Não
é só o “abismo fiscal” que ameaça a retomada em 2021
O
fim das medidas de estímulo fiscal, entre as quais a mais importante foi o
pagamento do auxílio emergencial, não é a única força que poderá conter o
crescimento da economia neste começo de 2021. Cumprindo o cronograma que havia
estabelecido, o Banco Central deixou expirar no fim de 2020 alguns dos
programas de crédito direcionado que havia criado na primeira onda da covid-19
para manter o fluxo de crédito na economia.
Saiu
de cena uma linha que liberou R$ 51,7 bilhões em depósitos compulsórios sobre
depósitos em poupança, que estavam retidos no BC, para operações de crédito a
micro, pequenas e médias e empresas. Essa mesma iniciativa canalizou outros R$
7,6 bilhões dos grandes bancos para as instituições financeiras de menor porte,
que em geral são especializadas em dar crédito aos pequenos negócios.
Também
expirou uma linha de assistência financeira de liquidez que injetou R$ 69,5
bilhões em 49 bancos, com foco nos pequenos. Esse programa ajudou a reciclar a
carteira de crédito das instituições financeiras, porque usa como colateral
papéis (as chamadas LFGs) que são lastreados por empréstimos, garantindo assim
o fluxo de novas operações.
Chegou ao fim em novembro outra iniciativa que liberou capital dos bancos, antes imobilizado para dar suporte a créditos tributários, que permitiu a realização de R$ 14,4 bilhões em financiamentos para micro, pequenas e médias empresas. Essa facilidade acabou antes do esperado porque a medida provisória (MP) que deu origem a ela não foi aprovada no Congresso. Mas, pelo cronograma original, expiraria de qualquer forma no dia 31 de dezembro.
Uma
rara iniciativa voltada às empresas de menor porte que ganhou sobrevida é o
bem-sucedido Pronampe, em que o Tesouro deu garantia de 85% dos empréstimos. No
finzinho do ano, foi realizado um aporte extra de R$ 10 bilhões no fundo que
lastreia o programa. Mas esse é um programa fiscal. As medidas de crédito
direcionado que usam exclusivamente o balanço do Banco Central acabaram no
prazo previsto.
Seguem
em vigor, por hora, medidas mais gerais que injetaram liquidez no mercado
financeiro como um todo, sem um carimbo que obrigue os bancos a aplicarem o
dinheiro num setor ou no outro. É o caso, por exemplo, da redução temporária,
de 25% para 17%, da alíquota dos compulsórios sobre depósitos a prazo. O BC
definiu que, em abril, a alíquota seja elevada a 20%, mas sem retornar a 25%. O
Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a recomendar, no seu relatório de
avaliação do país, que a alíquota fosse mantida em 17%. Mas o BC respondeu que
só avaliará essa possibilidade depois que colocar para funcionar seu novo
mecanismo de assistência financeira de liquidez.
A
importância do crédito direcionado é, em geral, pouco reconhecida pelos
economistas na resposta do governo à crise, que evitou uma recessão mais
profunda. Como muitos dos programas se sobrepõem, é difícil medir o seu efeito
exato. Mas alguns dados ilustram o seu alcance. As concessões dos chamados
“outros créditos direcionados”, que incluem algumas dessas linhas, somaram R$
99,048 bilhões no período de janeiro a novembro de 2020, ante R$ 10,490 bilhões
no mesmo período do ano anterior. O acréscimo equivale a 1,1% do Produto
Interno Bruto (PIB).
O
crédito bancário cresceu 15,6% no período de 12 meses até novembro graças ao
“renascimento” dos direcionamentos. Sem ele, teria avançado algo como 8,5%,
atendendo basicamente as grandes corporações, que sugaram o caixa dos bancos
depois que o mercado de capitais ficou paralisado. Com o fim de vários
programas, o Banco Central estima que o crédito vá crescer apenas 7,8% em 2021.
O crédito direcionado a empresas vai encolher 5,3%, ou perto de R$ 35 bilhões.
É
compreensível a determinação do Banco Central em extinguir os programas de
crédito direcionado no prazo combinado. No Brasil, essas iniciativas
temporárias costumam se tornar permanentes. A crise econômica do governo Dilma
Rousseff se deve, em grande medida, às ações tomadas como resposta à crise
financeira mundial. O aporte emergencial de R$ 100 bilhões no BNDES em 2009
virou uma espécie de orçamento, que se repetiu todos os anos. Nos anos 1960 e
1970, o BC tinha dentro de si um banco de fomento para crédito agrícola. Deu na
grande inflação dos anos 1980.
A
manutenção do cronograma do fim dos programas de crédito direcionado da
pandemia é uma aposta do Banco Central de que o sistema financeiro já pode
caminhar com as suas próprias pernas, fornecendo linhas para quem precisa, e de
que o mercado de capitais vai reengatar, com volumes mais expressivos de
captações em debêntures e notas promissórias. A liquidez internacional está
favorável, mas o Brasil não deverá aproveitar muito. O BC espera que as
empresas rolem apenas 85% das captações no exterior.
Esse,
porém, é um cenário ainda muito incerto. A crise não acaba com o
ano-calendário, no dia 31 de dezembro, como previu o Banco Central em junho,
quando criou alguns dos principais programas. A segunda onda da covid-19 e o
atraso do governo em providenciar a vacinação da população representam riscos
relevantes. Nos Estados Unidos, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, cortou
verbas que sustentam as linhas de financiamento aos pequenos negócios do
Federal Reserve (Fed). Embora, por lá, essas linhas tenham sido utilizadas bem
menos do que o esperado - o Brasil se saiu melhor nesse aspecto -, dirigentes
do Fed reclamaram, sustentando que preferem ter essa ferramenta creditícia ao
alcance das mãos se a situação voltar a piorar.
Ao contrário do Brasil, porém, os Estados Unidos têm espaço fiscal e emitem moeda de reserva - estão colocando na rua mais um pacote de estímulo neste ano. Por aqui, o BC reconhece os riscos de que, com o fim do auxílio emergencial, a economia possa ter um novo mergulho recessivo, embora o cenário central não seja esse. O único ponto de conforto é que, se a coisa piorar, o BC pode rapidamente reinstituir os programas que expiraram.
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