sábado, 12 de julho de 2025

Máfias & política - José Casado

Revista Veja

Fraudes em emendas parlamentares no Ceará são vinculadas ao crime organizado

Alguns dos mais votados deputados federais do estado do Ceará estão sob suspeita de participação no desvio de quase 500 milhões de reais em dinheiro público. São novos nomes na lista de meia centena de parlamentares submetidos a “apurações específicas”, como dizem juízes do Supremo Tribunal Federal, sobre a manipulação de emendas ao Orçamento da União e fraudes em licitações municipais. O caso do Ceará, porém, tem uma peculiaridade: a polícia vinculou os principais personagens da investigação, um deputado federal e um prefeito cassado, às máfias do crime organizado dominantes em parte do mapa estadual.

É o primeiro episódio conhecido em que a polícia apresenta ao Supremo Tribunal Federal um inquérito sobre indícios de fraudes em emendas parlamentares ao Orçamento federal relacionadas a vestígios de infiltração de grupos mafiosos do Brasil (Comando Vermelho) e do México (Cartel de Jalisco) na estrutura política de 15% dos 184 municípios cearenses. Entre os crimes eleitorais descritos está a compra de votos, com o dinheiro das emendas, para eleição de prefeitos e vereadores no ano passado.

O principal personagem nessa investigação é o deputado federal Antônio Luiz Rodrigues Mano Júnior, mais conhecido como Júnior Mano. Aos 40 anos, encarna uma história de rápida ascensão na política: ex-vice-prefeito da sertaneja Nova Russas, a 300 quilômetros de Fortaleza, agora governada por sua mulher, em meia década se tornou o segundo deputado federal mais votado no Ceará (com 216500 votos).

Júnior Mano se elegeu para a Câmara na aba de Jair Bolsonaro em 2018. Esteve no Partido Liberal até ser expulso, a pedido de Bolsonaro, por suposta infidelidade — apoiou candidatos do Partido dos Trabalhadores na campanha municipal do ano passado. Migrou para o Partido Socialista Brasileiro, com o patrocínio do senador Cid Gomes, e foi recebido em solenidade pelo vice-presidente Geraldo Alck­min e pelo prefeito do Recife, João Campos. Até a última terça-feira, 8, quando o juiz Gilmar Mendes mandou a polícia vasculhar sua residência e gabinete na Câmara, era visto como provável candidato do PSB ao Senado em 2026 na vaga de Cid Gomes, que anunciava aposentadoria.

Júnior Mano, segundo a polícia, tinha “papel central” numa engrenagem de fraudes no Orçamento, com a manipulação de emendas parlamentares, nos repasses de recursos da Caixa Econômica Federal e nas licitações municipais. As comissões cobradas, tratadas como “pedágio” e “imposto” nas trocas de mensagens dos operadores financeiros, variavam de 12% a 15% do valor das emendas e transferências numa rotina “institucionalizada de corrupção”.

O deputado nega tudo. Investigações locais e federais, no entanto, mostram que um dos seus principais auxiliares é Carlos Alberto Queiroz Pereira. Ano passado, ele se elegeu prefeito de Choró, cidade do sertão central distante 170 quilômetros de Fortaleza. Antes da posse, foi preso. Fugiu, teve o mandato cassado e continua em fuga com acusações de trapaças orçamentárias, crimes eleitorais variados e, também, de envolvimento com grupos de narcotraficantes brasileiros e mexicanos.

Maria do Rozário Ximenes, ex-prefeita de Canindé, vizinha de Choró, ajudou a polícia a mapear oito das dezenas de empresas usadas para lavagem das comissões cobradas na manipulação de emendas parlamentares. Entre as operações vinculadas à dupla Júnior Mano-Queiroz Pereira há uma de 58 milhões de reais. Esse dinheiro, indica a polícia, teria sido aplicado na compra de votos durante a temporada eleitoral de 2024.

Júnior Mano arrastou para o inquérito no STF outros dois dos mais votados deputados federais do Ceará. Um deles é José Guimarães, 66 anos, eleito com 186000 votos. Líder do governo Lula na Câmara, é reconhecido por quase três décadas de influência em áreas-chave do Banco do Nordeste, instituição federal sediada em Fortaleza.

Outro é Eunício Oliveira, 72 anos, ex-presidente do Senado (2017-2019), chefe do MDB cearense, empresário com negócios na agricultura e em serviços de segurança privada. Eleito com 188500 votos, licenciou-se na Câmara no mês passado para planejar a disputa de uma das duas vagas de senador no ano que vem.

Esses dois deputados são mencionados de forma indireta em conversas de auxiliares da dupla Júnior Mano-­Queiroz Pereira, mas o juiz Gilmar Mendes achou conveniente iniciar uma “apuração específica”. É provável que esse caso de fraudes orçamentárias e eleitorais, com personagens vinculados às máfias dominantes no Ceará, entre no cardápio da CPI do Crime Organizado, cuja estreia está marcada para agosto no Senado.

Publicado em VEJA de 11 de julho de 2025, edição nº 2952

 

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