O bom funcionamento das instituições deve conduzir o País à necessária pacificação social, com distensão das polarizações, dos conflitos e das animosidades. Esse processo não é uma política de governo, mas constitui verdadeira finalidade de Estado. Não há desenvolvimento econômico e social possível num ambiente social sem paz, com ânimos acirrados. Mas esse caminho não é percorrido sem percalços e dificuldades. Qualquer avanço exige estratégia e sabedoria. E ressentimentos e desconfianças, criados às vezes inadvertidamente, produzem entraves que levam décadas para serem superados. A atual crise, longa e desgastante, não pode continuar sendo cultivada, sob pena de comprometer as gerações futuras a um desgaste intolerável. Há casos de que nos podemos valer para abreviar esse processo de cura política e moral, com benefícios indiscutíveis para a comunidade.
Na história recente, por exemplo, ficou famoso o Pacto da Moncloa, firmado na Espanha em outubro de 1977 por partidos políticos, sindicatos e empresários. O pacto, que consistiu em dois acordos, estabeleceu as bases para a transição democrática após a ditadura franquista. Diante de um país profundamente dividido – a Guerra Civil Espanhola, nos anos 30 do século passado, havia cindido regiões, cidades e famílias –, lideranças políticas e civis firmaram um pacto de pacificação, cuja estratégia central consistiu em deliberar paulatinamente as questões em aberto, começando por aquelas cujo consenso seria mais fácil de ser obtido.
Foi um método realista. Ante as muitas diferenças existentes, seria impossível debruçar simultaneamente sobre todas as questões que dividiam a Nação. Elas eram tratadas e resolvidas paulatinamente. À medida que se consolidavam os primeiros pontos de consenso, diminuíam-se as tensões e formava-se um ambiente de maior confiança mútua. Assim, as questões maiores, nas quais havia originalmente diferenças altamente dissonantes, podiam ser tratadas a partir de bases mais racionais e em ambiente mais propício às boas soluções. Não que os dissensos desaparecessem como por passe de mágica, mas porque haviam sido criadas relações de confiança entre os agentes políticos, permitindo uma abordagem menos conflitiva e com mais diálogo.
Logicamente, não há método perfeito e muitas diferenças continuaram existindo. É uma utopia a ideia de que as instituições são capazes de instaurar a paz social absoluta, com uma plena homogeneidade de propostas e opiniões. Isso não existe e, certamente, nem mesmo é sempre desejável. A pluralidade, que sempre acarreta algum grau de tensão, é sinal de sociedade saudável e livre.
Mais do que pretender um grau de pacificação perfeito, é necessário sempre caminhar em direção à formação de consensos mínimos, aptos a propiciar uma atuação eficaz do poder público. Com muitas e muitas imperfeições – que aqui não se tenta minimizar –, o Brasil vem, desde a redemocratização, conseguindo formular alguns consensos importantes.
Basta pensar, por exemplo, na trajetória nacional contra a inflação. Outros temas sobre os quais havia grande dissonância, por exemplo, na Assembleia Constituinte de 1987, foram, ao longo do tempo, se acomodando e ganharam contornos que, ainda que não plenamente satisfatórios a todos os lados, receberam ao menos soluções pacíficas. É o caso das discussões envolvendo a função social da propriedade e a reforma agrária. Mais recentemente, outro grande exemplo de pacificação deu-se com o Código Florestal de 2012, com soluções de sofisticado equilíbrio.
Pois bem, diante desse panorama, não faz nenhum sentido que o presidente Jair Bolsonaro reabra, ao mesmo tempo e sem nenhuma ordem de prioridade, questões complexas de ordem histórica, social, econômica, trabalhista e ambiental. Com esse modo de atuar, é simplesmente impossível produzir soluções de consenso ou mesmo aquelas que se impõem pelo apelo à maioria. Não cabe ao presidente, simplesmente porque assim lhe apraz, instaurar o dissenso. Para isso ele não tem mandato.
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