sábado, 5 de julho de 2025

Sociedade de massa e financismo - Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

A ação do Estado tem sido contestada pelo intenso processo de homogeneização ideológica de celebração do orçamento equilibrado

A tendência marcante do nosso tempo é a crescente submissão da política aos ditames dos mercados financeiros. Não se trata do poder dos operadores, aqueles que se empenham na busca do melhor resultado. Em suas opiniões econômicas, esses funcionários da finança exprimem os consensos impessoais que os submetem aos mandamentos da sociedade de massa. Não são agentes racionais, mas escravos das concepções que os dominam.

Em delírio subpositivista, um economista do mainstream sugeriu que as narrativas (ideologias?) não podem desmentir os fatos, como se os “fatos” da vida social não fossem inseparáveis das narrativas sobre eles. Desgraçadamente para a matilha de cães raivosos que emitem latidos na economia, os humanos formulam narrativas para configurar a “realidade”. Escravos da linguagem, os bípedes falantes estão sempre diante de uma disputa de narrativas, significados, até quando escolhem instrumentos de comprovação empírica dos fatos que pretendem narrar.

Os consensos dos mercados deploram o peso excessivo do Estado munificente e investem contra as tentativas de disciplinar as forças simultaneamente criadoras e destrutivas do capitalismo. A ação do Estado, particularmente sua prerrogativa fiscal, tem sido contestada pelo intenso processo de homogeneização ideológica de celebração do orçamento equilibrado. As massas enriquecidas contestam qualquer interferência no processo de diferenciação da riqueza e da renda.

A visão coletiva que subordina a decantada racionalidade dos servos das finanças afirma e reafirma a irracionalidade das transferências fiscais e previdenciárias, ao mesmo tempo que ordena restrições à capacidade impositiva e de endividamento do setor público. Isso porque é imperioso tornar mais livre o espaço de circulação da riqueza e da renda dos mais abonados.

A ação do Estado é vista como contraproducente pelos bem-sucedidos e integrados, mas como insuficiente pelos desmobilizados e desprotegidos. As duas percepções convergem na direção da “deslegitimação” do poder administrativo e na desvalorização da política. A resposta esperançosa às incertezas do futuro depende da capacidade de mobilização democrática e radical dos deserdados, os perdedores na liça da concorrência. Desgraçadamente, os espaços de informação e de formação da consciência política e coletiva são ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlados pela hegemonia das banalidades.

Um exemplo de procedimentos duvidosos está na ideia de superávit fiscal estrutural que trata de eliminar os efeitos do ciclo econômico nas receitas do governo. Nesse procedimento estão embutidas ideias peregrinas. Nas catacumbas do pensamento mercadista esconde-se o conceito de equilíbrio. Esse conceito dominante na teoria econômica obscurece a compreensão do capitalismo como economia monetário-financeira em permanente movimento.

Por rádio, televisão e jornal a população é “informada” que precisa se sacrificar, aceitar cortes nos gastos sociais e menos direitos e benefícios trabalhistas, ou encarar a destruição da economia, tudo em nome da ciência econômica. Diante dessa configuração, a esfera pública e democrática sucumbe descaradamente à degradação dos Parlamentos. No Brasil de 2025, o Legislativo está contaminado pela peste dos interesses abrigados nas emendas parlamentares, para não falar das vergonhas do orçamento secreto. Esses processos visíveis e simultâneos de crescente putrefação do “público” e de celebração do “privado” decorrem da sociabilidade peculiar imposta pelo movimento “invisível” da mão que guia o curso dos mercados.

Para o cidadão afetado, parece inteiramente fantástica a ideia de controlar as causas desses golpes do destino. As erráticas e aparentemente inexplicáveis convulsões das Bolsas de Valores ou as misteriosas evoluções dos preços dos ativos e das moedas são capazes de destruir suas condições de vida. Mas o consenso dominante trata de explicar que se não for assim sua vida pode piorar ainda mais.

A formação desse consenso é, em si, um método eficaz de bloquear o imaginário social, comprovação dolorosa das agruras que martirizam as criaturas da história humana. As forças impessoais adquirem dinâmicas próprias e passam a constranger a liberdade de homens e mulheres.

A boa sociedade deve tornar livres os seus integrantes, não apenas de um ponto de vista negativo, no sentido de não serem coagidos a fazer o que não fariam por espontânea vontade, mas positivamente livres, no sentido de serem capazes de fazer algo da própria liberdade. Isto significa, primordialmente, o poder de influenciar as condições da própria existência, dar um significado para o bem comum e fazer as instituições sociais funcionarem adequadamente. •

Publicado na edição n° 1369 de CartaCapital, em 09 de julho de 2025.

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