Valor Econômico
Programas temporários de renegociação de
dívidas aliviam alguns sintomas, mas não resolvem
O crédito é disfuncional. Nos últimos doze
meses, as linhas que mais cresceram para pessoa física e jurídica foram as mais
caras, cheque especial e rotativo do cartão. No último trimestre, o lucro
líquido dos bancos teria sido 86,2% maior sem o resultado de provisão para
créditos de difícil liquidação.
Uma dinâmica em que a oferta de crédito
fica aquém do potencial, e que parte expressiva da receita de operações de
crédito é para absorver perdas de créditos, leva a inadimplência a níveis
recordes e faz que pagadores solventes paguem juros altos pelos insolventes. É
fato, perdem os cidadãos, perdem as empresas e perdem os bancos.
A relação crédito/PIB está em metade da de outros países com renda semelhante. O número de empresas negativadas atingiu 6,8 milhões e o de cidadãos 69,8 milhões, dois recordes históricos. Se nada for feito, novos recordes serão batidos, com efeitos nefastos na cidadania econômica e no crescimento.
É acertada a preocupação do governo em
melhorar a oferta de crédito. Um ajuste na política de crédito pode fazer com
que deixe de ser um freio e vire um propulsor. O quadro atual pode ser
revertido rapidamente. Todavia, o que está sendo ventilado pela imprensa não
vai fazer muita diferença, se é que vai fazer alguma.
As propostas anunciadas são refinanciar
dívidas, aperfeiçoar o sistema de garantias, uso dos bancos estatais, melhorar
o ambiente de concorrência e diminuir o spread (que não é uma proposta, é um
objetivo). Medidas importantes como aprimoramentos em transparência, tributação
e política monetária são necessários, mas ficaram de fora da lista.
As informações sobre o crédito são
confusas. Usa-se taxa mês e taxa ano, dias corridos e dias úteis, incluindo
impostos e não, taxa efetiva e custo total. Tornam desnecessariamente complexo,
algo que poderia ser resolvido usando uma só medida para o custo do crédito. Só
depende de um normativo. A nota à imprensa do Banco Central também é falha em
transparência, usa critérios que distorcem a realidade do crédito. É algo que
pode e deveria ser corrigido.
O Brasil é o único país do mundo que
tributa o crédito. Parte considerável das operações tem uma participação maior
do governo nas receitas de juros do que o que fica para os bancos. Eliminar o
IOF, PIS e Cofins e tributar as aplicações não implicaria custos para o
Tesouro, que poderia até ter ganhos. Zerar os compulsórios também reduziria o
custo do crédito.
Bancos centrais têm dois instrumentos para
controlar a inflação: juros e câmbio. O Brasil só usa os juros. Se usar o
câmbio, com uma banda flexível, não perderia reservas e baixaria a inflação
mais rápido. Poderia ser complementado, deslocando a tributação do mercado à
vista para operações especulativas no mercado futuro.
Programas temporários de renegociação de
dívidas aliviam alguns sintomas, mas não resolvem, é uma questão de tempo para
que os problemas retornem. Uma regulamentação adequada da lei 14.181/2021,
conhecida como a lei do superendividamento, pode resolver parte dos problemas
do endividamento das famílias sem a necessidade de uso de recursos do Tesouro,
como está sendo ventilado.
A lei 14.181/2021 prevê negociação em bloco
e dá maior autonomia para o Judiciário determinar uma saída rapidamente, torna
a recuperação de dívidas mais simples. Ganham os bancos com soluções mais
rápidas e ganham os devedores saindo da armadilha da dívida. A lei tem um
senão. É a não inclusão de dívidas fiscais nas renegociações, algo que também
pode ser solucionado.
Aperfeiçoar o sistema de garantias é outra
proposta. É necessário, se acompanhado de outras medidas. Mas é um paralogismo
afirmar que só mais facilidades para o uso e a execução de garantias, sem mais
protocolos, reduzirão as taxas. Pelo contrário, podem ter efeitos perversos,
porque em função das garantias melhores há um incentivo para a redução de
critérios de concessões. Sem uma parametrização para o uso das garantias, seu
efeito será baixo ou até negativo.
O uso exclusivo de bancos estatais para
alguns programas é outra proposta em pauta. A questão é porque não usar todo o
sistema. Banco
do Brasil e Caixa somados tem 27,3% dos pontos de atendimento ao
público e 37,2 milhões de clientes, enquanto que o resto do sistema tem 208,2
milhões. Faz mais sentido fixar condições iguais para todas as instituições que
queiram participar em vez de apenas as duas estatais.
O último ponto levantado é a proposta de
melhoras no ambiente de concorrência. O problema não é a necessidade de mais
concorrentes. Há mais de cem bancos e mais de mil instituições financeiras não
bancárias - fintechs e outras. Mesmo assim as taxas são absurdas. Este ano, dez
instituições financeiras cobraram mais de cinquenta vezes o valor da taxa Selic
no rotativo do cartão de crédito.
O problema não é de concentração, mas da
prática de monopólio coercitivo por algumas instituições. É uma situação em que
a instituição ofertante é capaz de aumentar preços, sem os riscos de
concorrência decorrentes. O mercado para o cliente fica reduzido a essa
instituição, ele não tem escolha.
Ilustrando, dados do Banco Central mostram
que, na terceira semana deste ano, uma empresa correntista na Caixa que
atrasasse uma parcela do capital de giro que custa 28,6% ao ano (mais IOF),
cairia no cheque especial que custa 320,1% ao ano (mais IOF). Essa política,
faz com que um problema de liquidez temporário da empresa vire em pouco tempo
um problema de solvência permanente.
Não é a única instituição que tem esse tipo
de prática. Algo análogo ocorre com o atraso de impostos. Multas que chegam a
100% do principal e é corrigido pela Selic que, desde o Plano Real, subiu
6.897,1% comparado com a inflação, o IPCA, que subiu 655,2%. São práticas
extrativistas de curto prazo que prejudicam o crescimento do país. Muita
voracidade é contraproducente.
O ponto é que se perde energia em ações que
contribuem pouco e não se avança no que pode fazer diferença.
É isso.
*Roberto Luis Troster é economista
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