Revista Veja
Fraudes em emendas parlamentares no Ceará são
vinculadas ao crime organizado
Alguns dos mais votados deputados federais do estado do Ceará estão sob suspeita de participação no desvio de quase 500 milhões de reais em dinheiro público. São novos nomes na lista de meia centena de parlamentares submetidos a “apurações específicas”, como dizem juízes do Supremo Tribunal Federal, sobre a manipulação de emendas ao Orçamento da União e fraudes em licitações municipais. O caso do Ceará, porém, tem uma peculiaridade: a polícia vinculou os principais personagens da investigação, um deputado federal e um prefeito cassado, às máfias do crime organizado dominantes em parte do mapa estadual.
É o primeiro episódio conhecido em que a
polícia apresenta ao Supremo
Tribunal Federal um inquérito sobre indícios de fraudes em emendas
parlamentares ao Orçamento federal relacionadas a vestígios de infiltração de
grupos mafiosos do Brasil (Comando Vermelho) e do México (Cartel de Jalisco) na
estrutura política de 15% dos 184 municípios cearenses. Entre os crimes
eleitorais descritos está a compra de votos, com o dinheiro das emendas, para
eleição de prefeitos e vereadores no ano passado.
O principal personagem nessa investigação é o
deputado federal Antônio Luiz Rodrigues Mano Júnior, mais conhecido como Júnior
Mano. Aos 40 anos, encarna uma história de rápida ascensão na política:
ex-vice-prefeito da sertaneja Nova Russas, a 300 quilômetros de Fortaleza,
agora governada por sua mulher, em meia década se tornou o segundo deputado
federal mais votado no Ceará (com 216 500 votos).
Júnior Mano se elegeu para a Câmara na aba de
Jair Bolsonaro em
2018. Esteve no Partido Liberal até ser expulso, a pedido de Bolsonaro, por
suposta infidelidade — apoiou candidatos do Partido dos Trabalhadores na
campanha municipal do ano passado. Migrou para o Partido Socialista Brasileiro,
com o patrocínio do senador Cid Gomes, e foi recebido em solenidade pelo
vice-presidente Geraldo Alckmin e pelo prefeito do Recife, João Campos. Até a
última terça-feira, 8, quando o juiz Gilmar Mendes mandou a polícia vasculhar
sua residência e gabinete na Câmara, era visto como provável candidato do PSB
ao Senado em 2026 na vaga de Cid Gomes, que anunciava aposentadoria.
Júnior Mano, segundo a polícia, tinha “papel central” numa engrenagem de fraudes no Orçamento, com a manipulação de emendas parlamentares, nos repasses de recursos da Caixa Econômica Federal e nas licitações municipais. As comissões cobradas, tratadas como “pedágio” e “imposto” nas trocas de mensagens dos operadores financeiros, variavam de 12% a 15% do valor das emendas e transferências numa rotina “institucionalizada de corrupção”.
O deputado nega tudo.
Investigações locais e federais, no entanto, mostram que um dos seus principais
auxiliares é Carlos Alberto Queiroz Pereira. Ano passado, ele se elegeu
prefeito de Choró, cidade do sertão central distante 170 quilômetros de
Fortaleza. Antes da posse, foi preso. Fugiu, teve o mandato cassado e continua
em fuga com acusações de trapaças orçamentárias, crimes eleitorais variados e,
também, de envolvimento com grupos de narcotraficantes brasileiros e mexicanos.
Maria do Rozário Ximenes, ex-prefeita de
Canindé, vizinha de Choró, ajudou a polícia a mapear oito das dezenas de
empresas usadas para lavagem das comissões cobradas na manipulação de emendas
parlamentares. Entre as operações vinculadas à dupla Júnior Mano-Queiroz
Pereira há uma de 58 milhões de reais. Esse dinheiro, indica a polícia, teria
sido aplicado na compra de votos durante a temporada eleitoral de 2024.
Júnior Mano arrastou para o inquérito no STF
outros dois dos mais votados deputados federais do Ceará. Um deles é José
Guimarães, 66 anos, eleito com 186 000 votos. Líder do governo Lula na
Câmara, é reconhecido por quase três décadas de influência em áreas-chave do
Banco do Nordeste, instituição federal sediada em Fortaleza.
Outro é Eunício Oliveira, 72 anos,
ex-presidente do Senado (2017-2019), chefe do MDB cearense, empresário com
negócios na agricultura e em serviços de segurança privada. Eleito com 188 500 votos,
licenciou-se na Câmara no mês passado para
planejar a disputa de uma das duas vagas de senador no ano que vem.
Esses dois deputados são mencionados de forma
indireta em conversas de auxiliares da dupla Júnior Mano-Queiroz Pereira, mas
o juiz Gilmar
Mendes achou conveniente iniciar uma “apuração específica”. É provável
que esse caso de fraudes orçamentárias e eleitorais, com personagens vinculados
às máfias dominantes no Ceará, entre no cardápio da CPI do Crime Organizado,
cuja estreia está marcada para agosto no Senado.
Publicado em VEJA de 11 de julho de
2025, edição nº
2952
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