O Globo
A sanção de 50% contra o Brasil, atingindo
todas as exportações nacionais foi geral, ampla e irrestrita
Desde 2005, quando Bush II impôs sanções
específicas contra a ditadura venezuelana não se via coisa igual. A sanção de
50% contra o Brasil, atingindo todas as exportações nacionais foi geral, ampla
e irrestrita. As primeiras sanções contra a Venezuela foram pontuais, contra
pessoas.
A carta
de Trump tem 496 palavras e as 65 do primeiro parágrafo tratam de Jair
Bolsonaro com clareza cristalina: “A forma como o Brasil tem tratado o
ex-Presidente Bolsonaro é uma vergonha internacional. Esse julgamento não
deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!
(Ênfase dele.)”
Segue-se o anúncio e a defesa das sobretaxas. Valendo-se de mais uma realidade paralela, Trump disse que elas compensarão políticas comerciais que “causaram (...) déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!”.
Desde 2009 os EUA têm superávit comercial com
o Brasil. A batatada sugere que o texto não passou pelo crivo dos profissionais
do Departamento de Estado.
O sujeito da carta de Trump é Jair Bolsonaro
e num só dia ela funcionou como um toque de alvorada para a oposição ao governo
de Lula. Alinharam-se, com graus variáveis de clareza, os governadores de São
Paulo, Minas Gerais e Goiás, todos candidatos à sucessão de Lula.
Dos presidentes da Câmara e do Senado, com um
dia de atraso, saiu uma nota que não condenou o tarifaço de 50% e falou em
“diálogo”, palavra que não aparece na carta de Trump. Pelo contrário, o que há
lá é uma exigência de que “IMEDIATAMENTE!” seja suspensa a “Caça às Bruxas” que
ele vê no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de Bolsonaro e dos
envolvidos na trama golpista de 2022/23.
Impertinente na forma e nos objetivos
comerciais, a carta de Trump embute uma novidade: pela primeira vez na
História, um governante americano se coloca como patrono de um candidato à
Presidência do Brasil. Pior: presidentes americanos mal sabiam seus nomes e
jamais mandaram um filho para batalhar por ele acampando em Washington. No
limite, em 1964. O general Castello Branco tinha apenas a simpatia do adido
militar americano, coronel Vernon Walters, seu companheiro de barraca na
Itália, durante a Segunda Guerra.
Eduardo mostrou seu mapa
Pareceu bravata quando Eduardo Bolsonaro
disse na segunda-feira à repórter Julia Chaib, em Washington, que “Trump não
joga palavras ao vento (...) tem alguma coisa acontecendo e eu estou com uma
expectativa alta. (...) Esses próximos tempos podem trazer boas novidades”.
Na quarta-feira as novidades vieram e Eduardo
voltou a falar:
“Apelamos para que as autoridades brasileiras
evitem escalar o conflito e adotem uma saída institucional que restaure as
liberdades. Cabe ao Congresso liderar esse processo, começando com uma anistia
ampla, geral e irrestrita, seguida de uma nova legislação que garanta a
liberdade de expressão — especialmente online — e a responsabilização dos
agentes públicos que abusaram do poder”.
Era o mapa do tesouro para o bolsonarismo
trumpista. Sua chave está na anistia.
A sobretaxa de 50% afeta as exportações
nacionais, e o projeto que anistia os bolsonaristas, devolvendo a elegibilidade
do ex-presidente, está no Congresso há meses.
Nesse cenário, o Congresso aprova a anistia,
podendo dizer que a decisão foi soberana, pois a apresentação do projeto
antecedeu o joelhaço de Trump. O presidente americano poderá, no seu melhor
estilo, cantar vitória, retirando as sanções punitivas.
A segunda fala de Eduardo Bolsonaro olha para
a frente. Quando a sobretaxa de 50% produzir seus efeitos no bolso do andar de
cima, destruindo empregos no de baixo, o que hoje é indignação patriótica
poderá virar, aos poucos, impaciência com o Congresso.
Descoberta tardia
O ministro Fernando Haddad quer mais tributos
para a jogatina e faz muito bem. Justificando-se, explicou:
“Os caras estão ganhando uma fortuna no
Brasil, gerando muito pouco emprego, mandando para fora o dinheiro arrecadado
aqui, e que vantagem a gente leva?”.
Quem criou as regras para as apostas foi o
atual governo. Entre março de 2023 e 31 de julho de 2024, servidores do
Ministério da Fazenda reuniram-se 251 vezes com os “caras”.
Recordar é viver
Desde janeiro de 1977, quando o presidente
Jimmy Carter assumiu a presidência dos Estados Unidos, o governo americano
distanciou-se da ditadura brasileira. Moeu o Acordo Nuclear assinado com a
Alemanha, sobretaxou os calçados brasileiros e deu asilo a Leonel Brizola. O
governo do presidente Ernesto Geisel fingia que não era com ele.
Certo dia, no Palácio do Planalto, o general
Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil, ouviu a sugestão de que fosse
convocado um movimento de união nacional em defesa da soberania nacional.
Resposta de Golbery:
“Imaginemos que esse movimento gere uma
passeata saindo da Cinelândia com faixas contra Carter. Quando a marcha chegar
à rua Uruguaiana aparecerá o primeiro cartaz pedindo o fim do Ato Institucional
nº 5. Quando a passeata chegar à praça Mauá, terá cartazes pedindo a legalidade
para o Partido Comunista”.
A ideia foi esquecida.
Alckmin sai da frigideira
A trapalhada do IOF, mais a crise com Donald
Trump, parecem ter congelado a ideia do comissariado petista de substituir
Geraldo Alckmin na chapa presidencial.
Madame Natasha e os BRICs
Madame Natasha gosta dos BRICS, mas não sabe
por quê. Ela acompanhou sua última reunião de cúpula e não entendeu nada.
Humilde, resolveu ler a Declaração do Rio de Janeiro, com 126 itens. (O
documento final da Conferência de Yalta, que redesenhou a Europa em 1945, tinha
14.)
Natasha perdeu o fôlego ao ler o item 38:
Ressaltamos a contribuição significativa das
zonas livres de armas nucleares para o fortalecimento do regime de não
proliferação nuclear, reafirmamos nosso apoio e respeito a todas as zonas
livres de armas nucleares existentes e suas garantias associadas contra o uso
ou a ameaça de uso de armas nucleares, e reconhecemos a suprema importância dos
esforços que visam acelerar a implementação das resoluções sobre o
Estabelecimento de uma Zona Livre de Armas Nucleares e outras Armas de
Destruição em Massa no Oriente Médio, incluindo a Conferência convocada de
acordo com a Decisão 73/546 da Assembleia Geral da ONU.
Uma frase de 98 palavras é coisa de burocrata
onipotente. Repetir nela por cinco vezes as palavras “nuclear” ou “nucleares” é
ter um estilo radioativo. Natasha decidiu pedir ao chanceler Mauro Vieira que
entregue ao diplomata que redigiu o texto a concessão de uma de suas bolsas de
estudo.
Natasha aprendeu com Guga Chacra
Guga Chacra disse tudo: Trump não ameaçou o
Brasil com aumento de tarifas ou tarifaço. Ele anunciou sanções.
Quando Trump aumenta tarifas, negociam-se tarifas e tudo bem. Quando ele aumenta tarifas vinculando sua ameaça à exigência de encerramento do processo contra Bolsonaro “IMEDIATAMENTE!”, a palavra certa é sanção
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