Folha de S. Paulo
O debate político brasileiro precisa de
humor e ceticismo
Filho de imigrantes, nascido no subúrbio
carioca do Meyer em 1923, Millôr Fernandes começou a escrever na revista
"O Cruzeiro" aos 16 anos e teve uma das carreiras mais longevas do
jornalismo brasileiro. Foi desenhista, dramaturgo e tradutor, mas preferia ser
chamado de jornalista: "para evitar qualquer pretensão", dizia.
Faleceu há dez anos, em 27 de março de 2012, e deixou um vácuo na imprensa e no
debate público. Que falta faz Millôr nesses tempos polarizados. Que falta faz
seu ceticismo.
Falo do ceticismo analisado por Michael
Oakeshott, aquele que se contrapõe à fé extrema na política: ceticismo como
dúvida constante sobre construções racionais que se arvoram a criar sociedades
perfeitas. Segundo Millôr: "Se uma pessoa estava no governo, eu ficava
contra. Isso em qualquer época".
Mas o ceticismo milloriano não se aplicava apenas ao poder institucional, e sim a ideologias de um modo geral. Após ser demitido de O Cruzeiro (por causa de uma sátira à Bíblia), Millôr publicou a "Pif-Paf" um mês após o golpe militar. A revista criticava a ditadura, óbvio, mas também se opunha à esquerda dogmática. Tiradas irônicas como "Os comunistas são contra o lucro, nós somos apenas contra os prejuízos" ou "Esta revista será de esquerda nos números pares e de direita nos números ímpares" permeavam as edições. Imagine essa postura em plena Guerra Fria, comunismo versus capitalismo: quando todos tomam partido, é preciso coragem para não tomar partido algum.
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