terça-feira, 12 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Crime em aeroporto expõe urgência de política de segurança

O Globo

Assassinato de delator do PCC mostra poderio das facções. Sem unir estados e governo federal, é impossível combatê-las

O assassinato, na área de desembarque do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, de um empresário que delatara crimes do Primeiro Comando da Capital (PCC) é a imagem sem filtros do poder crescente e letal das facções criminosas. Em plena tarde de sexta-feira, no terminal mais movimentado do país, ele foi executado com dez tiros, disparados por dois homens encapuzados que saltaram de um carro. As balas atingiram também um motorista de aplicativo que morreu no sábado e outros dois inocentes.

O empresário, acusado de lavar dinheiro para o PCC e de ter mandado matar dois integrantes da facção em 2021, fechara em março acordo de delação premiada com o Ministério Público de São Paulo. Suas informações levaram à prisão de dois policiais civis lotados no Departamento de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc). “Tenho comprovantes de pagamento, tenho contrato, tenho matrícula, tenho as contas de onde vinham o dinheiro, então dá para a gente fazer o caminho inverso”, disse ele ao MP, segundo reportagem do Jornal Nacional. Costumava ter escolta particular, mas no dia da execução ela não chegou. A alegação é que o carro quebrou. Os PMs que integravam essa escolta foram afastados.

Para além das falhas de segurança, o episódio é uma demonstração trágica do despreparo das autoridades para enfrentar organizações criminosas cada vez mais armadas e sofisticadas. “O Brasil já se encontra em estágio de máfia”, disse o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo. É urgente uma política nacional de segurança que permita ao governo federal e aos estados enfrentar essas quadrilhas.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança elaborada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, é um passo importante. Ela prevê participação mais ativa de Brasília no combate às organizações criminosas, ampliando as atribuições das polícias Federal e Rodoviária Federal, permitindo o compartilhamento de dados do setor e fortalecendo o Sistema Único de Segurança Pública (Susp).

Mas a proposta enfrenta resistências. No fim do mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma reunião com governadores para apresentá-la e discuti-la. O encontro expôs divergências com os estados. No Congresso, antes mesmo de qualquer discussão, parlamentares já erguem barreiras. O líder da bancada da bala, deputado Alberto Fraga (PL-DF), disse que a PEC representa “um golpe federativo nas entrelinhas” e que será rejeitada. Trata-se de um equívoco, já que ela não tira poder dos estados.

A grave crise por que passa a segurança no país deveria inspirar consensos, não divisões ou picuinhas. Sempre se cobrou do governo federal participação maior no combate às organizações criminosas, uma vez que, sozinhos, os estados não têm condição de enfrentá-las. Caso contrário, não estaríamos assistindo a guerras diárias em São Paulo, no Rio, na Bahia ou no Ceará. A proposta de Lewandowski não esgota os problemas, mas é melhor que o vácuo existente hoje. Deveria ser apoiada por todos. Não basta demonstrar perplexidade e indignação com o poder sem limites das facções e suas afrontas ao Estado. É necessário agir. Governadores e Congresso precisam ter senso de responsabilidade e urgência.

Aumento da população em favela revela fracasso de política habitacional

O Globo

Minha Casa, Minha Vida consumiu bilhões ao longo de 15 anos, mas drama da população carente piorou

IBGE publicou na semana passada dados desalentadores sobre a habitação no Brasil. A população morando em favelas cresceu de 6% do total em 2010 para 8% em 2022, alcançando 16,3 milhões. As favelas quase dobraram ao longo desses 12 anos e chegaram a 12.348, espalhadas por 656 municípios. Estima-se que 18% da área ocupada por elas esteja em zonas de risco. Tais números expõem o fracasso da política habitacional dos últimos anos, em particular do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV)

Lançado em 2009, o MCMV entregou algo como 8 milhões de moradias, pela estimativa do governo. Até 2026, a promessa são mais 2 milhões de unidades. Entre 2009 e 2019, a União despejou na iniciativa R$ 174 bilhões em subsídios financeiros e tributários, além de destinar mais R$ 131 bilhões em financiamentos do FGTS (em valores atualizados). Esvaziado no governo passado, o programa voltou a ganhar ímpeto na atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com R$ 24 bilhões em dotação orçamentária, mais R$ 122 bilhões ofertados pelo FGTS.

Claramente, esse dinheiro todo não tem cumprido a missão de fornecer habitação digna à população de baixa renda. Os motivos são vários. O primeiro é a falta de foco. Não faz sentido o programa deixar de priorizar quem está na base da pirâmide social. Os moradores de favelas correm mais riscos de contrair doenças por falta de saneamento. Com mais eventos climáticos extremos, estão mais suscetíveis a deslizamentos e enchentes. Do total de domicílios em déficit habitacional em 2019, 74,5% tinham renda até dois salários mínimos, segundo estimativa da Fundação João Pinheiro. Essa parcela da população deveria ser o principal foco.

Mas o modelo consolidado pelo MCMV é a construção em grande escala. Incorporadores procuram terrenos grandes, acabam lançando empreendimentos com serviços públicos deficientes, distantes dos locais de trabalho. Seria possível gastar melhor o dinheiro incentivando a ocupação de áreas centrais deterioradas, com loteamentos menores ou reformas.

Em larga medida, o MCMV reproduz o erro do Banco Nacional de Habitação (BNH), programa habitacional da ditadura militar. Nos 22 anos em que esteve ativo, financiou 4,5 milhões de unidades habitacionais, apenas 33,5% destinadas a setores populares. Na primeira década de funcionamento do MCMV, foram 36,8% para faixa de renda mais baixa e, de lá para cá, o governo ampliou o acesso à classe média.

É certo que a inadimplência nas faixas de renda mais altas é menor e, no cálculo político do governo, o que costuma importar é o número de chaves entregues. Há ainda o interesse das construtoras dependentes do sistema atual. Perde quem mais precisa de ajuda para ter uma casa com condições mínimas de abrigar uma família.

A métrica principal que o MCMV deveria perseguir não são empregos criados, nem unidades entregues, mas o êxito ao reduzir a população que vive em condições precárias. Mantido como está, a população das favelas continuará aumentando.

COP tem baixa chance de sucesso, ainda mais após eleição nos EUA

Valor Econômico

Com os desastres climáticos aumentando em frequência e intensidade, as COPs têm diante de si um desafio para o qual estão dando mostras de não conseguirem enfrentar

As conferências climáticas têm fracassado em deter o avanço das emissões de carbono, e além desse passivo trágico, a COP29 conviverá com mais um desafio: a volta à Casa Branca de Donald Trump. Ele retirou os EUA do Acordo de Paris e deve fazê-lo novamente, além de eliminar a proteção doméstica ao ambiente e estimular a produção de combustíveis fósseis. Sem Trump, as COPs já se arrastam há quase três décadas com problemas que não conseguem resolver. O primeiro é obter dos países esforço suficiente para reduzir as emissões. O segundo, correlato, é arrumar recursos suficientes para que possam mitigar os efeitos das mudanças climáticas, adaptar-se a elas e deter a poluição da atmosfera por gases de efeito estufa (GEE).

A COP29, em Baku, é mais uma vez impactada pela escolha de locais impróprios para discussões sobre o aquecimento global. É a segunda vez que a sede das conferências é um país que depende da produção de petróleo e, também, persegue opositores e não garante plenos direitos democráticos a sua população - a anterior foi realizada nos Emirados Árabes Unidos. O governo do Azerbaijão não terá o menor pudor em constranger os ativistas ambientais, assim como resoluções que impulsionem a substituição do petróleo por outras energias alternativas.

O principal tema em Baku é o financiamento climático. Os países precisarão revisar o Novo Objetivo Coletivo Quantificado sobre Financiamento Climático (NCQD, na sigla em inglês), mecanismo ligado ao Acordo de Paris, destinado a canalizar recursos dos países ricos para as nações em desenvolvimento para adaptação e mitigação dos problemas climáticos e redução das emissões. O tema sempre dividiu as COPs entre nações ricas e as emergentes e em desenvolvimento. Os ricos, apesar de serem os maiores emissores de GEE, não querem arcar sozinhos com os recursos para os financiamentos. A China, que se diz emergente, é a maior emissora de GEE. A outra questão é o volume de dinheiro necessário. À medida que as emissões de gases continuam aumentando e o planeta fica mais quente, cresce a necessidade de recursos para enfrentar inundações, secas, reparar a infraestrutura e adaptar as atividades agropecuárias. Se em 2009 os países desenvolvidos prometeram conceder US$ 100 bilhões anuais, promessa só cumprida há dois anos - com 60% dos recursos de empréstimos, e não concessões -, agora fala-se em pelo menos US$ 1 trilhão por ano.

A experiência da COP16 da Biodiversidade, que acaba de ser realizada em Cali, dá a dimensão do problema. Ela empacou exatamente na discussão do financiamento. As desavenças levaram à falta de quórum nesse momento, e a COP16 chegou ao fim com apenas 44 dos 196 países participantes. O assunto acabou adiado para uma rodada extra de discussão em 2025.

Há decepção com o avanço da contenção das emissões. O recém-divulgado Relatório sobre Lacuna das Emissões, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), constatou que as emissões de gases do efeito estufa voltaram a crescer. Em 2023, o aumento foi de 1,3%, atingindo 57,1 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalente, superando a média de 0,8% de expansão registrada na década anterior à pandemia. Pior: com as metas atuais o planeta aquecerá 2,8º C até o fim do século, muito longe da meta de 1,5º C, que se torna cada vez mais inexequível.

Por isso, outro eixo de decisões de Baku é sobre os novos compromissos que as nações participantes do Acordo de Paris devem apresentar em fevereiro de 2025, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês). O Brasil se antecipou e anunciou sua nova meta de corte de emissões, uma redução de 59% a 67% em comparação com os níveis de 2005. Foi o segundo país a tomar a iniciativa, após os Emirados Árabes Unidos. Mas já está sendo alvo de críticas internas e do exterior por falta de ambição.

Os ambientalistas estranham que a promessa tenha sido estabelecida em uma banda, o que sugere a existência de divergências internas, com a indústria e a agropecuária. Também se estranhou o fato de o governo brasileiro ter estabelecido metas em relação a 2005, quando o Pnuma fala em 2019. Calcula-se que, na prática, a redução será menor se for levada em conta a comparação com 2019.

O fato é que o mundo está perdendo a batalha contra o aquecimento global. Para contê-lo em até 1,5º C, as emissões teriam de cair 42% até 2030 e 57% até 2035. Mas eles estão crescendo e atingiram um novo recorde de 57,1 GT de carbono equivalente, 1,3% a mais que em 2022. Para se aproximar das metas de Paris, seria preciso triplicar a energia renovável, duplicar a eficiência energética e reduzir mais a produção de combustíveis fósseis. Para isso, o mundo emergente e os países em desenvolvimento precisam de recursos que não estão sendo fornecidos e, com os EUA fora do jogo, provavelmente não virão. Uma reunião do G20 seria talvez mais decisiva que a de uma COP com 196 países: o grupo responde por 77% das emissões globais.

A discussão climática se amarrou, porém, nas decisões por consenso, que favorecem a morosidade das decisões e das ações. Com os desastres climáticos aumentando em frequência e intensidade, as COPs têm diante de si um desafio para o qual estão dando mostras de não conseguirem enfrentar.

Restrição de celular precisa ser debatida à exaustão

Folha de S. Paulo

Leis e projetos nesse sentido avançam no país, mas uso pedagógico da tecnologia tem potencial e deve ser estimulado

Vai se desenhando no debate público um raro consenso nacional, a unir esquerda, direita, pais e especialistas em torno de mudança significativa no ambiente escolar. Seja em salas de aulas, intervalos ou recreios, algum tipo de restrição ao uso de telefones celulares por estudantes já é realidade em pelo menos 16 redes estaduais antes mesmo de uma lei federal.

Com o apoio do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tramita na Câmara um texto único que reúne 14 propostas defendidas por deputados de diversas nuances ideológicas.

O projeto proíbe o uso dos aparelhos, à exceção para fins pedagógicos, por todo o período em que o aluno estiver na escola, do ensino infantil ao médio, e tanto para unidades públicas como privadas. Mas o uso pedagógico da tecnologia deve merecer debate mais exaustivo e ser estimulado.

A expectativa é que, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, a proposta siga logo para o Senado, sem votação em plenário, a tempo de a norma valer já para o ano letivo de 2025.

Levantamento da Folha também apontou que, entre as capitais, pelo menos 14 redes municipais, responsáveis pelo ensino fundamental, adotam alguma limitação, ainda que com níveis variáveis de adesão e sucesso.

De fato, a exposição desregrada, prolongada e até compulsiva às telas é desafio crescente para responsáveis, educadores e profissionais de saúde e atinge juventudes em todo o mundo —cada vez mais precoces e quase sempre em todas as classes sociais.

Em uma sociedade digital, o impulso pela conectividade exerce uma miríade de estímulos e consequências psiconeurológicas, sobretudo na saúde mental de cérebros ainda em formação.

Estudos apontam distração e perda de foco; aumento da ansiedade e do estresse; interferência nas relações interpessoais e baixo progresso de habilidades, incluindo queda no desempenho acadêmico. Aflições recentes abrangem incentivos à prática de cyberbullying e até apostas esportivas e jogos a dinheiro.

Como ocorre na maioria das proibições, a repressão, por si só, pode ensejar um efeito contrário, ou seja, gerar mais apelo e curiosidade pelo uso dos celulares no dia a dia escolar.

Uma nova lei federal não deveria ser aprovada às pressas, em busca de soluções simplistas para questões complexas. O celular muito provavelmente será parte da rotina desta e de próximas gerações, e a contenção de eventuais abusos não pode prescindir de flexibilidade e adaptação a diferentes realidades.

A mesma regra vale para os estudantes, principalmente pré e adolescentes, já cientes dos riscos da prática indiscriminada.

Eventual impedimento nacional não deve demonizar a tecnologia no âmbito didático, que apresenta resultados pedagógicos comprovados. O caminho para aliar formação de qualidade com desenvolvimento interpessoal passa pela conscientização.

Para a China, nem um estímulo de US$ 1,5 tri parece bastar

Folha de S. Paulo

Novo pacote para alavancar economia é mal recebido pelo mercado; gigante asiático precisa de menos poupança e mais consumo

A persistente perda de força da gigantesca economia chinesa tem levado as autoridades a adotar numerosos estímulos governamentais nos últimos meses. O objetivo mais imediato é atingir a meta de crescimento de 5% neste ano, ameaçada pela baixa demanda interna, até aqui sem sinais de reação.

O pacote mais recente, divulgado na sexta-feira (8), impressiona pelas dimensões. Será aportado US$ 1,5 trilhão para refinanciar dívidas de governos locais, que estão pressionados pela queda de sua principal fonte de receita —a venda de terras para desenvolvimento imobiliário.

Por ao menos duas décadas, o principal motor da economia do país foi o investimento em infraestrutura e construção civil. Tal caminho vai se esgotando.

Boa parte desses gastos, realizados por governos locais com elevado endividamento, não gerará retorno suficiente. Mas as dívidas ficam e precisam ser roladas para evitar calotes e até a interrupção de serviços públicos.

A população destinou parcela elevada de sua renda à compra de imóveis cujos preços agora estão em queda. Como não contam com um sistema satisfatório de proteção social, as famílias evitam expandir seu consumo. Cresce o risco de deflação —o índice de preços ao consumidor subiu apenas 0,3% nos 12 meses encerrados em outubro.

Outra consequência é a elevação exorbitante do saldo da balança comercial, que deve beirar US$ 1 trilhão em 2024.

Com políticas industriais agressivas, o gigante asiático continua a ganhar mercados e ampliar a parcela da produção industrial mundial dentro de suas fronteiras, que já passa de 30% —percentual equivalente aos de Estados Unidos e Europa somados.

O problema é que parece cada vez menor a disposição dos parceiros comerciais de absorver esses saldos. As disputas devem crescer com a posse de Donald Trump, que promete subir as tarifas de importação.

Reverter essas tendências, no contexto chinês, passa por um grande aumento da demanda interna, o que depende de maiores transferências públicas. De certa forma, é o oposto da recomendação que se faz ao Brasil, que padece de baixa poupança.

Pequim anuncia que fará mais esforços nessa direção, mas até o momento o foco tem sido setorial —na área imobiliária e agora para os governos locais.

Não surpreende, assim, que a reação do mercado financeiro global ao mais recente pacote tenha sido negativa. Serão necessárias medidas mais ambiciosas para mudar o quadro.

Poder demais, controle de menos

O Estado de S. Paulo

Estudo revela grau inaudito de apropriação de recursos do Orçamento pelo Congresso. O que já seria uma excrescência à luz da separação de Poderes é aberrante pela falta de transparência

É corrente em variados setores da sociedade a percepção de que o Congresso adquiriu um poder extraordinário sobre o Orçamento da União nos últimos anos – em grande medida, um poder autoconcedido. Desde 2015, quando foi promulgada a Emenda Constitucional 86, que tornou obrigatório o pagamento de uma parte das emendas individuais, o Congresso tem usado e abusado da criatividade para ampliar as vias de acesso aos recursos orçamentários, culminando em uma aberração antirrepublicana chamada “orçamento secreto”, esquema revelado por este jornal em maio de 2021.

Por motivos que vão do apetite virtualmente insaciável dos parlamentares por recursos públicos à debilidade política de presidentes da República que não conseguiram – ou não quiseram – se impor à usurpação de suas prerrogativas de chefe de governo, é fato que deputados e senadores determinam onde e como são gastos bilhões de reais por meio da indicação de emendas parlamentares de todo tipo, não raro sem transparência e sem que a tanto poder corresponda a devida responsabilização. Eis o retrato daquilo que por aqui se convencionou chamar de “parlamentarismo branco”, “às avessas” ou coisa que o valha.

A percepção sobre esse avanço do Congresso sobre o Orçamento, evidentemente, não só tem os dois pés fincados na realidade, como ainda pode ser medida. Um estudo realizado pelos economistas Marcos Mendes, pesquisador do Insper, e Hélio Tollini, ex-secretário do Orçamento Federal, ao qual o Estadão teve acesso, revelou que o caso do Brasil não encontra paralelo em 11 países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que reúne a maioria das nações mais ricas do mundo e que promove padrões internacionais de boa governança.

Para dar a dimensão de quão sui generis é a apropriação do Orçamento por deputados e senadores brasileiros, o porcentual de recursos destinados às emendas no País é quase o triplo do resultado aferido por Mendes e Tollini ao analisar o caso da Alemanha, segunda colocada no ranking. Aqui, as emendas parlamentares representam 24% das despesas discricionárias do governo federal, enquanto na maior economia da Europa o total é de apenas 9%.

De acordo com o estudo, do início de 2021 até agora, os parlamentares dispuseram de nada menos que R$ 131,7 bilhões por meio de emendas, sejam as individuais, de relator – base da primeira versão do “orçamento secreto” –, de bancada ou de comissão. Esse valor é 87% maior do que o destinado por deputados e senadores para seus redutos eleitorais no quadriênio anterior (2017-2020). “A forma como o Legislativo brasileiro atua no processo orçamentário é inusitada e (...) muito superior ao observado nos demais países”, sublinharam os autores do estudo. “Não se justifica a expansão das emendas”, prosseguem Mendes e Tollini, “sob o argumento de que ‘em todo mundo é assim’.”

Ainda que pudessem ser escrutinadas com absoluta transparência, como determina a Constituição, e direcionadas, de fato, para o financiamento de políticas públicas capazes de mudar sensivelmente a realidade local dos municípios supostamente atendidos por seus autores, as emendas parlamentares, nessa proporção, já seriam uma excrescência pela evidente afronta ao princípio republicano da separação de Poderes. Tudo é ainda pior porque transparência não há, haja vista a faina do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar moralizar essa orgia com recursos dos contribuintes há dois anos.

Com toda razão, muito tem sido cobrada do governo federal, inclusive por este jornal, a apresentação de um plano de corte de gastos digno do nome, vale dizer, robusto o bastante para reequilibrar as contas públicas, conter a inflação e favorecer a redução dos juros. Mas é forçoso lembrar que o Orçamento público é da União – não é o orçamento do Executivo, do Legislativo nem do Judiciário. Todos os Poderes devem dar sua cota de contribuição à responsabilidade fiscal, da qual depende o bem-estar de milhões de brasileiros. O Congresso, porém, finge que nada tem a ver com isso, alheio que está à realidade do País.

Enem na direção certa

O Estado de S. Paulo

Alta no número de inscritos e queda na abstenção foram dois grandes feitos no exame deste ano, boa notícia para uma etapa da educação básica que ainda coleciona muitos problemas

O segundo e último dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024, realizado no domingo, confirmou a tendência de maior presença dos alunos em todo o Brasil. Entre os mais de 4,3 milhões de estudantes que se inscreveram no Enem deste ano, a taxa de abstenção ficou em 26,6% no primeiro dia e em 30,6% no segundo – patamar menor quando comparado aos dos últimos dois anos, quando, na média, os índices dos dois dias de prova ficaram em torno de 28% e 32%, respectivamente.

Felizmente as provas também ocorreram em todo o País sem incidentes graves. Dois feitos importantes, sobretudo por se tratar de um terreno habitualmente fértil em más notícias – entre as quais, além da abstenção, incluíam-se, até aqui, indicadores ruins, desorganização, polêmicas ideológicas na prova e até, como se viu no trevoso governo de Jair Bolsonaro, tentativa de intervenção na realização do exame, cobrando-lhe alinhamento a dogmas bolsonaristas.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela realização das provas, não apenas foi possível estancar o histórico de queda no número de inscritos, como houve um aumento nas inscrições, da ordem de 27% em relação ao ano de 2022 e de 10% ante 2023.

O patamar de adesão às inscrições entre os alunos de escolas públicas chegou a ser de 100% em 14 Estados brasileiros, especialmente do Norte e do Nordeste, e passou dos 80% no Rio Grande do Sul, onde os estudantes tiveram isenção de taxas por causa das enchentes do primeiro semestre deste ano. Proporcionalmente, Santa Catarina e São Paulo tiveram o menor número de inscritos, com 73,48% e 79,87%, respectivamente.

Não sem razão, o ministro da Educação, Camilo Santana, comemorou os números, atribuindo-os em boa medida ao Pé-de-Meia, programa que oferece dinheiro para os participantes de baixa renda. Para incentivar alunos mais pobres e de escolas públicas, o governo pagará R$ 200 àqueles que participarem dos dois dias de exame.

Há uma semana, o presidente Lula da Silva, como de praxe, excedeu-se no discurso repleto de superlativos. “Significa que estamos no caminho certo e que vamos fazer esse país dar certo”, gabou-se, em visita ao Inep. Nem tanto ao céu, como sugere o demiurgo que acredita ter poderes divinos. Mas, ainda que com a cautela devida, não deixa de ser um resultado a ser comemorado.

O maior comparecimento mostrou, por exemplo, que ideias simples têm eficácia imediata. Foi o caso do recurso de geolocalização, que permitiu ao inscrito fazer a prova em local mais próximo de sua casa. Livrar o Enem de ocorrências graves também é um mérito do Inep, autarquia vinculada ao MEC formada por servidores que, nos últimos anos, resistiram a pressões de todo o tipo, inclusive investidas cujo propósito era interferir indevidamente no conteúdo das questões.

A eficiência logística e a segurança são armas poderosas para garantir a normalidade do Enem. Em 2009, durante o segundo mandato de Lula da Silva, o exame precisou ser refeito em razão do vazamento da prova, e isso se tornou um fantasma frequente para organizadores e estudantes.

Após as provas, o ministro Camilo Santana informou que o governo planeja usar o Enem como substituto da prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que avalia o desempenho dos alunos do terceiro e último ano do ensino médio. É uma iniciativa bem-vinda, uma vez que alunos do terceiro ano costumam dar prioridade ao Enem, prejudicando a precisão e a eficácia dos resultados aferidos pelo Saeb.

O feito de 2024 está longe de ser suficiente para resolver os muitos dilemas que afligem estudantes e o ensino médio em geral – nas escolas públicas, a alta evasão e o baixo desempenho estão entre os principais problemas dessa etapa. Apesar de nascer sob a inspiração de acabar com os processos seletivos tradicionais, o Enem repete há anos o mesmo modelo, e o ensino médio ainda patina na implementação de sua nova concepção, recentemente aprovada no Congresso. Mas, diante dos muitos desafios, superar alguns dos problemas das provas já é alguma coisa.

Velho ódio, novas vítimas

O Estado de S. Paulo

O ‘pogrom’ em Amsterdã é um alerta a quem subestima a virulência do antissemitismo

É um novo capítulo de uma velha história. O ódio ancestral aos judeus se manifesta com faces novas e mais virulentas.

Na quinta-feira passada, torcedores do time de futebol israelense Maccabi Tel Aviv foram perseguidos e agredidos nas ruas de Amsterdã. Pelo menos 30 pessoas foram feridas e 5 hospitalizadas. Um vídeo filmado de dentro de um carro mostra um pedestre sendo atropelado na calçada, enquanto uma voz grita: “Passa por cima!”. Outro mostra um homem tentando oferecer dinheiro aos agressores, que gritam: “Liberte a Palestina!”.

“Ontem houve uma explosão de antissemitismo, do tipo que esperávamos não ver de novo em Amsterdã”, disse a prefeita Femke Halsema. “Entre os cidadãos judeus de Amsterdã há medo, desalento, raiva e descrença.” O pogrom aconteceu na véspera do aniversário da Noite dos Cristais, quando nazistas alemães agrediram judeus e vandalizaram suas propriedades na Alemanha, na Áustria ocupada e na região dos Sudetos. Agora, os judeus voltam a ser perseguidos na cidade onde Anne Frank se escondeu dos nazistas.

Em maio, segundo a Anti-Defamation League, uma organização independente, os incidentes antissemitas no Reino Unido já tinham crescido de 1.662 para 4.103 em um ano; na Alemanha, de 2.639 para 3.614; na França, que abriga a maior comunidade de judeus da Europa, quadruplicaram, de 436 para 1.676. Desde 7 de outubro de 2023, foram 10 mil nos EUA, um aumento de 200% comparado com o ano anterior, e o pico da série histórica iniciada em 1979. Para ter uma ideia, em 2013 foram 751.

O antissemitismo explodiu após o 7 de Outubro, mas já vinha crescendo pari passu com a metástase de uma cultura iliberal, marcada, à direita, pelo nativismo, xenofobia e teorias conspiratórias, e, à esquerda, por uma visão maniqueísta que divide o mundo entre opressores e oprimidos e transformou Israel em epítome do “colonialismo”.

Analistas bem-intencionados buscam diferenciar o “antissemitismo” do “antissionismo”. De fato, críticas a reações desproporcionais de Israel em Gaza ou das políticas de assentamento na Cisjordânia são legítimas. Mas a onda de agressões nas ruas, nos campi ou redes sociais atropelam essas sutilezas, exaltando terroristas e conclamando a erradicação de Israel. Não poucos chefes de Estado – como o presidente Lula da Silva – repetem acusações manifestamente falsas (que precedem a guerra em Gaza) de “genocídio”. O fanatismo anti-Israel, que nos EUA está mais restrito às elites acadêmicas progressistas, por vezes assume proporções explosivas nas ruas de cidades europeias que, a despeito da sombria ocupação nazista no passado, voltam a testemunhar agressões aos judeus com espantosa frequência.

O judaísmo é muitas vezes visto como uma religião conservadora, mas no passado foi o portador de ideias revolucionárias, como o monoteísmo, liberdades civis, a educação generalizada ou questionamentos indiscriminados às autoridades. São valores que estão na raiz da experiência democrática moderna, e não surpreende que os judeus tenham sido tantas vezes perseguidos por tiranos e obscurantistas. O mundo está perdendo a batalha contra o antissemitismo, mas perdê-la é perder a batalha pela democracia.

Furto de fios muda rotina das cidades

Correio Braziliense

Crime tem sido recorrente nas cidades do país, com prejuízos financeiros para os órgãos públicos, instituições privadas e também para o bolso dos brasileiros.

O furto de cabos de cobre se tornou um tormento tanto para distribuidoras de energia e operadoras de telefonia quanto para os consumidores em todo o país. Além da falta de energia que afeta residências e empresas de modo geral, o ato criminoso dificulta a comunicação por meio de celulares e o funcionamento das estações de tratamento de água, entre outras complicações. Esse tipo de crime tem sido recorrente nas cidades do país, com prejuízos financeiros para os órgãos públicos, instituições privadas e também para o bolso dos brasileiros. 

O Distrito Federal registra de forma recorrente ocorrências de roubo de cabos de cobre. No ano passado, a companhia Neoenergia teve um um rombo de R$ 2,7 milhões devido aos danos causados por esse tipo de crime. Em 31 de outubro último, policiais civis, sob orientação da Coordenação de Repressão aos Crimes Patrimoniais, após um ano de investigação, saíram em campo para cumprir 21 mandados de prisão, 48 de busca e apreensão, arresto e sequestro de bens. No total, foram bloqueados R$ 5,7 milhões em contas bancárias vinculadas aos investigados. 

O objetivo era  desmontar uma quadrilha especializada em furto de cabos de transmissão de dados, telefônico e de energia elétrica, e de lavagem de dinheiro na capital federal. Os policiais miraram também em empresários receptadores do material roubado. Na operação, pelo menos 13 integrantes do bando foram presos — entre eles, empresários.  

Ficou bem claro que o furto de cabos de cobre não é atividade de moradores em situação de rua ou em condições de absoluta vulnerabilidade socioeconômica, quase sempre apontados como autores. Nas operações realizadas no DF e em outras unidades da Federação, os agentes buscam empresários. Receptadores do produto furtado que têm noção do valor do cobre e se deixam dominar pela cobiça desenfreada.

Minas Gerais também é um dos estados em que os roubos de cabos provoca sérios problemas para as empresas e a população. No início deste ano,  uma operação da Polícia Militar conseguiu recuperar seis toneladas de fios de cobre na região metropolitana de Belo Horizonte. Na operação, sete homens foram presos e um adolescente apreendido. Levantamento da Light mostra que, no Rio de Janeiro, o furto de cabos de energia aumentou 160% de 2022 para 2023, 6 mil metros de fio contra 16 mil. 

Ainda que os agentes das forças de segurança sejam eficientes, o furto de cabos de cobre ou mineral complica a rotina de uma cidade inteira. Comércios, serviços — públicos e privados — e atividades diversas têm o funcionamento interrompido. Em hospitais e clínicas, a situação é bem mais grave, pois há pessoas em risco de morte.

Em 2022, diante da paralisação do metrô no DF, a senadora Leila Barros apresentou projeto de lei dispondo sobre o aumento da pena para os ladrões de cabos de cobre e de outros minerais que comprometam os serviços públicos. O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, mas segue parado na Câmara dos Deputados. 

Ainda que uma lei mais rigorosa não seja suficiente para eliminar essa prática, trata-se de medida que não pode ser ignorada para inibir esses atos criminosos. A população pode colaborar com as autoridades das forças de segurança, denunciando atividades suspeitas na rua ou em áreas próximas da sua residência ou do trabalho. As forças de segurança, por sua vez, devem apostar cada vez mais no trabalho investigativo para chegar aos líderes das quadrilhas que lucram às custas dos apagões que ameaçam a vida e a rotina dos brasileiros.

 


Um comentário:

Anônimo disse...

Na coluna sobre ataque antissemita em Amsterdã o jornalista só não mencionou que quem estava caçando e espancando judeus jovens torcedores do time israelense eram Muçulmanos que ocuparam de forma demedida a Holanda e principalmente Amsterdã , o que nós vimos é a continuidade da agressão de muçulmanos aos judeus israelense , simples assim, a política de fronteira aberta criou-se mais esse problema não só pra Holanda mas para todos os países europeus que estão entulhado de muçulmano que querem manter as suas tradições e consideram o cristão um herege que tem que ser combatido