domingo, 13 de julho de 2025

Trump sabe o que quer - Elio Gaspari

O Globo

A sanção de 50% contra o Brasil, atingindo todas as exportações nacionais foi geral, ampla e irrestrita

Desde 2005, quando Bush II impôs sanções específicas contra a ditadura venezuelana não se via coisa igual. A sanção de 50% contra o Brasil, atingindo todas as exportações nacionais foi geral, ampla e irrestrita. As primeiras sanções contra a Venezuela foram pontuais, contra pessoas.

carta de Trump tem 496 palavras e as 65 do primeiro parágrafo tratam de Jair Bolsonaro com clareza cristalina: “A forma como o Brasil tem tratado o ex-Presidente Bolsonaro é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE! (Ênfase dele.)”

Segue-se o anúncio e a defesa das sobretaxas. Valendo-se de mais uma realidade paralela, Trump disse que elas compensarão políticas comerciais que “causaram (...) déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!”.

Desde 2009 os EUA têm superávit comercial com o Brasil. A batatada sugere que o texto não passou pelo crivo dos profissionais do Departamento de Estado.

O sujeito da carta de Trump é Jair Bolsonaro e num só dia ela funcionou como um toque de alvorada para a oposição ao governo de Lula. Alinharam-se, com graus variáveis de clareza, os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, todos candidatos à sucessão de Lula.

Dos presidentes da Câmara e do Senado, com um dia de atraso, saiu uma nota que não condenou o tarifaço de 50% e falou em “diálogo”, palavra que não aparece na carta de Trump. Pelo contrário, o que há lá é uma exigência de que “IMEDIATAMENTE!” seja suspensa a “Caça às Bruxas” que ele vê no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de Bolsonaro e dos envolvidos na trama golpista de 2022/23.

Impertinente na forma e nos objetivos comerciais, a carta de Trump embute uma novidade: pela primeira vez na História, um governante americano se coloca como patrono de um candidato à Presidência do Brasil. Pior: presidentes americanos mal sabiam seus nomes e jamais mandaram um filho para batalhar por ele acampando em Washington. No limite, em 1964. O general Castello Branco tinha apenas a simpatia do adido militar americano, coronel Vernon Walters, seu companheiro de barraca na Itália, durante a Segunda Guerra.

Eduardo mostrou seu mapa

Pareceu bravata quando Eduardo Bolsonaro disse na segunda-feira à repórter Julia Chaib, em Washington, que “Trump não joga palavras ao vento (...) tem alguma coisa acontecendo e eu estou com uma expectativa alta. (...) Esses próximos tempos podem trazer boas novidades”.

Na quarta-feira as novidades vieram e Eduardo voltou a falar:

“Apelamos para que as autoridades brasileiras evitem escalar o conflito e adotem uma saída institucional que restaure as liberdades. Cabe ao Congresso liderar esse processo, começando com uma anistia ampla, geral e irrestrita, seguida de uma nova legislação que garanta a liberdade de expressão — especialmente online — e a responsabilização dos agentes públicos que abusaram do poder”.

Era o mapa do tesouro para o bolsonarismo trumpista. Sua chave está na anistia.

A sobretaxa de 50% afeta as exportações nacionais, e o projeto que anistia os bolsonaristas, devolvendo a elegibilidade do ex-presidente, está no Congresso há meses.

Nesse cenário, o Congresso aprova a anistia, podendo dizer que a decisão foi soberana, pois a apresentação do projeto antecedeu o joelhaço de Trump. O presidente americano poderá, no seu melhor estilo, cantar vitória, retirando as sanções punitivas.

A segunda fala de Eduardo Bolsonaro olha para a frente. Quando a sobretaxa de 50% produzir seus efeitos no bolso do andar de cima, destruindo empregos no de baixo, o que hoje é indignação patriótica poderá virar, aos poucos, impaciência com o Congresso.

Descoberta tardia

O ministro Fernando Haddad quer mais tributos para a jogatina e faz muito bem. Justificando-se, explicou:

“Os caras estão ganhando uma fortuna no Brasil, gerando muito pouco emprego, mandando para fora o dinheiro arrecadado aqui, e que vantagem a gente leva?”.

Quem criou as regras para as apostas foi o atual governo. Entre março de 2023 e 31 de julho de 2024, servidores do Ministério da Fazenda reuniram-se 251 vezes com os “caras”.

Recordar é viver

Desde janeiro de 1977, quando o presidente Jimmy Carter assumiu a presidência dos Estados Unidos, o governo americano distanciou-se da ditadura brasileira. Moeu o Acordo Nuclear assinado com a Alemanha, sobretaxou os calçados brasileiros e deu asilo a Leonel Brizola. O governo do presidente Ernesto Geisel fingia que não era com ele.

Certo dia, no Palácio do Planalto, o general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil, ouviu a sugestão de que fosse convocado um movimento de união nacional em defesa da soberania nacional. Resposta de Golbery:

“Imaginemos que esse movimento gere uma passeata saindo da Cinelândia com faixas contra Carter. Quando a marcha chegar à rua Uruguaiana aparecerá o primeiro cartaz pedindo o fim do Ato Institucional nº 5. Quando a passeata chegar à praça Mauá, terá cartazes pedindo a legalidade para o Partido Comunista”.

A ideia foi esquecida.

Alckmin sai da frigideira

A trapalhada do IOF, mais a crise com Donald Trump, parecem ter congelado a ideia do comissariado petista de substituir Geraldo Alckmin na chapa presidencial.

Madame Natasha e os BRICs

Madame Natasha gosta dos BRICS, mas não sabe por quê. Ela acompanhou sua última reunião de cúpula e não entendeu nada. Humilde, resolveu ler a Declaração do Rio de Janeiro, com 126 itens. (O documento final da Conferência de Yalta, que redesenhou a Europa em 1945, tinha 14.)

Natasha perdeu o fôlego ao ler o item 38:

Ressaltamos a contribuição significativa das zonas livres de armas nucleares para o fortalecimento do regime de não proliferação nuclear, reafirmamos nosso apoio e respeito a todas as zonas livres de armas nucleares existentes e suas garantias associadas contra o uso ou a ameaça de uso de armas nucleares, e reconhecemos a suprema importância dos esforços que visam acelerar a implementação das resoluções sobre o Estabelecimento de uma Zona Livre de Armas Nucleares e outras Armas de Destruição em Massa no Oriente Médio, incluindo a Conferência convocada de acordo com a Decisão 73/546 da Assembleia Geral da ONU.

Uma frase de 98 palavras é coisa de burocrata onipotente. Repetir nela por cinco vezes as palavras “nuclear” ou “nucleares” é ter um estilo radioativo. Natasha decidiu pedir ao chanceler Mauro Vieira que entregue ao diplomata que redigiu o texto a concessão de uma de suas bolsas de estudo.

Natasha aprendeu com Guga Chacra

Guga Chacra disse tudo: Trump não ameaçou o Brasil com aumento de tarifas ou tarifaço. Ele anunciou sanções.

Quando Trump aumenta tarifas, negociam-se tarifas e tudo bem. Quando ele aumenta tarifas vinculando sua ameaça à exigência de encerramento do processo contra Bolsonaro “IMEDIATAMENTE!”, a palavra certa é sanção

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