quinta-feira, 3 de julho de 2025

Sem recuo à vista no #congresso damamata - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Governo escalou o tom nas redes para abrir espaço ao armistício

A estética do confronto chegou para ficar como condição necessária, ainda que insuficiente, para o governo chegar ao armistício com o Congresso. O primeiro sinal de que o bombardeio #congressodamamata incomodou foram os recibos passados pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), (“Quem alimenta o nós contra eles acaba governando contra todos”) e pelo presidente do União, Antônio Rueda, (“Não consegue resolver o problema fiscal e joga a culpa no Congresso”).

Esta percepção, de um ministro que é conselheiro de colegas petistas sem nunca ter sido do PT, e tem linha direta com os presidentes da Câmara e do Senado, não se restringe a aplaudir a reação governista até aqui. Advoga que o próprio presidente da República vá pra cima nas redes sociais dizendo que o Congresso não quer votar a isenção do IR ou o aumento de imposto para rico e pretende congelar o salário-mínimo.

A discussão do dito “gasto estrutural” ficará para 2027. A saída, por ora, é se enquadrar no arcabouço fiscal com corte gasto tributário, como propõe o ministro Fernando Haddad, e recorrer ao Supremo Tribunal Federal em busca de uma paridade de armas sem a qual, assim como acreditam as potências nucleares, não se previnem ataques.

O exercício do poder dissuasório da reação governista já abriu espaço para a ministra Gleisi Hoffmann e o deputado José Guimarães (PT-CE) irem a público se contrapor aos ataques nas redes que miram Hugo Motta - estimulados, por um lado, pela ofensiva virtual governista e, por outro, pelo dilema existencial da Câmara. Pesquisa Genial/Quaest mostrou que 88% dos deputados querem a elevação da faixa de isenção do IR, mas não sabem como financiá-la: 46% são contra a elevação do IR para super-ricos e 53% são contra o PL dos supersalários.

O sarrafo da negociação se eleva nas emendas. A pedida não é apenas de liberação mas para que o governo contenha Flávio Dino. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não passa a mão no telefone e liga para o ministro quando quer apertar o Congresso mas é isso que se quer que ele faça - por óbvio, para desapertar. Não há um único real de emenda bloqueado hoje por determinação de Dino, mas é a ampliação do consenso contrário à execução do modelo vigente, como fez o ministro na semana passada, que os incomoda.

Tanto nas emendas, quanto na disputa de espaços no governo, o que corrobora para obstruir a relação com o Executivo é a dificuldade de as lideranças partidárias explicitarem suas demandas. Tome-se aquela do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que se move pela cabeça do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira. Colegas já lhe fizeram chegar a norma do gabinete presidencial. Terá que parar de mandar recados e verbalizar diretamente suas demandas a Lula. Explicitar demandas do gênero e, principalmente, as razões que as motivam, não é um passeio quando se está diante do presidente da República, mas se é com ele o confronto não haveria como evitá-lo.

Quando a crise do IOF atravessou a Praça dos Três Poderes e foi parar no STF, o enredo ganhou previsibilidade. O envio da ação do governo pela constitucionalidade do decreto do IOF para Alexandre de Moraes pouco tem a ver com a “prevenção” do ministro e, menos ainda, com seus atributos. O decano, a quem foi inicialmente atribuída a relatoria, busca preservar sua capacidade de interlocução como resolvedor-geral de crises.

Como um confronto a mais ou a menos entre Moraes e o Congresso não faz diferença no patamar de animosidade que os aparta, o ministro Gilmar Mendes pôde simbolizar o exercício desta autodelegação na manhã de quarta-feira com a foto em que divide o palco com Hugo Motta em Lisboa, que, anualmente, volta a ser a capital da conciliação das elites - por um preço que permanece desconhecido.

Alcolumbre não foi mas, como é de seu feitio, mandou recados. Se ele não for reeleito para o comando da mesa, não tem como barrar impeachment de ministro na próxima legislatura. Sabe-se que o bolsonarismo não terá facilidade de alcançar este quórum porque quase todos os governadores em fim de mandato disputarão o Senado. Não é um perfil que avalize a tese. A assombração propagada por Alcolumbre é que, mesmo que não seja pautado, um pedido de impeachment pode ser aceito por outro presidente do Senado, o que tornaria a Corte refém.

Nesta conjuntura, não passa despercebido que Gilmar Mendes tenha ressuscitado o semipresidencialismo, tese que formulou junto com o ex-presidente Michel Temer. Um dos eventos do encontro de Lisboa é o lançamento do livro do jurista Vitalino Canas, “Presidentes governantes”, que foi resenhado pelo ministro na imprensa portuguesa.

No capítulo dedicado ao Brasil, o autor discorre sobre o desequilíbrio de um sistema cuja existência de dois impeachments presidenciais em 24 anos é demonstração da força adquirida pelo Legislativo sem que o chefe de Estado tenha adquirido poder semelhante de dissolução do Congresso.

Visto que o semipresidencialismo se tornou fato sem que tivesse havido uma mudança formal no sistema de governo, a tese parece voltar nesse momento para, paradoxalmente, para reforçar o presidente. O que resta por ser explicado é como o Congresso aprovaria, de bom grado, uma automutilação.

 

 

 

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