Parece que o nosso país está fadado a ter sempre dois tipos de sindicalismo: o corporativo, limitado e tutelado pelo Estado, arquitetado pelos governos ditatoriais; ou o populista, consagrado por sindicalistas autoritários, em regimes democráticos.
A atual estrutura sindical, por incrível que pareça, data da década de 1930. Foi concebida mediante três dispositivos legais: Decreto Lei n.º 19.770, de março de 1931; Decreto n.º 24.694, de julho de 1934; e Decreto Lei n.º 1.402, de julho de 1939. Além deles, é sabido que na Constituição de 1937 o artigo 138, que dispunha sobre a matéria sindical, foi uma tradução quase literal da Declaração III da Carta Del Lavoro italiana, de 1927, do regime de Mussolini. A estrutura, finalmente, foi sistematizada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943.
O tipo de sindicalismo adotado no Brasil, desde o início do governo Vargas, tem suas raízes numa concepção doutrinária corporativa que não era totalmente originada do fascismo italiano, pois nele foram inseridas especificidades que se aplicavam apenas ao nosso país. Mas, de qualquer forma, a legislação sindical tinha o objetivo inequívoco, embora não confessado, de tutelar todas as relações entre empregados e empregadores.
Pois bem, essa estrutura de tipo corporativo, concebida na década de 1930, permanece praticamente intacta até os dias atuais, no que concerne aos seus pilares básicos. Ela ainda impõe a unicidade sindical, a verticalização dos órgãos de representação profissional, os tributos sindicais e a tutela do Estado nas relações trabalhistas.
Porém, cumpre esclarecer que, com a promulgação da Constituição de 1988, houve uma aparente redução do controle do Estado nos sindicatos. Aparente, pois na prática o Estado não perdeu o controle do sindicalismo brasileiro. Várias são as situações que evidenciam a tutela, pelo Estado, nas relações entre empregados e empregadores. Cito aqui três.
A primeira situação é o excessivo número de regras estabelecidas na Lei Maior, disciplinando as relações dos órgãos de representação profissional, que mantém um sistema rígido de controle estatal, embora atenuado e disfarçado, restringindo, em muito, a liberdade sindical. Ou seja, a Carta Magna de 1988 é contraditória sobre a matéria, pois, se por um lado elimina a ingerência do Estado na administração dos sindicatos, por outro lado são impostos vários obstáculos, vários quesitos, ao seu livre desenvolvimento, mediante uma série de restrições constitucionais.
Outra situação se dá num contexto de ratificação da estrutura sindical de tipo corporativo, cuja ocorrência jamais poderia ser imaginada. Isto é, o malfadado tributo (o velho imposto sindical), em vez de desaparecer, passou a ser fortalecido, tendo sido estendido, a partir de 2008, até as centrais sindicais. O fato é que nunca tais organismos de coordenação sindical dependeram tanto do Estado para sobreviver quanto dependem agora.
Finalmente, a terceira situação ocorre por via da cooptação pelo governo de vários dirigentes e ex-dirigentes sindicais. Trata-se da presença, cada vez maior, de militantes trabalhistas no aparelho de Estado. Durante os últimos anos, aumentou significativamente o número de líderes sindicais assumindo cargos em ministérios, conselhos de empresas estatais, secretarias, etc.
Como resultado dessas situações, verificam-se o retorno e a intensificação da presença do Estado na vida dos órgãos de representação profissional, em vez da ampliação da autonomia sindical. Como na era Vargas, a maioria dos sindicatos, no País, está cada vez mais a serviço do governo, e não dos filiados.
Infelizmente, nas nossas relações trabalhistas conhecemos apenas duas modalidades de sindicalismo: a corporativa e, num curto período de tempo, a populista. Porém a terceira modalidade, que é a do sindicalismo independente, aberto em todos os sentidos, pregado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), ainda não consegue ressonância entre nós.
É professor de Recursos Humanos e Relações Trabalhista da FGV-SP
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Nenhum comentário:
Postar um comentário