Bolsonaro eleva pressão sobre TSE com clima de campanha e Lollapalooza
Apesar de restrições da
legislação, presidente discursa como candidato, e especialistas veem 'comício
antecipado'
Marcelo Rocha / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA
- O presidente Jair Bolsonaro (PL) participou
de evento partidário em clima de comício antecipado neste
domingo (27), apesar das orientações da equipe jurídica diante dos riscos
de se enquadrar em crime eleitoral.
Com ataques ao ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro discursou como candidato,
um dia após anunciar que esse encontro do PL seria como um lançamento de sua pré-candidatura à reeleição.
A conduta do presidente elevou a pressão sobre integrantes
do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) diante das
restrições legais, no mesmo fim de semana em que seu partido questionou suposta
propaganda eleitoral irregular em benefício de Lula no festival do Lollapalooza.
O ministro Raul Araújo, do TSE, concedeu liminar classificando
como propaganda eleitoral as manifestações políticas de Pabllo Vittar e da
cantora galesa Marina e determinou multa de R$ 50 mil para a organização do
evento se houver outras. Advogados do PT, por sua vez, recorreram ao tribunal contra
a decisão.
A legislação eleitoral só permite campanha a partir de 16 de
agosto. Comícios não são autorizados até lá. Eventos públicos de lançamento de
pré-candidatura, situação não prevista na lei e semelhante ao de Bolsonaro
neste domingo, também são vetados.
Especialistas ouvidos pela Folha,
incluindo um ex-ministro do TSE que pediu anonimato, identificaram no evento
deste domingo com Bolsonaro elementos de campanha antecipada.
Para eles, apresentar-se como candidato, fazer menções ao pleito e
a seu principal adversário e pedir apoio da plateia são elementos que, fora do
cronograma eleitoral, configuram a campanha extemporânea.
O evento pode motivar apuração por abuso de poder econômico, procedimento que, embora improvável na prática, em tese poderia ser capaz de inviabilizar uma candidatura e ser avaliado em conjunto com outros atos de Bolsonaro típicos de campanha ao longo dos últimos meses, como as motociatas.
No encontro deste domingo, Bolsonaro disse que a eleição de
outubro não é luta da esquerda contra a direita, mas "do bem contra o
mal", em referência a Lula, à frente nas pesquisas de intenção de voto.
"O nosso inimigo não é externo, é interno. Não é luta da
esquerda contra a direita, é do bem contra o mal. E nós vamos vencer essa luta,
porque estarei sempre na frente de vocês", disse.
O chefe do Executivo fez um discurso com roupagem de candidato à
reeleição, ainda que isso não tenha sido mencionado.
"Se é para defender a democracia, a liberdade, eu tomarei a
decisão contra quem quer que seja. E a certeza do sucesso é que eu tenho o
exército ao meu lado. Este exército é composto de cada um de vocês",
disse.
Em outro momento, Bolsonaro afirmou que, às vezes, "embrulha
o estômago ter que jogar dentro das quatro linhas [da Constituição]", mas
que o faz.
"Por vezes, me embrulha o estômago ter que jogar dentro das
quatro linhas [da Constituição], mas eu joguei e não foi da boca para fora. E
aqueles que estão do meu lado, todos, em especial os 23 ministros, eu digo
isso, vocês têm a obrigação de, juntamente comigo, fazer com que quem esteja
fora das quatro linhas seja obrigado a voltar para dentro."
Esta não é a primeira vez que ele fala sobre quem atua fora da
Constituição. Costuma usar a expressão como referência velada a
ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Realizado em Brasília no Centro de Convenções Internacional do
Brasil, que se apresenta como o maior centro de convenções da América Latina, o
evento do PL contou com a presença de parlamentares, ministros e apoiadores do
presidente.
Em meio à crise que envolve a atuação de pastores na liberação de verbas do MEC
(Ministério da Educação), Bolsonaro não fez menções diretas ao ministro Milton
Ribeiro, alvo de investigação, mas afirmou que "buscam qualquer gota
d'água para transformar num tsunami".
"Todos nós somos humanos. Podemos errar. Quem nunca errou que
está na plataforma neste momento?", disse no palanque.
No fundo do palco havia uma foto do presidente entre apoiadores
com os dizeres: "Capitão do povo". O slogan "É com ele que eu
vou" também foi explorado no ato.
Se há quatro anos Bolsonaro fez campanha com menos recursos, o
evento deste domingo serviu para mostrar que, em 2022, ele contará com outra
realidade. O ato desta manhã foi organizado e teve estrutura diferente do
passado.
A expectativa dos apoiadores era a de que chegasse a 5.000
convidados, mas o salão tinha alguns locais esvaziados. O apresentador
era Cuiabano Lima, locutor de rodeio e simpatizante do mandatário.
Como a Folha mostrou, a campanha do chefe de Bolsonaro chegou a mudar o anúncio do
evento, que inicialmente seria o lançamento da pré-candidatura, após
o sinal vermelho da equipe jurídica.
Os organizadores alteraram o material de divulgação e passaram a
chamar o evento de "Movimento Filia Brasil".
Mesmo assim, Bolsonaro disse no sábado (26) o evento seria "o
lançamento da pré-candidatura", indicando o clima de campanha adotado neste
domingo.
Para ex-ministro Carlos Velloso, que presidiu o TSE, a propaganda
eleitoral sempre foi tema de muita polêmica na corte. "Numa interpretação
pessoal, eu acho que a lei é muito rigorosa, mas fugir da lei é pior. Fora da
lei não há salvação", disse.
Velloso afirmou que o tribunal deve se manifestar, por exemplo,
sobre o Lollapalooza, caso que já está judicializado no TSE. "Para que
venha a ser usado [como parâmetro] daqui por diante. Por ora, temos uma decisão
monocrática", afirmou.
Também ex-ministro do tribunal, o advogado Joelson Dias disse que
as leis e a jurisprudência do TSE caminham rumo a uma maior liberdade, mas ele
entende que a corte eleitoral —e também o STF (Supremo Tribunal Federal) — deve
avançar na "sintonia fina" do tema.
Sem comentar casos concretos por não conhecer todos os detalhes
envolvidos em cada um, Dias afirmou que as restrições aos "players
políticos" nesse período pré-eleitoral serão sempre maiores, até por
envolver recursos públicos, como o dinheiro do fundo partidário.
Neste domingo, quando Bolsonaro discursou, o general Augusto
Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) estava ao seu lado. O militar e
bolsonarista de primeira hora foi amplamente utilizado na campanha de 2018.
"Eu sou chefe da segurança institucional, a segurança
institucional que já foi ofendida, já foi jogada pela janela várias vezes.
Estou quieto. Vamos aguardar o fim deste filme, que eu tenho certeza que,
graças a vocês, será glorioso", disse Heleno.
Pesquisa Datafolha divulgada nesta semana mostrou que Bolsonaro recuperou fôlego na corrida pelo Planalto, mas
continua atrás de Lula. Segundo o levantamento, o mandatário tem 26%
de intenções de voto, contra 43% do petista.
"Vocês já ouviram no passado, ouvem ainda, dizer que uma
mentira repetida mil vezes transforma-se numa verdade. Vou dizer para vocês
agora, uma pesquisa mentirosa publicada mil vezes não fará um presidente da
República", afirmou Bolsonaro.
Todos os discursos tiveram como tônica a crítica mais ou menos
velada aos governos petistas. Em gesto aos jovens, preocupação das campanhas
neste ano, Bolsonaro pediu que suas famílias contassem como era a vida delas
antes.
"Não podemos esquecer o nosso passado, porque aquele que
esquece seu passado está condenado a não ter futuro. Os mais jovens podem não
conhecê-lo, os seus pais e avós têm a obrigação de mostrar para eles para onde
o Brasil estava indo, bem como vivem os jovens em outros países, como por
exemplo a Venezuela."
Como costuma fazer em outros discursos, Bolsonaro começou a contar
sua trajetória desde 2014. Ao falar daquele ano, disse que o país elegeu uma
pessoa "que não tinha qualquer carisma, que a gente não consegue entender
como teve dentro do TSE tanto voto".
Ele se referia à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que sofreu um processo de impeachment em 2016. O PSDB,
que perdeu no segundo turno para ela, pediu auditoria das urnas eletrônicas,
questionando a vitória da petista.
O resultado da auditoria tucana saiu em 2015, concluindo que não
houve fraude no processo.
Bolsonaro relembrou ainda o que declarou durante a votação na
Câmara para destituir Dilma. Na ocasião, ele, então deputado, exaltou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos
principais símbolos da repressão durante a ditadura militar, chamando-o de um
"velho amigo" que "lutou pela democracia".
O presidente também reformulou a frase que será tema de sua campanha: em vez do versículo bíblico "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará", repetido por ele desde 2018, Bolsonaro adotou o "nada temais, nem mesmo a morte, a não ser a morte eterna".
No começo de sua fala, o presidente passou o microfone para a
ministra Tereza Cristina (Agricultura) e para a primeira-dama, Michelle. Esta
última, como a Folha mostrou, deve aparecer mais durante a
campanha neste ano, após aliados do presidente identificarem que ela pode
ajudar a reverter a rejeição dele entre as mulheres.
A primeira-dama, que não costuma discursar, falou rapidamente.
"Sei que, assim como Ele [Deus] foi fiel em 2019, será em 2022."
Cotado a vice na chapa do presidente, o ministro da Defesa, Braga
Netto, não participou do evento.
Filiaram-se à legenda neste domingo os ministros Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e João Roma (Cidadania), além do senador Eduardo Gomes
(TO).
Antes de o presidente discursar, falaram os ministros Roma, Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Tereza
Cristina (Agricultura). Respectivamente, eles devem se candidatar aos governos
da Bahia, de São Paulo e ao Senado pelo Mato Grosso do Sul.
Os três fizeram falas em contraponto aos governos petistas.
Tarcísio disse que Bolsonaro está construindo um caminho "sem
corrupção" e "que levou água para o nordeste, libertou as pessoas do
carro-pipa".
Roma, por sua vez, mencionou programas de distribuição de renda e
disse que o governo Bolsonaro não usurpa direitos e liberdades.
Ministros também estiveram no evento do PL, como Ciro Nogueira
(Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo), Onyx (Trabalho), Bento
Albuquerque (Minas e Energia), Fábio Faria (Comunicações), Anderson Torres
(Justiça), Gilson Machado (Turismo), Marcelo Queiroga (Saúde) e Rogério Marinho
(Desenvolvimento Regional).
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, envolvido em um escândalo sobre a atuação de pastores na liberação de verbas da pasta, não esteve no evento. Um inquérito da Procuradoria-Geral da República apura suspeitas de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa.
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