Valor Econômico
Cresce disputa das instituições financeiras
pelo crédito dos aposentados, maior caixa da República
Há uma intersecção crescente entre duas
crises que envolvem instituições financeiras avantajadas, além de seus aliados
no Congresso e no Executivo. A crise no INSS ameaça invadir o processo em curso
de alienação dos ativos do banco Master. No pano de fundo está a disputa pelo
orçamento público.
Em pleno feriado de 1º de Maio, o presidente
do Banco Central, Gabriel Galípolo, na companhia de dois outros diretores,
concedeu uma audiência a Joesley Batista, do grupo J&F. Foi a segunda, em
menos de um mês. O sigilo da audiência, atribuído às “regras do silêncio do
Copom”, não permitiu que dela se tenha informações oficiais.
Relatos de agentes que acompanham de perto as transações permitem saber que o J&F, por meio de seu banco digital PicPay, levou à autoridade monetária seu interesse na aquisição de ativos do Master, notadamente o Credcesta, cartão de benefício consignado, focado em servidores, além da carteira de precatórios e alguns ativos do patrimônio de seu controlador, Daniel Vorcaro. O interesse bate de frente com o de outras instituições financeiras, como o BRB e o BTG. Mas não apenas.
Dois dias antes, a Federação dos Bancos do
Brasil havia encaminhado ofício a quatro destinatários: Carlos Lupi
(Previdência), Debora Floriano (INSS), Ailton Santos (BC) e Izabela Correa
(BC). Neste ofício, cujo conteúdo acabaria por convergir com outro, da
Associação Brasileira de Bancos, enviado cinco dias depois para os mesmos
cargos, dois deles com novos titulares, o ministro Wolney Queiroz (Previdência)
e Gilberto Waller Júnior (INSS), as instituições financeiras reportam o que
entendem por irregularidades na gestão do programa “Meu INSS Vale +”.
Este programa permite que aposentados e
pensionistas antecipem parte de seu benefício. A portaria do INSS que criou o
programa, em 10 de novembro de 2024, previa uma antecipação de até R$ 150 por
meio de um cartão físico, com chip e senha. Esta portaria proibia expressamente
a cobrança de taxa e juro.
Em 6 de dezembro veio outra portaria prevendo
o fornecimento do cartão sem ônus aos beneficiários. Em 17 de janeiro uma
terceira portaria viabilizou a antecipação por outros meios, desde que
contratada mediante biometria, como aplicativo de banco. Em 26 de fevereiro,
uma quarta portaria aumentou o valor da antecipação para R$ 450.
Duas instituições se interessaram em oferecer
o produto mas apenas o PicPay começou a operá-lo. Lançado em 2012, o banco
digital do grupo J&F tem 39 milhões de contas ativas. Em 2024 reportou uma
receita de R$ 5,6 bilhões. Nas operações digitais com biometria, em que o
beneficiário recebe o valor antecipado na sua conta corrente, há uma cobrança
que pode chegar a R$ 21. Numa antecipação de R$ 450, isso significa 4,6%. O
juro do consignado é de 1,85%.
No mesmo dia em que a primeira portaria foi
publicada, bancos procuraram a Febraban. Queriam saber se a entidade havia sido
consultada sobre a formatação do produto. Nem a Febraban nem a ABBC o foram. Os
departamentos jurídicos dos bancos enumeraram os questionamentos que, depois,
seriam contemplados pelos ofícios das entidades.
O primeiro é o da natureza da operação.
Operações de crédito e prestação de serviços são remuneradas, respectivamente,
por juro e cobrança de tarifa. Além disso, a autorização de crédito precisa de
lei, além de recolhimento de IOF e de alocação de capital para este fim. A
prestação de serviço requer recolhimento de ISS.
Os questionamentos levaram a Febraban e a
ABBC a pedir, em seus ofícios, a suspensão do programa. A Advocacia-Geral da
União concordou e Lupi garantiu que encaminharia o tema antes de sair. O PicPay
informa que continua a operar, mas uma fonte da Dataprev assegura que há uma
ordem de suspensão.
Colhe-se, informalmente, do INSS que o
programa teve a adesão de 492 mil pessoas. O PicPay não as confirma, tampouco o
percentual de operações feitas por cartão físico (sem tarifa) e por aplicativo
(com tarifa). Defensores do programa atribuem a resistência dos bancos à
ofensiva do PicPay pela base de beneficiários do INSS.
O PicPay contesta a natureza de “operação de
crédito” do programa e reafirma a ausência de ônus para operações com cartão,
sem citar aquelas por biometria - “É uma solução inovadora e gratuita, pensada
para facilitar a vida do beneficiário. Uma alternativa mais vantajosa do que as
opções de tomada de crédito disponíveis”.
O que levou à saída de Lupi foi a omissão em
relação a uma fraude que ainda não encontrou alternativas de ressarcimento e
gerou um desgaste para o governo que está longe de se esgotar. A antecipação do
benefício dos aposentados é de outra natureza. Potencializou a disputa pelas
margens de lucro de operações que têm por base beneficiários do maior programa
social do governo.
Envolve instituições financeiras e grupos
econômicos com diferentes graus de acesso ao Executivo e ao Congresso. Na
fraude do INSS o governo é pressionado a cortar na carne, inclusive, de
sindicatos, e de seus operadores. Na antecipação do benefício previdenciário o
que está em jogo é uma arbitragem que tem consequências diretas sobre o custo
do crédito popular.
A política de valorização do salário mínimo,
que é responsabilizada até hoje pelo alargamento do déficit, serviu de
anabolizante para o mercado em disputa. É a dialética tupiniquim.
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