quinta-feira, 17 de julho de 2025

Quem pariu o apoio de Trump deixa para Lula embalá-lo -Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Lula colhe vitórias no Congresso, no STF e arregimenta o empresariado e a finança

O bolsonarismo deu sinais visíveis de arrependimento em relação ao pedido de ajuda a Donald Trump. Tarcísio Freitas começou a falar em colaborar com o Itamaraty, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) anunciou ter feito as pazes com o governador de São Paulo, a quem chamara de “subserviente servil às elites” e até seu pai passou a dizer que é o governo Lula que deve negociar com o governo americano e não ele.

Tudo em vão. Trump está sem freio e quem pariu seu apoio agora se mostra incapaz de embalá-lo. A investigação aberta pelo escritório de representação comercial dos EUA mostrou que a defesa de Jair Bolsonaro foi apenas pretexto para destampar um pote até aqui de mágoas contra o Brasil. O escopo da investigação, do etanol ao desmatamento, passando pela pirataria, legislação anticorrupção e meios de pagamento, é a soma de embates ancestrais que tem, no arsenal de porretes de Trump, sua janela de oportunidades.

A repercussão política imediata, por óbvio, recai sobre o ataque ao Pix, usado desde o flanelinha até dono do carrão, e à rua 25 de Março, maior rua de comércio popular do país. O governo, que começou seu declínio de popularidade a partir da falsa acusação do bolsonarismo da taxação do Pix e da real taxação das “blusinhas”, ganha de bandeja mais um presente para recompor sua popularidade. Por mais que Tarcísio e Bolsonaro agora queiram se dissociar do aliado, Trump não cansa de dizer que age em sua defesa.

Se as pesquisas qualitativas sobre o tarifaço, até aqui, colhiam expressões como “mexeram com os ricos”, pelo desconhecimento do potencial de dano ao seu bolso da taxação de 50% sobre as exportações brasileiras aos EUA, a derradeira medida não poderia ser mais traduzível para o brasileiro comum. É com ele que Trump - e Bolsonaro - querem mexer.

Se o dano à economia popular é evidente, a investigação do USTR abre ainda a possibilidade de o governo arrebanhar o setor financeiro, até aqui mais tímido que o industrial na frente ampla contra a chantagem americana.

O Pix é uma parceria tecnológica entre sucessivas gestões do Banco Central com o sistema financeiro. Não apenas invadiu o mercado de cartões de crédito como expandiu a bancarização no país, caindo no gosto do povo pela ausência de taxas. Hoje 60 milhões de brasileiros que não têm cartão de crédito usam Pix. Cerca de 800 instituições financeiras o utilizam, movimentando, por mês, R$ 2,5 trilhões, com 860 milhões de chaves cadastradas.

O Pix atingiu de cara dois mercados, o dos cartões de crédito e dos meios de pagamento digitais. O Brasil é o segundo maior mercado mundial de ambos - 35% do consumo se dá por cartão de crédito no país que tem 147 milhões de usuários de WhatsApp, aplicativo cujo meio de pagamento teve sua autorização atrasada pelo BC em função da operação do Pix.

A postergação foi conduzida pelo presidente do BC que, escolhido por Bolsonaro, pôs o Pix na rua. Hoje Roberto Campos Neto é vice-presidente do conselho de administração do Nubank, uma das instituições financeiras mais agressivas na oferta de produtos a partir do Pix. Todas essas instituições terão que se unir aos esforços coordenados pelo Estado brasileiro - Itamaraty, Ministério da Indústria e Comércio e Banco Central - contra a ofensiva trumpista.

Grassa nesses setores a decepção com Tarcísio. Até a investigação do USTR havia esforços como o do presidente da Cosan, Rubens Ometto, que, à saída da reunião de Tarcísio com empresários, buscou levantar o moral do governador - “Ele e Lula querem a mesma coisa”. Intramuros, porém, a percepção é a de que, entre a racionalidade e Bolsonaro, Tarcísio optou pelo segundo.

Um interlocutor chegou a recolocar o nome de Luciano Huck na praça, mas a palavra de ordem é pragmatismo. Nas finanças ou no agronegócio a decepção com o bolsonarismo repaginado de Tarcísio não se traduz em adesão ao palanque lulista, vide a nota da Confederação Nacional da Agricultura - “O governo atual é muito culpado também”. O fato incontestável, porém, é que lideranças empresariais e financeiras precisaram se aproximar de um governo do qual já buscavam distância.

No Palácio do Planalto a ordem também é a do pragmatismo. A reação traçada por Lula para recuperar as cartas no jogo dos Três Poderes ganhou concretude com as manifestações de apoio à negociação brasileira vinda dos presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP), ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin. Nomeações nas agências reguladoras e nos bancos estatais, inclusive com a criação de novas diretorias, escoarão as mágoas acumuladas.

E, finalmente, Lula também colheu vitórias na recomposição com o Supremo Tribunal Federal, que também foi agraciado com nomeações, a partir da validação, por Alexandre de Moraes, do decreto do IOF que o próprio ministro havia suspendido no início do mês.

Não há nenhuma vantagem assegurada nesse jogo. Era esperado que até fim desta quarta-feira, o presidente vetasse o aumento no número de deputados aprovado pelo Congresso e rechaçado por 85% dos brasileiros segundo a Genial/Quaest. Na jogada mais arriscada até aqui, Lula resolveu aumentar o cacife para quem quiser permanecer no jogo.

 

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