O Globo
Fake news é uma expressão nova, tida como o
maior perigo para as eleições e a democracia em geral. A tradução é “notícia
falsa”. Não pode ser qualificada como uma simples mentira. A palavra mentira é
mais genérica, envolve todas as relações humanas, inclusive as amorosas. Mentiras que calam na alma, fazendo sofrer
(...)/Mentira, cansei de ilusões.
Será uma tarefa complexa combater as fake
news. Uma de suas características é a velocidade. Mark Twain dizia que,
enquanto a mentira corre o mundo, a verdade está apenas amarrando o cordão do
sapato.
Grandes fake news entraram para a História.
Uma delas são os célebres Protocolos dos Sábios de Sião, um plano atribuído aos
judeus para dominar o mundo. Outra, aqui no Brasil, na década dos 1950, foi a
Carta Brandi, que estaria preparando uma rebelião armada das esquerdas
brasileiras e argentinas.
As fake news de hoje talvez não tenham o mesmo impacto, mas se impõem pela quantidade. A maneira de tratar o tema sem resvalar para o autoritarismo seria dividi-las entre inofensivas e potencialmente criminosas.
Não importa que alguém escreva que a Terra
é plana, que a fórmula da água é H3O, ou a Lei da Gravidade uma farsa. O
aparato legal não pode perder tempo corrigindo textos de geografia, química ou
física. O problema são as fake news que atingem a honra ou questionam, sem
provas, a democracia, como dizer que houve fraude nas eleições de 2018.
Há mais de 50 projetos na Câmara tratando
do tema. Não tratam apenas da mentira em si, mas também das postagens em massa
ou da retirada de falsos perfis.
Durante a pandemia, apareceu também um tipo
de fake news que me pareceu perigoso. Não me refiro apenas a falsos remédios,
como a cloroquina, pois a internet está carregada de receitas duvidosas para
todo tipo de doença. As campanhas que associavam a vacina anticoronavírus à
disseminação da aids tinham um potencial de provocar mortes em grande escala.
Mesmo sem um texto legal sobre as fake
news, o STF tem se reunido com as plataformas digitais e avançado num acordo de
cooperação. O Telegram estava de fora. Atuava no Brasil como se o país
fosse um terreno baldio. Simplesmente ignorava nossa estrutura legal.
Muitos o defendem pela liberdade de
expressão. É válido. No entanto a liberdade de expressão é mais sólida num Estado
Democrático de Direito que na anarquia.
Sou ligeiramente cético quanto a uma
vitória sobre as fake news. Mas creio que o esforço valha a pena. Às vezes,
jogamos para empatar ou mesmo perder de pouco. Mas temos de jogar.
O ideal seria reduzi-las ao louvor de seus
líderes. Volta e meia aparece uma falsa capa de jornal estrangeiro glorificando
Bolsonaro. Ele mesmo sugeriu que sua visita a Moscou, por coincidência ou não,
levou Putin a tirar tropas da Ucrânia.
Parte de minha vida política aconteceu no
reino analógico. As fake news circulavam em milhares de panfletos. No meu caso,
diziam que, se eleito, acabaria com o feriado de Nossa Senhora.
Uma política que fala a verdade em tempos
de crise é essencial. São momentos em que só se podem oferecer sangue, suor e
lágrimas. Mas, quase todo o tempo, usamos a “mentira piedosa”, inofensiva, mas
que, em certos momentos, pode aliviar uma dor, atenuar a angústia.
A política brasileira criou um termo exato
para a expressão da verdade em momentos inadequados: sincericídio. O ministro
da Educação foi um dos últimos a lançar mão desse gesto extremo, ao afirmar num
vídeo que Bolsonaro pediu que desse preferência aos pedidos de verbas feitos
por dois pastores.
A frase era problemática em si. Tornou-se
desesperadora quando se descobriu que os pastores pediam grana e vendiam
bíblias.
Em verdade, em verdade, vos digo, apesar de
longa a estrada, o Brasil é um país muito estranho.
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