Folha de S. Paulo
Afirmação não é totalmente incorreta, mas é
manipuladora
Dizer que o brasileiro paga muito imposto não
é necessariamente uma mentira, mas trata-se de uma meia-verdade usada de forma
seletiva. O Brasil apresenta uma carga tributária, ou seja, a proporção entre o
total de impostos arrecadados e o Produto Interno Bruto (PIB), considerada
de nível médio a alto.
No entanto, ao observarmos comparações
internacionais, especialmente com países desenvolvidos, percebemos que ela está
longe de ser uma das mais elevadas do mundo.
Aqui, ela gira em torno de 32% do PIB. Isso é mais ou menos o mesmo nível de países da OCDE com Estado de bem-estar social moderado, como Portugal ou Espanha, e bem inferior ao de países como França, Dinamarca ou Suécia, onde a carga supera 40%.
Ou seja, não somos um dos países que mais
arrecadam impostos, mas também não integramos o grupo das economias com
tributação modesta. Um dos problemas centrais do país não é o quanto se
arrecada, mas quem paga e sobre o que incidem os tributos.
Então, quem faz o maior esforço fiscal? Os
pobres e a classe média, por meio de impostos indiretos sobre consumo e
serviços essenciais. Quem faz o menor esforço fiscal? Os
super-ricos, que são muito pouco tributados.
O resultado é um sistema em que os 10% mais
pobres chegam a comprometer mais de 32% de sua renda com tributos, enquanto o
1% mais rico, aquele mesmo que concentra cerca de metade de toda a riqueza
nacional, paga menos de 10% de sua renda em impostos.
A regressividade é tão crua que, no Brasil,
nascer pobre e na classe média significa não apenas começar atrás, mas também
financiar o próprio atraso.
Enquanto a classe média e os mais pobres
amargam a maior parte da conta, pagando impostos sobre cada litro de leite,
cada quilo de arroz e cada conta de luz, os muito ricos seguem confortavelmente
protegidos por um sistema moldado para preservar seus interesses
E, quando dizemos que pagam proporcionalmente
mais, estamos falando de esforço real, pois, o esforço fiscal não se mede
apenas em reais pagos ao Estado, mas no impacto desse pagamento sobre a vida
cotidiana.
Para um trabalhador desfavorecido que gasta
quase tudo o que ganha em produtos tributados, o imposto é um peso que afeta
suas escolhas mais básicas: comer alimentos de qualidade ou não, pegar o ônibus
ou andar a pé, comprar o remédio ou esperar a dor passar. Já para alguém do
topo da pirâmide, o imposto não tende a ter o mesmo impacto. Ele existe, mas
não limita. Não freia. Não ameaça.
Deste modo, afirmar que o brasileiro paga
muito imposto pode ser um tanto quanto enganoso. A frase passa a impressão de
que todos os brasileiros estão igualmente sobrecarregados, quando, na verdade,
a maioria paga muito, e os muito ricos pagam pouco proporcionalmente à sua
renda e patrimônio.
Dessa forma, é manipulador ignorar que o peso
recai desproporcionalmente sobre os mais pobres e a classe média. Fingir que
todos são onerados igualmente é intelectualmente desonesto e politicamente
conveniente para quem tem mais a perder. Enquanto isso, o
Estado segue arrecadando de quem consome, e não de quem acumula.
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