anos de idade.
Ao contrário do que muitas vezes se diz, a
pretensão de que a escolha do procurador-geral da República recaia sobre algum
nome da preferência da ANPR não representa fortalecimento institucional do
Ministério Público. Essa pressão da entidade revela a confusão que persiste
entre instituição e corporação, entre obrigação legal e pretensão particular.
“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei”, diz a Constituição.
Cabe também destacar que a movimentação em
torno da tal lista tríplice enfraquece um aspecto fundamental do rito previsto
na Constituição de 1988: o nome indicado pelo presidente da República precisa
ser aprovado pelo Senado. Em alguma medida, a pretensão de tornar a lista
tríplice obrigatória limita a competência do Senado. Os senadores devem ter
plena autonomia para rejeitar a pessoa indicada pelo presidente da República,
desfrute ela ou não da simpatia da ANPR.
Por isso, mais do que recomendar que a
indicação do procurador-geral da República esteja submetida às vontades de uma
entidade privada, o comportamento do sr. Augusto Aras à frente da PGR reforça a
responsabilidade do Senado na avaliação do nome indicado pelo presidente da
República. Esse é o caminho constitucional para o bom funcionamento do
Ministério Público.
Com a sabatina do Senado e as prerrogativas
do cargo de procurador-geral da República, a Constituição forneceu os meios
para que a PGR não esteja submetida aos interesses do Palácio do Planalto. Só
faltava agora submetê-la aos interesses de uma entidade privada.
O desbloqueio dos portos da Ucrânia
O Estado de S. Paulo
A flexibilização do bloqueio aos portos é boa notícia, a ser celebrada com cautela ante as mostras de cinismo do Kremlin
Ontem, após cinco meses de conflito na
Ucrânia, o primeiro cargueiro deixou o porto de Odessa. É o resultado de
acordos celebrados na sexta-feira pela Ucrânia e a Rússia com a Turquia, sob a
supervisão da ONU. Ainda que não altere o impasse em solo ucraniano, a
flexibilização do bloqueio aos portos é digna de ser festejada. Mas com
cautela. Na véspera da invasão, o presidente russo, Vladimir Putin, alegou que
suas tropas só estavam lotadas na fronteira com a Ucrânia para exercícios
militares. No sábado passado, dia seguinte ao acordo, a Rússia bombardeou
Odessa.
Conhecida como o “celeiro da Europa”, a
Ucrânia é o quinto maior exportador mundial de cereais. Desde o início da
invasão, a ONU alerta para as consequências catastróficas do bloqueio russo
para a segurança alimentar global. Todos os dias, 828 milhões de pessoas passam
fome e outros 47 milhões estão na iminência de integrar esse rol, especialmente
na África, Oriente Médio e Ásia.
Pelo acordo, a Ucrânia liberará um corredor
entre suas minas no Mar Negro. A Rússia, por sua vez, conseguiu garantias da
ONU e União Europeia de que suas exportações de grãos e fertilizantes não
sofrerão sanções. Um “centro de coordenação” em Istambul formado por Rússia,
Ucrânia, Turquia e ONU inspecionará os navios para garantir que não carregam
armas.
Além do acordo, a boa colheita no
Hemisfério Norte e o dólar forte contribuíram para baixar os preços dos
alimentos em um terço em relação ao pico deste ano. Mas as sequelas da pandemia
e a perspectiva de uma guerra longa ainda os mantêm 40% acima de janeiro de
2020.
O porta-voz do Kremlin disse que a retomada
do tráfego no Mar Negro é “uma boa chance de testar a efetividade desses
mecanismos”. Mas essa efetividade depende, sobretudo, da boa vontade do próprio
Kremlin. O acordo não foi um ato de caridade russo, mas uma resposta às
pressões de parceiros e aos riscos de escoltas americanas. De toda forma, a ONU
não dispõe de meios para exigir seu cumprimento.
Os bombardeios do sábado passado teriam
atingido alvos militares e, portanto, não implicam, tecnicamente, um
rompimento. Mas suscitam desconfiança nos exportadores e mantêm os prêmios dos
seguros altos. Com isso, os preços dos grãos seguem elevados, facilitando à
própria Rússia financiar sua guerra. O ataque também sinaliza que a Rússia
mantém os planos de controlar o sul da Ucrânia e de dificultar as exportações
de Kiev.
Ou seja, após meses com a agressão
ilegítima de Putin restringindo a cadeia de alimentos, a comunidade
internacional conseguiu recuperar uma rota importante. Mas nada impede que
Putin tenha cedido para, em seguida, impor novas restrições.
A aliança ocidental precisa manter os esforços para abrir rotas alternativas por terra. Até o momento, essa aliança forneceu armas suficientes à Ucrânia para reduzir o avanço russo, mas não para retomar seu território. Enquanto a Rússia não for forçada a recuar e não se convencer de que os custos da guerra continuarão a crescer, a segurança alimentar global seguirá em risco.
Segunda chance
Folha de S. Paulo
Pacotes de estímulo a política industrial e
energia limpa podem ajudar Biden a superar descrédito
Os últimos meses foram difíceis para o
presidente dos Estados Unidos, Joseph Biden.
A inflação elevada, a ameaça de uma nova recessão e a popularidade em baixa
ampliam o risco de
derrota nas eleições legislativas de novembro, quando estará em
jogo a maioria detida pelo Partido Democrata no Congresso.
Se a experiência de Barack Obama ensina
algo, seria o fim de qualquer ambição em torno da agenda do partido. Pesquisas
recentes indicam que a maior parte dos eleitores democratas prefere que
Biden não concorra
à reeleição em 2024.
Apesar do quadro adverso, o presidente
americano alcançou vitórias expressivas e, em alguns casos, até surpreendentes.
No ano passado, o Congresso já aprovara dois pacotes de grande repercussão.
O primeiro proveu US$ 1,9 trilhão em
auxílios durante a pandemia de
Covid-19. O valor é visto hoje como excessivo, no entanto, por ter
ampliado a demanda muito além da produção e estimulado pressões inflacionárias
que agora custam caro à popularidade de Biden.
O outro destinou US$ 1 trilhão para
infraestrutura, com desembolsos previstos ao longo de vários anos. Teve apoio
amplo e foi saudado como uma iniciativa importante para reposicionar a economia
americana no cenário competitivo global.
Na semana passada, o Congresso, novamente
por ampla maioria, aprovou um programa de
incentivos que reserva US$ 280 bilhões para pesquisa e produção
de semicondutores, indústria que ocupará papel central no desenvolvimento
tecnológico no futuro.
O objetivo é fazer retornar ao país
parcelas significativas das cadeias de produção que hoje estão concentradas na
Ásia, sinal inequívoco da disposição dos EUA em abraçar políticas industriais e
mobilizar sua base produtiva para se contrapor ao avanço da China.
Mas é na peça ainda em discussão no
Congresso que está o maior impacto potencial. Na semana passada, anunciou-se
um acordo para
destravar um pacote de US$ 369 bilhões em incentivos para
desenvolvimento de fontes de energia limpa —necessárias para viabilizar redução
de até 40% nas emissões de carbono do país até 2030.
O projeto também permite um corte no
déficit federal, diminuindo gastos com medicamentos e fechando brechas na
cobrança de impostos das empresas, além de abater despesas das famílias com
saúde.
Graças a essa combinação, foi possível
conquistar o voto do único senador democrata que vinha impedindo a formação de
maioria a favor do projeto. A votação final do pacote está prevista para
setembro.
Não é pouco para um governo que afundou tão
rapidamente no descrédito, ainda que o reconhecimento esperado por Biden dos
eleitores pareça longe de garantido.
Política envenenada
Folha de S. Paulo
É preocupante cenário em que cidadãos
deixam o debate de lado por medo de reação virulenta
Vai mal a política brasileira. Segundo o
Datafolha, 49% dos eleitores no país deixaram de debatê-la com
familiares e amigos para evitar que uma conversa tranquila se transforme em
colérica discussão.
E não se diga que a atitude brota do vazio
ou, o que dá no mesmo, do puro preconceito. Entre os entrevistados, 54%
disseram já ter vivido nos últimos meses algum episódio de constrangimento,
intimidação verbal ou ameaça física em razão de suas posições políticas.
Mesmo quem não enfrentou esse tipo de
situação conhece motivos para temê-la. Não faz nem um mês que um militante
petista foi assassinado por um bolsonarista, num crime
precedido por gritos como "aqui é Bolsonaro" e "Lula
ladrão".
Trata-se de caso extremo, e felizmente o
único a chegar tão longe na escala da tragédia. Mas houve outros que, se não
tiveram a mesma violência, também contribuem para certo recato que passou a
encobrir as convicções políticas.
Para não ir longe nos exemplos, lembre-se
que, dias antes do homicídio de um petista, um ato com a presença do
ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) no Rio de Janeiro foi alvo de um artefato
explosivo.
O clima radioativo em torno da política,
contudo, não decorre apenas desses episódios. De maneira difusa, um radicalismo
crescente acompanha discordâncias programáticas e preferências partidárias em
toda parte, não só no Brasil.
Segundo especialistas que estudam crises de
democracias, as redes sociais têm sua parcela de culpa no
acirramento de ânimos.
Por meio de mecanismos diversos, mas
sobretudo pelo estímulo às opiniões veementes, essas gigantes da tecnologia
fomentam uma lógica de ressonância entre iguais e firme rejeição aos
diferentes.
Transposto para a vida real, o ambiente das
redes se traduz no oposto da política —em vez da discussão saudável sobre os
rumos da cidade, do estado ou do país, tem-se a fúria facciosa dos que não
aprenderam a conviver com a divergência.
A isso se soma a presença de Jair
Bolsonaro (PL) na Presidência. O político que já incentivou
seguidores a, nas suas palavras, "fuzilar
a petralhada", é o maior divulgador da visão tacanha segundo a
qual adversários políticos são inimigos.
Quando debater política deixa de ser normal
e se torna um problema, a cidadania se retrai e o sectarismo se insinua no
tecido social —um cenário que só interessa a quem não dispõe de bons argumentos
para convencer a população.
É preciso rever o corte na verba das
universidades
O Globo
Instituições federais correm risco de parar
por falta de dinheiro para pagar contas básicas como luz ou água
Feitos com o intuito de reduzir o prejuízo
dos desvarios eleitoreiros do presidente Jair Bolsonaro noutras áreas, os
cortes no orçamento das universidades federais poderão acarretar a paralisia
delas antes do fim do ano. Como mostrou reportagem do GLOBO, ao menos 17 correm
o risco de interromper atividades nos próximos meses por falta de dinheiro para
pagar contas básicas, como luz ou água, serviços essenciais de manutenção
predial, além de bolsas, auxílio estudantil, equipamentos e insumos. Em 2022,
as federais perderam mais de R$ 400 milhões em recursos discricionários —
verbas do Orçamento que podem ser remanejadas — destinados ao pagamento dessas
despesas.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), uma das maiores do país, já avisou que o dinheiro só dá até setembro.
Se não houver uma recomposição orçamentária, terá de suspender contratos e
parar atividades de ensino e pesquisa. A do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa),
que em 2022 amargou o segundo menor orçamento de sua história, alega que “já
foram realizados todos os ajustes internos possíveis”. A de Alfenas (Unifal),
em Minas Gerais, terá de reduzir as bolsas acadêmicas e a quantidade de alunos
atendidos pela assistência estudantil, uma lástima.
Em várias instituições, os cortes já causam
danos. A Federal de Lavras (Ufla), em Minas, teve de demitir 150 funcionários
terceirizados que trabalhavam em limpeza, conservação e segurança. A manutenção
também ficou ao léu na Federal de Alagoas (Ufal), que ainda se recupera dos
estragos das tempestades de maio em Maceió. A reitoria não tem recursos para
consertar telhados, infiltrações e reativar salas interditadas. Os cortes não
afetam apenas o orçamento deste ano, já que muitas universidades terão de
empurrar débitos para 2023. A Unifal projeta dívida de R$ 20 milhões.
Nas federais, os cortes são mais sentidos
porque o orçamento discricionário já vinha em queda, apesar do aumento das
despesas resultante da inflação. Em 2011, o total destinado a elas foi de R$ 12
bilhões. Em 2021, já caíra a R$ 4,4 bilhões, sob a justificativa de que as
universidades passaram a funcionar com ensino remoto. Em 2022, com a volta das
aulas presenciais, o orçamento subiu para R$ 5,1 bilhões, valor insuficiente
para pagar as contas, segundo as instituições. Elas reivindicam recomposição
pelo menos ao nível de 2019, quando receberam R$ 5,7 bilhões.
Não é difícil entender a decisão
orçamentária perversa tomada pelo governo. O Congresso autorizou aumento nas
despesas para ampliar o Auxílio Brasil às vésperas da eleição e para conceder
benesses a categorias específicas como caminhoneiros e taxistas, de olho no
retorno eleitoral imediato. Ao mesmo tempo, para cumprir as normas fiscais,
escolheu cortar em setores essenciais como educação e saúde.
É preciso rever com urgência os cortes no
orçamento discricionário das federais. Não tem cabimento que elas precisem
paralisar atividades por falta de dinheiro para suprir as necessidades mais
básicas. Não se está falando de gasto supérfluo, mas de conta de luz, serviço
de limpeza e segurança. Pior ainda que isso aconteça depois de dois anos de
prejuízos incalculáveis à educação em todos os níveis, em razão da paralisação
durante a pandemia. Criar uma situação que leva ao fechamento de salas de aula
justamente quando todas as atividades são retomadas é o cúmulo do desleixo com
a educação.
Educação sexual é arma essencial no combate
à gravidez infantil
O Globo
Apesar da melhora nos indicadores nos
últimos 20 anos, quase 50 meninas dão à luz por dia no Brasil
Chamou a atenção em junho o caso da menina
de 11 anos, vítima de estupro, impedida de abortar por uma juíza de
Florianópolis. O procedimento — autorizado nesse caso nos termos da lei em
vigor — só pôde ser realizado depois da repercussão e de recomendação do
Ministério Público Federal. Além da necessária discussão sobre o acesso ao
aborto legal, o episódio pôs em evidência uma das mazelas sociais mais
desesperadoras do Brasil: as crianças grávidas.
Entre 1994 e 2021, de acordo com dados do
Ministério da Saúde, houve 710.075 partos feitos por meninas de até 14 anos. A
gravidez de meninas atingiu o pico de 28.973 em 2000 e começou a cair. Em 2015,
foram 26.701. No ano passado, 17.316. Apesar da queda, ainda é um problema
enorme. Em média, 47 meninas deram à luz em 2021 a cada dia.
Meninas que engravidam e suas famílias
necessitam de apoio imprescindível da saúde pública, nem sempre oferecido. Toda
menina tem o direito à educação, a uma vida profissional e a poder escolher ser
mãe quando tiver maturidade para isso.
Embora o aborto esteja previsto em lei
quando a gravidez põe em perigo a vida da mãe, caso das meninas grávidas,
representantes do Estado e hospitais resistem a cumpri-la. Além das previsões
legais para o aborto, o Código Penal considera todo ato sexual com menores
estupro de vulnerável, crime passível de oito a 15 anos de prisão.
Há tragédias inomináveis. Uma menina de 11
anos de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, era mantida em cativeiro e
sofria abusos sexuais constantes (o principal suspeito era o padrasto). Ela
engravidou, houve a tentativa de fazer o aborto como determina a lei, mas, como
em Florianópolis, unidades de saúde e a Justiça resistiram. A menina deu à luz
em casa, houve complicações depois do parto, e ela terminou sendo levada ao
hospital. O padrasto foi preso. A Justiça decidiu que a menina e o bebê ficarão
em abrigo público.
Começa aí outro drama, que envolve o tipo e
qualidade do apoio que mãe e filho receberão. Não se discute que o Estado deve
supri-lo. Mas em que condições? “Com uma criança vítima de uma violência tão
séria, será necessária a intervenção psicológica, do serviço social e tudo o
mais”, disse ao GLOBO a advogada criminalista Soraia Mendes. “O grande problema
é garantir isso tudo em condições de abrigamento ou mesmo estando com a
família.”
O preconceito contra a educação sexual
costuma estar na raiz da gravidez precoce. Quanto menos informação tem a
criança sobre a vida sexual, maior a possibilidade de enfrentar situações
traumáticas como uma gravidez na infância ou pré-adolescência, que levem à
necessidade de um aborto ou ao nascimento de um filho que dificilmente terá o
acolhimento de que precisa. O Estado precisa fazer o possível para resistir aos
preconceitos e às pressões ideológicas, de modo a garantir educação sexual de
qualidade às crianças.
Rápida retomada do mercado de trabalho não
é sustentável
Valor Econômico
Melhora deve ter vida breve e pode ser
revertida no próximo ano, quando se esgotarão os estímulos eleitorais de curto
prazo
O mercado de trabalho vem mostrando rápidas
melhorias nos últimos meses. O número de desocupados diminui, enquanto crescem
as contratações. Baseados nesse desempenho mais positivo, alguns bancos até
aumentaram a previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Nos
detalhes, porém, os resultados deixam a desejar. O número de informais é
recorde, a renda real vem encolhendo e os trabalhadores com menor escolaridade
estão ficando para trás. Além disso, a perspectiva é que a melhora terá vida
breve e pode ser revertida no próximo ano, quando se esgotarão os estímulos de
curto prazo que o governo implementou para atrair apoiadores nas próximas
eleições.
De acordo com a Pnad Contínua, apurada pelo
IBGE, a taxa de desemprego caiu para 9,3% no segundo trimestre, bem abaixo dos
11,1% do primeiro trimestre e dos 9,8% do trimestre móvel encerrado em maio. Há
um ano, a taxa estava em 14,2%, e agora chega ao menor patamar para o período
desde o segundo trimestre desde 2015, quando tinha ficado em 8,4% e o país
entrava em recessão.
O segundo trimestre fechou com 10,1 milhões
de desempregados, 15,6% ou 1,9 milhão de pessoas a menos do que no primeiro
trimestre; e 32% a menos, ou 4,8 milhões de pessoas, do que no mesmo período de
2021. A população ocupada, incluindo empregados, empregadores e funcionários
públicos, era de 98,3 milhões de pessoas, recorde para a série histórica da
pesquisa, iniciada em 2012. Isso representa alta de 3,1% em relação ao primeiro
trimestre, ou 3 milhões de pessoas ocupadas a mais, e 9,9%, ou 8,9 milhões de
pessoas a mais do que no primeiro trimestre do ano passado.
As estatísticas do Ministério da
Previdência e Emprego também são positivas. O Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Caged) registrou, em junho, a criação de 278 mil empregos com
carteira assinada. Foi o terceiro mês consecutivo de crescimento, acumulando
1,3 milhão no semestre. A expansão é alavancada pelo setor de serviços, que
está recuperando o espaço perdido durante o auge da pandemia, e foi responsável
por praticamente metade das vagas de junho. Nem todas as atividades retomaram o
patamar anterior à pandemia, porém, e há pontos frágeis nessa recuperação.
O número de trabalhadores informais é
recorde - 39,3 milhões de pessoas -, desde que começou a série histórica desse
dado, no quarto trimestre de 2015. A conta leva em consideração os
trabalhadores sem carteira assinada, inclusive auxiliares domésticos e por
conta própria sem CNPJ. A taxa de informalidade é de 40% da população ocupada.
Dos cerca de 3 milhões que arrumaram emprego no segundo trimestre, 36,8%, ou
aproximadamente 1 milhão, tiveram que se contentar em não ter a carteira
assinada.
Há ainda um número não desprezível de
pessoas que nem isso consegue: são aqueles sem instrução ou com ensino
fundamental incompleto, grupo que ainda não voltou ao nível de ocupação
anterior à pandemia. Levantamento feito por pesquisadores do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) a partir de
microdados da Pnad Contínua constatou que o número de trabalhadores menos
escolarizados era de 20,14 milhões no fim do primeiro trimestre, 5,2% a menos
do que os 21,25 milhões do primeiro trimestre de 2020.
As demais faixas, com ensino fundamental
completo, médio completo ou superior completo, recuperaram as perdas causadas
pela pandemia. A defasagem é atribuída ao fato de que o setor de serviços, que
tem espaço para os de menor qualificação, ainda não se recuperou completamente.
Mais um sinal de fragilidade do mercado é a
renda média dos trabalhadores, que está 5,1% abaixo da de um ano atrás,
indicando que os salários estão deprimidos diante da insegurança em relação à
continuidade da recuperação da economia.
Parte das instituições financeiras receia uma piora do mercado de trabalho ao longo do segundo semestre, com as incertezas causadas pelas eleições, os efeitos defasados da alta de juros doméstica e externa. Mas outra parte prevê esse quadro mais negativo só para 2023, apostando que os negócios serão aquecidos pelos estímulos dados pelo pacote eleitoral do governo e medidas para baixar a inflação. O Bradesco, por exemplo, acaba de elevar a previsão para o PIB deste ano de 1,8% para 2,3%, cenário que inclui a queda da desocupação até 8% ao final do ano. O BNP Paribas prevê 2,5%. Mas há um consenso: para 2023 a melhor hipótese é de estabilidade do PIB.
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