Folha de S. Paulo
Presidente dos EUA vê potência asiática se
apresentar como polo da guerra tarifária e tenta angariar apoio para
enfrentá-la
Em sua insana guerra
tarifária, Donald Trump conseguiu
a façanha de colocar o mundo contra os EUA. A cada dia colheu mais tempestade.
Convicto de que o poderio econômico e militar de seu país permitiria usar a
intimidação comercial como uma espécie de arsenal nuclear tático, o presidente
americano bombardeou o pacto liberal e multilateral do Ocidente, perdeu suas
alianças tradicionais na Europa e na Ásia e vê-se
agora diante de uma escalada contra a China que,
ao que tudo indica, não estava em seus planos iniciais.
Trump destruiu o mundo do pós-Guerra e não colocou nada no lugar. Os sinais são de que o lunático populista e seu estafe delirante sabiam que o tarifaço poderia ser uma arma utilizada em favor dos EUA, mas não exatamente quais seriam seus efeitos reais e não exatamente como lidariam com situações inesperadas.
Como não existe um cenário duradouro de
"nada no lugar", é possível imaginar que o caos instaurado pelo
governo americano colocasse Xi Jinping diante da perspectiva de consolidar a
inauguração de seu século, já mais do que anunciado, na história global.
A ameaça do secretário do Tesouro Scott
Bessent (quem se aliar à China estará "cavando
sua própria cova") pareceu mais um indício de temor do que de
segurança. O presidente americano já havia piscado quando disse que a China
"entrou em pânico" ao responder às primeiras barreiras por ele
impostas.
Vendo-se alvo
de retaliação, dobrou a aposta e lançou um ultimato que não funcionou. A
superpotência asiática não recuou e apresentou-se
como o polo de resistência da guerra comercial.
Se a ideia de poupar a Rússia reduziu o
potencial da contraofensiva global, o fato é que Putin não correrá jamais em
auxílio da insensatez americana. Putin e Xi têm um grande acordo de aliança
estratégica, e o inimigo potencial é o Ocidente, em última instância controlado
pela América.
Por mais que a Europa possa se armar e passar
a exercer um novo papel na geopolítica mundial, isso não vai acontecer de uma
hora para outra. Para peitar a China de maneira mais eficaz, os EUA poderiam
contar, numa situação "normal", com o apoio da UE, além do Japão e
Coreia do Sul. Com o tarifaço, isso tornou-se impossível. Trump então foi
obrigado a recuar
nesta quarta sob pressão da China.
Com a retirada de tarifas
"recíprocas", tenta angariar algum apoio para se concentrar na
polarização com os chineses. Sua estratégia deu errado. Teve que abaixar o
topete. Mostrou fraqueza e falta de rumo. Além das alianças e do arcabouço
institucional que mal ou bem regiam o intercâmbio e administravam conflitos do
mundo globalizado, Trump jogou no lixo a previsibilidade e credibilidade de seu
país como referência internacional. A fuga
de títulos do Tesouro dos EUA, o grande porto seguro das finanças
internacionais, começou a se insinuar.
Com o alívio de 90 dias, ganha-se tempo, mas
não se sabe como o furacão poderá evoluir para alguma calmaria.
O quadro de incertezas inspira muita
apreensão. Mesmo a possibilidade de que o caos acabe gerando ameaças militares,
embora improvável, não pode ser descartada. Estamos vivendo um momento
histórico crítico, um daqueles que estarão com destaque nos livros escolares do
futuro —esperemos que tenhamos ambos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário