Valor Econômico
As ações afirmativas melhoraram a
diversidade sem efeitos negativos na eficiência e alocação de talentos
No artigo do mês passado neste Valor Econômico,
escrevi que a meritocracia não é inconsistente com o aumento da diversidade.
Mencionei o exemplo da admissão de mulheres nos colleges da Universidade de
Cambridge em meados do século passado e o aumento da participação feminina e de
negros em várias ocupações nos Estados Unidos. Esses aumentos foram acompanhados
de melhorias na produtividade do trabalho americano, como vários estudos
demonstram.
Certamente, o fortalecimento da oferta de
educação e saúde à população carente, desde a primeira infância até o final do
ensino médio, são essenciais para combatermos as desigualdades de oportunidades
e promovermos a diversidade. Há inúmeras iniciativas no Brasil e no mundo de
políticas que funcionam em relação à educação e saúde. É o papel de um bom
gestor público estudar as experiências e procurar implementar ações de
comprovado sucesso, levando em conta as restrições locais.
No entanto, o retorno do investimento em capital humano não é imediato e, portanto, ações afirmativas têm um papel decisivo em influenciar a diversidade no curto prazo. Tais iniciativas cumprem com o objetivo de promover a ascensão de indivíduos marginalizados e com isso diminuir vieses no longo prazo, já que a convivência de grupos diversos pode amenizar o preconceito estrutural.
Há, contudo, a necessidade de preservarmos
o sistema de incentivos para que o talento, o esforço e a tomada de risco sejam
recompensados. Nesse contexto, um dos papéis fundamentais da universidade é
formar bons profissionais, que precisam ser selecionados. As provas de admissão
são apenas uma informação, não é todo o conjunto de elementos necessários para
fazermos as seleções. O desempenho de um aluno depende principalmente de seu
esforço, mas é também função dos recursos que foram disponíveis na sua formação
e de exemplos de pessoas próximas.
Jovens talentosos de áreas carentes, que
vieram de colégios com problema de violência e frequência de professores, podem
não atingir os requerimentos de cursos com alta competição sem algum tipo de
incentivo na seleção.
Um ponto fundamental na questão de como
aumentar a diversidade é pensar no desenho das ações afirmativas para não
gerarmos efeitos adversos que possam levar ao questionamento dessas ações.
Devemos adotar um sistema de quotas para
certos grupos nas universidades e nos concursos públicos independentemente de
fatores sociais? Responder essa questão requer avaliarmos os benefícios, os
custos e possíveis efeitos indesejados das políticas.
As quotas são capazes de melhorar a
diversidade, mas podem gerar distorções. Suponha dois jovens concorrendo para
uma vaga de medicina em uma universidade pública. Assuma que ambos moram em um
mesmo bairro, frequentam o mesmo colégio e as famílias têm estruturas e rendas
parecidas. Será que deveríamos tratar esses indivíduos de forma diferente na
admissão desta vaga? Um argumento a favor de priorizar a admissão de um negro
neste caso é incentivar futuro jovens do mesmo grupo a se tornarem médicos e
diminuir o viés oculto de alguns colegas da profissão. Porém, qual é o limite
das ações afirmativas?
Em geral, prefiro quotas baseadas na origem
da escola e renda ao invés daquelas determinadas por raça. Como a
representatividade de negros e pardos são maiores em escolas públicas do que em
escolas privadas, quotas baseadas na origem da escola necessariamente
beneficiariam mais negros e pardos.
Também acho preferível o bônus na nota ao
invés de quotas. O bônus na nota procura corrigir as adversidades enfrentadas
por alunos de escolas públicas, mantendo o incentivo ao desempenho. O bônus
poderia ser determinado baseado nas notas dos alunos de escolas públicas dentro
da universidade e sendo constantemente monitorado e ajustado.
Em trabalho que escrevi com Juliana
Guimarães e Breno Sampaio com dados da UFPE de 2005, mostramos que na época
havia uma barreira aos estudantes de escolas públicas a entrar nos cursos mais
concorridos da instituição. No entanto, uma vez na universidade, os estudantes
oriundos de escolas públicas tinham, em média, desempenho superior ao de vários
alunos do ensino privado.
Avaliando a introdução de um bônus na nota
em 2005 para alunos do ensino público concorrendo para uma vaga na Unicamp,
Fernanda Estevan, professora da FGV de São Paulo, mostrou que essa política
afirmativa aumentou a diversidade sem efeitos adversos sobre o desempenho.
Maria Eduarda Tannuri-Pianto e Andrew
Francis avaliaram em uma série de artigos as quotas raciais introduzidas na
Universidade de Brasília em 2004. Os resultados indicam que os quotistas eram
mais pobres do que os estudantes que deixaram de entrar na universidade e que
as diferenças raciais no desempenho dentro da universidade não aumentaram. A
introdução das quotas gerou o aumento da fração de estudantes que se auto
identificavam como negros.
Ou seja, a grande maioria dos estudos com
dados de mais ou menos 15 anos atrás mostraram que ações afirmativas não só
melhoraram a diversidade, como também não tiveram efeitos negativos na
eficiência e alocação de talentos.
No Brasil, a Lei 12.711 de 2012 determinou
que as instituições de ensino superior federais deveriam reservar 50% de suas
vagas para alunos oriundos de escolas públicas, e dentro dessa reserva, algumas
vagas são para pessoas de baixa renda e autodeclarados pretos, pardos ou
indígenas. Temos, assim, dois tipos de reserva: quotas sociais e quotas
raciais.
Em artigo recente publicado no American Economic
Journal, “Microeconomics”, Aygun Orhan e Inácio Bó mostram que esse sistema de
quotas pode ter gerado distorções, já que dificultou a admissão de alunos
negros de baixa renda, pois aumentou a procura por vagas destinadas aos
quotistas - mais pessoas se autodeclararam negros. Elevando em vários cursos o
ponto de corte de entrada para os negros de baixa renda e diminuindo o de
alunos brancos de baixa renda.
Pensar no desenho das ações afirmativas é
fundamental para minimizar efeitos adversos, manter o incentivo ao desempenho,
evitar uma segregação dentro da universidade e diminuir a possibilidade de
estigma. É uma política que necessita de avaliação e monitoramento constante,
já que as estruturas sociais podem mudar. Caso contrário, corremos o risco de criarmos
resistência crescentes às ações afirmativas.
*Tiago
Cavalcanti é professor da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.
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