O Estado de S. Paulo
O Brics é visto, em Brasília, como instrumento-chave para reequilibrar a ordem mundial, contrapondo o domínio do G-7
No contexto atual de incertezas e insegurança
global, o governo brasileiro organizou ontem, no Rio de Janeiro, o encontro de
cúpula do Brics, sem a presença dos líderes da Rússia, China, Egito, Turquia,
Irã e México.
O Brics, hoje, ampliado, é integrado pelos cinco países originais (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e agora pelos novos membros, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes. Foi igualmente criada uma categoria de Países Associados, tendo sido convidados Cuba, Bolívia, Turquia, Nigéria, Indonésia, Argélia, Bielorrússia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã e Uganda. A expansão do Brics permitirá um maior conhecimento e novas oportunidades de ampliação do intercâmbio comercial entre os países-membros. Existem cerca de 200 mecanismos de interação entre os países-membros, com reuniões entre ministérios e instituições oficiais e privadas que vão nessa direção. No tocante ao funcionamento do bloco, o Brasil apoiou a expansão do grupo (2023-2024) e defende termos de referência para a entrada de novos membros para preservar a coerência e eficácia do bloco. Há cerca de 35 países que manifestaram interesse em se juntar ao Brics.
Apesar de dois de seus membros estarem
envolvidos em conflitos regionais, o Brics, pelo seu peso político, econômico e
comercial, tem sido um polo de atração, o que indica uma tendência à sua
consolidação como um ator relevante no cenário global. Heterogêneo e com
interesses nem sempre coincidentes, o Brics se tornou uma fonte de propostas de
regras para a nova ordem internacional, embora haja preocupação de parte de
seus membros com o risco de que o grupo se torne excessivamente politizado ou
antiocidental, o que comprometeria sua capacidade prática. Por isso,
apresentar-se como uma força de construção e de estabilização será um grande
desafio para o bloco, levando em conta as guerras em curso e as atitudes
antiocidentais de alguns de seus membros.
A reunião mostrou a grande diversidade entre
os paísesmembros e a divergência de interesses político e econômico-comerciais,
mas a moderação prevaleceu sobre a confrontação. Além da declaração de líderes,
foram aprovadas declarações sobre finanças climáticas; sobre governança global
da inteligência artificial e a parceria do Brics para a eliminação de doenças
socialmente determinadas. O Brasil contribuiu para encontrar fórmulas de
conciliação sobre os temas dominados por questões geopolíticas globais, em
especial, as guerras no Oriente Médio e na Europa e o protecionismo, em função
do tarifaço dos EUA. O grupo condenou os ataques militares ao Irã e ao programa
nuclear iraniano, reiterando o apoio às iniciativas diplomáticas relativas aos
desafios regionais e reiterou as posições nacionais sobre a guerra na Ucrânia,
expressas na ONU. O comunicado final registra a grave preocupação com a
ocupação de Gaza e expressa o direito dos palestinos de um Estado independente
e, quanto à ampliação do Conselho de Segurança da ONU, que Brasil e Índia
deveriam ter um papel mais ativo em temas globais e nas Nações Unidas,
inclusive no Conselho de Segurança.
No contexto das atuais prioridades na
política externa, o governo brasileiro mantém seu compromisso com o Brics como
um meio estratégico para reforçar sua política externa, aumentar sua autonomia
e atuar como liderança entre os países em desenvolvimento (Sul Global). O Brics
é visto, em Brasília, como instrumento-chave para reequilibrar a ordem mundial,
contrapondo o domínio do G-7, o esvaziamento do G-20 e de instituições
lideradas por EUA e Europa. A presidência brasileira defendeu a reforma da
governança global e a ampliação da voz dos países em desenvolvimento. Reiterou
a necessidade da reforma do Conselho de Segurança da ONU, o fortalecimento da
Organização Mundial do Comércio (OMC) e enfatizou a necessidade de mudanças no
Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial, com maior representatividade
e poder de voto para os emergentes. Ressaltou o diálogo sobre o uso de moedas
locais no comércio com o objetivo de reduzir os custos das operações
financeiras e sobre a cooperação entre os países do Brics para melhor
utilização do sistema financeiro vigente. Defendeu maior atuação do Novo Banco
de Desenvolvimento (NDB), com financiamentos que beneficiem infraestrutura e
transição energética no Sul Global.
Ao lado do apoio à agenda do Brics, o Brasil incluiu, com êxito, nas discussões e no comunicado final, a ampliação da cooperação entre os países em desenvolvimento nas áreas de saúde, com o estabelecimento de parcerias e projetos com os países-membros para ampliar a cooperação no combate a doenças tropicais; clima, no tocante ao aprimoramento das estruturas de financiamento para enfrentar as mudanças climáticas levando em conta a agenda da COP-30; comércio, na defesa de princípios básicos do comércio internacional, como o da nação mais favorecida, visando ao incremento do comércio entre os dez membros do bloco e buscando revigorar a OMC e crítica à política protecionista dos EUA; taxação dos super-ricos; inteligência artificial, com vistas a aprofundar as discussões sobre a governança da IA, com o apoio da governança inclusiva e responsável da IA para o desenvolvimento.
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