segunda-feira, 28 de março de 2022

Entrevista/ Bahia: 'Pleito para o Senado tende a ser o mais acirrado', diz especialista

Paulo Fábio Dantas Neto diz que Lula terá, sim, um papel importante na campanha de Jerônimo Rodrigues

Guilherme Reis e Paulo Roberto Sampaio / Tribuna da Bahia

SalvadorPara o cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Paulo Fábio Dantas Neto, a disputa pelo Senado, uma vez confirmada a polarização entre os candidatos Otto Alencar (PSD) e João Leão (PP) tende a ser mais acirrada do que a eleição para governador “pela rivalidade entre PSD e PP no interior onde há anos emulam, com relativo equilíbrios de forças municipais, no âmbito da hoje cindida aliança governista estadual”. “Essa rivalidade agora tem conexão nacional pela batalha renhida que esses dois partidos travam, além de outros, para turbinar suas bancadas federais”, pontua, em entrevista à Tribuna.  

Em relação à disputa para o governo da Bahia, Dantas diz que Lula terá, sim, um papel importante na campanha de Jerônimo Rodrigues (PT). “Essas incertezas todas não anulam o fato de que Lula aparece hoje, sim, como o grande influenciador de votos para Jerônimo e é plenamente racional que a campanha governista aposte nesse potencial. Sem subestimar a capacidade de transferência de votos de Lula, avalio que fazer Jerônimo pular, de fato, de 4 para 37% é um desafio e tanto”, avalia.  

As pesquisas mostram que Lula poderá influenciar muito na escolha do eleitor por Jerônimo. Em que medida o sr. acha que isso se confirmará nas urnas? Lula terá de fato uma influência relevante na eleição estadual?

Esse desafio está feito a Lula, mas também ao próprio candidato do PT a governador. Vejamos, por exemplo, mais uma vez, a pesquisa do Genial Quaest. Nela está mensurado em 37% o patamar que Jerônimo Rodrigues poderá alcançar se sua vinculação a Lula for bem feita e tiver sucesso.  Não se trata, portanto, de intenção de voto atual, espontânea ou estimulada pela exposição ao entrevistado da lista de prováveis candidatos a governador. Penso que a marca de 37% quer dizer que o candidato do PT tem, além dos 4% que dizem ter intenção de votar em si, um contingente de 33% do eleitorado baiano que admite votar nele pelo fato de ser apoiado por Lula. A missão de Jerônimo é, além de conservar os 4% que já tem, cativar esses 33 % para conquistá-los de fato e também conseguir avançar, para além do apoio de Lula, sobre uma parte dos outros 63% do eleitorado. Desse total, a maior parte (43%) diz ter intenção de votar em ACM Neto mesmo se ele for um candidato independente e mesmo se Lula apoiar o adversário. Outros 9% de eleitores dizem o mesmo sobre votar em João Roma ao saberem que ele terá o apoio de Bolsonaro. Para que se confirme essas projeções, Jerônimo, assim como Roma, precisará crescer, enquanto Neto precisará perder 23 dos 66% de intenção de voto que no momento detém, conforme a mesma pesquisa. Nessa conta sobre o futuro (43+37+9 e mais cerca de 2% para o candidato do PSOL) restam 9 % como um terreno em tese mais neutro para Jerônimo, se alcançar os 37%, ir além.

Essas incertezas todas não anulam o fato de que Lula aparece hoje, sim, como o grande influenciador de votos para Jerônimo e é plenamente racional que a campanha governista aposte nesse potencial. Sem subestimar a capacidade de transferência de votos de Lula, avalio que fazer Jerônimo pular, de fato, de 4 para 37% é um desafio e tanto. A vinculação efetiva de cada candidato a governador a cada candidato presidencial é uma questão de política prática e será confirmada, ou não, durante a campanha. A eficácia de tal ou qual associação é, na verdade, questão a ser pesquisada e não uma espécie de premissa de pesquisa, como muitas vezes a divulgação enviesada de dados pretende afirmar. Começa a virar costume querer calcular a eficácia do vínculo mesmo antes da campanha começar para valer, portanto, sem saber como essas vinculações vão se dar, ou não, na prática. É um malabarismo vizinho ao território das fakenews. Não vejo nisso um sentido informativo, ou mesmo de prospecção segura.

ACM Neto e João Roma poderão dividir o eleitorado que votou (ou vota) em Bolsonaro? Ou são perfis distintos de eleitor?

A mesma pesquisa que estamos comentando sugere que a parcela do eleitorado baiano que, hoje, está disposta a votar em Bolsonaro mal ultrapassa a casa dos dois dígitos. Em 2018 essa marca ficou em cerca de um quarto dos votos. Claro que isso pode mudar, seja por tentos marcados na campanha do presidente pela reeleição, seja por consequências de decisões tomadas por seus adversários na política estadual. Mas se os erros não se tornarem hábito creio que essa questão tende a não se colocar. Explico: Na atual situação a disparidade entre os dois candidatos a governador que você cita na pergunta é alta, seja em intenções de voto neles mesmos ou em conexão com candidaturas presidenciais. Então me parece que João Roma não tem como dividir qualquer fatia mais importante do eleitorado. Não vi se a pesquisa desce a esse detalhe, mas é razoável supor que entre as intenções de voto captadas para ACM Neto haja, tanto eleitores com perfil de preferências políticas próximo ao dos eleitores de Bolsonaro e mesmo parte deles (Roma não tem fôlego eleitoral, hoje, para se assenhorar de todo o legado, mesmo sendo esse um legado modesto) assim como uma ampla maioria de eleitores com perfil distante e até mesmo antagônico ao do eleitor bolsonarista. Mas essa será uma questão talvez relevante para o candidato do União Brasil só no caso de haver, na Bahia, segundos turnos simultâneos para presidente e governador. Nessa hipótese, hoje não verificada em pesquisas de intenção de voto, Neto poderá sofrer pressões para apoiar Bolsonaro, sob o argumento de que não pode desprezar essa fatia do eleitorado. Assim como sofrerá pressões em sentido contrário, sob o argumento de que não pode confrontar seu eleitorado de centro e mesmo fatia do de centro esquerda que se afastou da órbita do PT e há anos interage com ele. Intuitivamente as pressões contra o apoio a Bolsonaro devem pesar mais, pelo risco de desagradar quem tem opção, no caso o eleitor de centro e centro-esquerda e antibolsonaristas, em geral, que podem migrar para o candidato do PT. Já ao eleitorado bolsonarista restará votar em Neto, mesmo pouco satisfeito, ficar em casa ou viajar. Mas repito que para esse dilema entrar na agenda real será preciso que os adversários do ex-prefeito de Salvador consigam levar a eleição ao segundo turno.

Tudo indica que a disputa pelo Senado se dará entre Leão e Otto, que está à frente nas pesquisas. Considerando que ACM Neto lidera para governador, há a possibilidade de vermos eleitos governador e senador de chapas diferentes? Leão tem densidade suficiente para crescer ainda?

A frente de Otto Alencar mostra-se quando o entrevistado é posto simultaneamente diante de mais de uma candidatura da oposição liderada por ACM Neto (além de João Leão, Zé Ronaldo ou Marcelo Nilo, ou Bispo Marinho ou até todos eles juntos). Não há elementos seguros para dizer que essa frente existirá e que margem terá no caso mais que provável de que desses todos, só Leão concorra ao Senado. Para essa pergunta ser respondida com alguma objetividade temos que aguardar nova pesquisa, que já leve em conta o cardápio real.

Por enquanto acho possível adiantar duas suposições e uma mera impressão. As suposições são: a) confirmada a polarização entre Otto e Leão, o pleito para o Senado tende a ser mais acirrado do que o que se dará para o cargo de governador, pela rivalidade entre PSD e PP no interior onde há anos emulam, com relativo equilíbrios de forças municipais, no âmbito da hoje cindida aliança governista estadual. Essa rivalidade agora tem conexão nacional pela batalha renhida que esses dois partidos travam, além de outros, para turbinar suas bancadas federais. b) essa polarização intensa em vários municípios pode oferecer a Bolsonaro janelas de oportunidade para se imiscuir nessa disputa em favor do PP, na medida em que o governo estadual de fato entre de cabeça na campanha de Otto Alencar. Esse envolvimento pode passar, ou não pela candidatura de João Roma, a depender das relações práticas entre Neto e Leão na campanha. Se a liga ficar frágil e nos desvãos municipais Neto piscar para Otto, ou vice-versa Leão poderá vestir nesses mesmos municípios, traje de passeio completo. Enfim será uma batalha em universos micro dos quais as campanhas de Lula e de Neto terão que prestar atenção para evitar surpresas fora do script do esfriamento, que os favorece.

A mera impressão é de que o governador Rui Costa e o senador Otto Alencar podem mais adiante concluir que fizeram escolhas erradas. Otto por não ter pensado com mais simpatia na ideia de aceitar a candidatura ao governo, cheia de riscos, mas não sei até que ponto maiores do que aqueles que correrá nessa guerra do fim do mundo pelo Senado. O governador por não ter usado, até as últimas consequências, seu poder de pressão sobre o partido para impor sua candidatura ao Senado. Além de se eleger com relativa facilidade, espantaria concorrentes e livraria Lula dos riscos que a disputa que se aproxima traz para que ele obtenha na Bahia a goleada de que precisa para compensar as dificuldades que enfrenta de montar alianças ao centro em estados onde o PT esteve isolado nos últimos anos. Como conteve seu ímpeto diante dos movimentos contundentes do senador Jacques Wagner, Rui Costa, sem mandato a partir de janeiro, precisa confiar agora, primeiro na confirmação da vitória de Lula, segundo na possibilidade de adentrar ao ministério, ao lado de Wagner (se a Bahia tiver força para tanto) ou no lugar dele, o que parece no mínimo, duvidoso.

Muitos se perguntam por que Wagner desistiu. Com base apenas em análises da conjuntura, o sr. vê uma explicação plausível para isso?

Creio que não é bem o caso de explicar algo (a desistência) que suponho não ter ocorrido. O que se teria de explicar muito bem era a candidatura, caso tivesse acontecido. Minha impressão é de que Wagner jamais foi, de fato, candidato.  Ele tem mais quatro anos de mandato assegurados no Senado, não vejo porque se exporia a essa empreitada tendo como adversário um jovem político hábil e muito próximo do próprio Wagner nos métodos de fazer política. Além disso, como o próprio Wagner recentemente disse, Lula precisa dele em outro lugar e, como ele não disse - mas certamente sabe - sua candidatura amarraria Lula, amigos próximos que são, numa disputa acirrada com Neto por votos para governador.  Nas atuais condições de temperatura e pressão nacionais e estaduais, em que se descartou a candidatura de Otto Alencar ao governo (de longe a melhor opção para um candidato presidencial que afirma querer ir ao centro) o que de menos Lula precisa é de jogos de soma zero como seria uma disputa entre Neto e Wagner. Hoje Lula tem que lidar com uma candidatura ao governo pouco competitiva e inteiramente dependente dele. Mas pior seria se a vitória estadual fosse uma obrigação para o PT e para o próprio Lula.

Resta talvez a curiosidade de saber porque Wagner deixou as especulações sobre sua candidatura irem tão longe a ponto de a retirada espalhar frustração. É provável que a resposta possa ser encontrada numa crônica futura sobre as relações entre o atual governador e o ex. Como sobre isso só tenho impressões e só poderia fazer ilações sem base em informações, prefiro parar por aqui

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