Apesar
do acerto entre Executivo e a cúpula do Congresso na semana passada para a
aprovação da PEC Emergencial, com uma cláusula de calamidade a fim de
viabilizar o auxílio emergencial, o projeto apresentado ontem ao Senado foi
desidratado e embute vários riscos. O relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC),
já pusera em circulação no final do ano passado uma proposta sem muita
capacidade de conter gastos públicos. Foi mal recebido. Em vez de se corrigir,
repetiu a dose.
O
primeiro grande risco nada tem a ver com o espírito original da PEC. Trata-se
da recriação do auxílio emergencial ao largo de todas as âncoras fiscais que
zelam pela saúde das contas públicas. No texto de Bittar, o novo auxílio fica
não apenas fora do teto de gastos, mas também à margem do cálculo da meta
fiscal e da regra de ouro (segundo a qual, o Estado não pode se endividar para
gastar em custeio). Pelas contas do Ministério da Economia, se o gasto não
passar de R$ 40 bilhões por quatro meses, poderá ser compensado pela extensão
do congelamento salarial do funcionalismo para este ano. Mas não há garantia
alguma de que o Congresso não queira ser mais generoso. Abre-se uma nova brecha
para a explosão fiscal.
Também em 2020, o Orçamento de Guerra liberou dos controles fiscais os recursos para o auxílio. Embora a medida fosse necessária e urgente para lidar com a emergência da pandemia, seu custo ficou além do que era preciso — e ampliou a já exorbitante dívida pública. No campo da bondade, sempre haverá no governo correntes “desenvolvimentistas” prontas a impulsionar a economia por meio de despesas públicas sem qualquer preocupação fiscal. É uma receita desastrosa.
No
ano passado, a liberação da ajuda a estados e municípios acertadamente implicou
o imediato congelamento dos salários do funcionalismo. Desta vez, a PEC
Emergencial estipula o veto a diversas medidas geradoras de gastos, como
contratações, promoções ou reajustes. É o princípio correto. Mas Bittar retirou
do texto o gatilho que, numa situação de grave crise fiscal, determinava corte
de 25% nos salários dos servidores com igual redução da carga horária. Embora
as demais medidas de contenção de despesas sejam desejáveis, ficam aquém do
necessário diante do descalabro fiscal que o país atravessa.
Finalmente,
numa espécie de manobra diversionista que despertou reação virulenta nos
setores afetados, Bittar incluiu na PEC a revogação dos pisos constitucionais
dos gastos em Saúde e Educação, para União, estados e municípios. É preciso
mesmo reduzir as despesas obrigatórias naquele que talvez seja o Orçamento mais
engessado do mundo. Mas abandonar o compromisso com gasto mínimo em áreas tão
estratégicas não é medida que possa ser tomada sem reflexão sobre as
consequências.
No
caso da Educação, o texto desfaz o que o próprio Congresso fez ano passado ao
aprovar o novo Fundeb, principal fonte de recursos para o ensino público
básico. Não é aceitável usar a PEC para abrigar esse enorme jabuti.
Tudo
precisa voltar ao começo, com a reposição dos gatilhos, a retirada da
desvinculação dos gastos com Educação e Saúde e um mínimo de disciplina na
criação do auxílio emergencial. Se não for assim, além do descontrole da
pandemia, o país enfrentará um aprofundamento sem limites da crise fiscal. Será
uma dupla tempestade perfeita.
Mudança fora de hora – Opinião / O Estado de S. Paulo
Em
meio a uma emergência nacional, não é boa hora para discutir a eliminação das
vinculações de verbas de educação e saúde
Educação e saúde são assuntos da máxima importância, decisivos para o desenvolvimento econômico e social, e só com muito cuidado se deve mexer em suas condições de financiamento. Em meio a uma emergência nacional, não é uma boa hora para discutir a eliminação das vinculações de verbas destinadas aos dois setores. O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC Emergencial, escolheu a ocasião e a forma erradas para propor essa mudança. Se a ideia for aprovada, União, Estados e municípios ficarão livres da obrigação de aplicar um mínimo da receita fiscal nas duas áreas. Até a existência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) poderá ser comprometida, como alertou o senador Flávio Arns (Podemos-PR).
Pela
Constituição, União, Estados e municípios devem destinar para educação e saúde
pelo menos uma determinada porcentagem de sua receita. Em educação, por
exemplo, o poder central tem de aplicar no mínimo 18% do valor dos impostos. No
caso de Estados, Distrito Federal e municípios, a parcela mínima é de 25%,
incluída no bolo a receita de transferências. Essas vinculações engessam os
orçamentos públicos e podem impedir o uso mais eficiente do dinheiro público. A
discussão sobre o assunto começou nos anos 1990, até hoje sem resultado prático,
e a ideia de eliminação desse dispositivo foi retomada pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes.
O
tema agora se misturou a uma questão de alcance imediato, a recriação do
auxílio emergencial para algumas dezenas de milhões de famílias pobres. A
mistura é oportunista, desnecessária e injustificável. Executivo e Congresso
podem explorar soluções diretamente ligadas ao desafio de curto prazo:
encontrar meios para destinar cerca de R$ 40 bilhões às famílias mais
vulneráveis sem violar o teto de gastos ou outras normas de disciplina fiscal.
Isso já foi feito em 2020. Novas possíveis soluções têm sido examinadas sem
ligação com o tema das vinculações.
Convém
levar em conta a observação prudente do economista Felipe Salto, diretor
executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado. “As
vinculações têm uma razão de ser. (…) A Constituição de 1988, que colocou isso
como prioritário, tinha o objetivo de garantir fatias do Orçamento para áreas
essenciais. Mudar isso não é trivial”, acrescentou. “É mais um ponto que vai
exigir longa discussão.”
Em
nota, prudência foi recomendada também pelo movimento Todos pela Educação: “A
desvinculação não pode ser aproveitada de forma aligeirada e oportunista. Os
recursos da educação precisam ser protegidos das pressões de curto prazo e do
populismo”. Há o risco, segundo o movimento, de uma “redução substancial” de
gastos públicos com educação.
A
indispensável discussão, ampla e de nenhum modo apressada, tem de envolver duas
perspectivas. A crítica às vinculações vem sendo feita desde os anos 90, e o
assunto foi discutido com missões técnicas do Fundo Monetário Internacional.
Despesas obrigatórias reduzem a margem de manobra do Orçamento e prejudicam a
eficiência da gestão das finanças públicas e da administração. Além disso,
prioridades podem variar de um ano para outro e também entre União, Estados e
municípios. Por fim, mas não menos importante, gastos obrigatórios podem
facilitar a corrupção.
Enfim,
é preciso levar em conta alguns dados importantes e irrefutáveis. Primeiro: a
qualidade da educação no Brasil é muito inferior à de países onde inexiste a
vinculação legal. Segundo: o País estaria em condição sanitária muito melhor,
depois de um ano de pandemia, se o governo houvesse conduzido com seriedade e
competência a política de saúde, mesmo sem verbas vinculadas.
Mas
a mera desvinculação, especialmente neste momento, será insuficiente para
produzir qualquer melhora na gestão pública. Nas condições atuais, desobrigar o
poder público de realizar certo volume de gastos em educação e saúde resultará,
quase certamente, na piora de um quadro já assustador. Melhor mesmo, neste
momento, é evitar prejuízos maiores. A hora certa acabará chegando.
A tragédia oculta – Opinião / O Estado de S. Paulo
Vírus
avança por pequenas e médias cidades e leva sistemas de saúde ao colapso
Médicos de pequenas e médias cidades do País estão tendo de tomar uma das mais dramáticas decisões no exercício da profissão: escolher quem receberá socorro nos hospitais e quem não será atendido. O aumento descontrolado dos casos de covid-19 tem levado ao colapso o sistema de saúde desses municípios. Em muitos casos, os profissionais de saúde, na verdade, devem decidir quem vive e quem morre.
Não
se chega a um estado de calamidade como esse sem uma inacreditável sucessão de
erros. A situação do Brasil é a pior possível. Contribuíram para este resultado
o descaso e a incompetência do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da
Saúde, Eduardo Pazuello, a disseminação descontrolada de uma nova cepa do
coronavírus identificada em Manaus, a variante P.1, potencialmente mais
contagiosa, e o comportamento descuidado de muitos cidadãos que, seguindo o mau
exemplo do presidente Bolsonaro, insistem em menosprezar as medidas de proteção
preconizadas pelas autoridades sanitárias.
O
aumento expressivo dos casos que necessitam de internação tem provocado filas
de espera por vagas de UTI nos pequenos e médios municípios do interior e uma
“corrida” das equipes médicas para dar alta aos pacientes muito graves, não porque
estes se recuperam, mas para liberar seus leitos para que pacientes gravíssimos
sejam atendidos.
A
situação desesperadora foi relatada ao Estado por médicos,
secretários municipais de Saúde, pacientes e familiares. Em Uberlândia, no
Triângulo Mineiro, pacientes de covid-19 ocupam 95% dos leitos de UTI da
cidade. Em Monte Carmelo, também em Minas Gerais, há mais de um mês todos os 16
leitos de UTI da cidade são ocupados por pacientes com o novo coronavírus. O
prefeito Paulo Rocha (PSD) chegou a publicar vídeos nas redes sociais pedindo
doação de cilindros de oxigênio para o Hospital Alberto Nogueira, o único a
tratar da covid-19.
Em
Maringá, no Paraná, a ocupação dos leitos de UTI do Hospital Universitário,
referência na região, está em 100% há semanas seguidas. “Antes da pandemia,
tínhamos 8 leitos de UTI. Abrimos 20 novos leitos. Para um hospital do nosso
porte, o aumento é absurdo. A linha entre a superlotação e o colapso é muito
tênue”, disse Edvaldo Vieira de Campos, coordenador da UTI da unidade.
Cidades
do interior de São Paulo, o Estado mais rico da Federação e, portanto, o mais
capacitado para dar combate à pandemia, também vivem a agonia da falta de
leitos. Na segunda-feira passada, o Estado atingiu o pico de internações desde
o início da pandemia. Em Araraquara, que há dias consecutivos registra novos
casos da variante P.1, as UTIs estão lotadas. A prefeitura decretou lockdown.
Em Jaú, onde a variante brasileira também já circula sem controle, a capacidade
de atendimento está bem aquém da demanda.
Esses
são apenas alguns poucos exemplos que vieram a público. O Brasil tem 5.570
municípios. Não é improvável que, sem receber a mesma atenção dada às grandes
cidades do País, muitos pequenos e médios municípios estejam vivendo uma
tragédia oculta.
O
Ministério da Saúde tem o dever de mapear a situação dos sistemas de saúde em
todo o País e coordenar os esforços para que cada um deles esteja apto a
prestar atendimento a todos os que a eles acorram. Deve providenciar leitos
onde eles estão faltando. Garantir o suprimento de oxigênio para que não se
repita o horror dos manauaras. Comprar insumos e medicamentos para que não
faltem nos hospitais e postos de saúde. E, sem mais delongas, trabalhar para
trazer ao Brasil vacinas em quantidade necessária para imunizar toda a
população. A solução para o flagelo da covid-19 é a vacina.
Países
que foram previdentes no planejamento da vacinação de seus cidadãos já observam
queda no número de casos graves, internações e mortes, além de experimentar o
início de uma recuperação da atividade econômica. Já os brasileiros têm de
lidar com a angústia de não só não saber quando serão vacinados, como também
não ter a certeza de que encontrarão uma vaga em hospital caso necessitem –
situação especialmente grave em cidades que mal têm estrutura de atendimento e
que padecem longe dos holofotes.
A ascensão do comércio com a China – Opinião / O Estado de S. Paulo
É
preciso diversificar a pauta de exportações e qualificar os canais diplomáticos
Na pandemia, as vendas para a China deram um salto, passando de cerca de 1/4 para 1/3 do total de exportações do Brasil. Com a reaceleração da economia chinesa essa tendência deve se acentuar, mas, para que ela seja otimizada em todo o seu potencial, o Brasil precisa se preparar para diversificar suas vendas além das commodities e requalificar as suas relações diplomáticas.
Há
20 anos a China não figurava sequer entre os dez maiores parceiros comerciais
do Brasil, respondendo por 2% das exportações nacionais, enquanto os EUA,
principal parceiro à época, respondiam por 24%. Já em 2004, a China saltou para
a quarta posição, e em 2009, com a crise financeira global, assumiu o primeiro
lugar, onde se mantém e se manterá num futuro previsível. Na última década, o
Brasil acumulou mais de US$ 170 bilhões de superávit com a China – 48% do saldo
positivo com todo o mundo.
Entre
2019 e 2020, enquanto o total de exportações brasileiras caiu de US$ 225,4
bilhões para US$ 209,9 bilhões e as vendas para os EUA caíram de US$ 29,7
bilhões para 21,5 bilhões (27,6%), as vendas aos chineses subiram de US$ 63,4
bilhões para US$ 67,8 bilhões (7%), respondendo por inéditos 66% do superávit
comercial.
Em
2021, o apetite chinês pelas commodities brasileiras deve crescer. A economia
da China, que em 2020 foi uma das poucas a crescer (2%), deve se expandir entre
8% e 9% em 2021. Sete dos dez principais produtos de exportação em 2020 foram
destinados à China: além da soja, ferro e petróleo – somando 74% das vendas
para os chineses –, destacaram-se açúcar, celulose e especialmente a carne, por
causa da peste suína.
“Vivemos
um incipiente processo de diversificação da pauta nas exportações do
agronegócio para a China”, disse em artigo para o Estado a
diretora do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Claudia Trevisan. “Essa
tendência deve se acentuar com a esperada elevação do grau de urbanização e da
renda per capita do país.”
Toda
essa expansão, no entanto, se deu não em razão da diplomacia do governo de Jair
Bolsonaro, mas apesar dela. “O governo brasileiro, nas suas manifestações
públicas, tem apresentado algumas disfuncionalidades. São manifestações que
exprimem posições pessoais”, disse o ex-embaixador em Pequim e presidente do
CEBC, Luiz Augusto de Castro Neves. Segundo Roberto Abdenur, também
ex-embaixador na China, “nos dois anos de Bolsonaro o Brasil não teve, a rigor,
uma política externa”, mas sim “uma destruição da diplomacia”. Para o
diplomata, “as coisas de que falam o chanceler Ernesto Araújo e os assessores
da ala ideológica são devaneios, uma nuvem de teorias da conspiração”.
Nada
disso deveria implicar aquiescência com os abusos do despotismo chinês. Mas há
o momento e os fóruns adequados para se pronunciar a esse respeito. Com o
governo de Joe Biden nos Estados Unidos, espera-se um revigoramento dos
concertos multilaterais entre as nações democráticas para conter esses
desmandos. Mas será forçoso distinguir entre interesses econômicos comuns e
divergências político-ideológicas. No Itamaraty do sr. Araújo, contudo, impera
o pior dos mundos: suas declarações impertinentes não contribuem nem para
mitigar os abusos do regime chinês nem para fortalecer as relações econômicas
com o país.
Felizmente,
por parte da China tem prevalecido o pragmatismo. De resto, forçado pelas
circunstâncias – notadamente o fim da presidência de Donald Trump nos Estados
Unidos e o fornecimento da Coronavac, praticamente a única opção do Brasil hoje
para promover a vacinação em massa –, o governo tem feito acenos positivos à
China. “Mas é fato”, disse Castro Neves, “que o papel do Ministério das
Relações Exteriores se tornou secundário.” A negociação para as vacinas, por
exemplo, além dos esforços do governo de São Paulo, contou com a participação
do ex-presidente Michel Temer e de representantes sensatos do governo federal,
como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
“Hoje,
Estados e empresas privadas têm seus próprios canais de conexão com o mundo”,
constatou Neves. Ante um Itamaraty contraproducente, estimular esses canais
deve estar na ordem do dia das autoridades políticas e empresariais.
De certo, só o auxílio – Opinião / Folha de S. Paulo
Correta,
PEC que viabiliza volta do benefício não dá segurança quanto a ajustes
Veio
à luz, enfim, o texto da proposta de emenda constitucional destinada a
viabilizar a renovação do auxílio emergencial durante a pandemia. A nova PEC,
embora apresente dispositivos meritórios, ainda suscita mais dúvidas do que
traz segurança ao processo.
O
caminho correto para a necessária volta do benefício seria, como
advogou esta Folha,
estabelecer suas normas e valores durante a análise do projeto de Orçamento
deste ano —vergonhosamente ainda não aprovado pelo Congresso.
Desse
modo, a nova despesa ficaria adequada aos limites da capacidade do Tesouro
Nacional, com cortes correspondentes de desembolsos em outras áreas.
Em
vez disso, prevaleceram o imediatismo político e a índole acomodatícia das
forças que hoje dão as cartas no Legislativo, com o beneplácito do governo Jair
Bolsonaro. Dado o desinteresse em ajustes orçamentários reais e imediatos,
achou-se um arranjo que os mantêm num plano um tanto abstrato.
A
PEC permite que os pagamentos da nova versão do auxílio emergencial não estejam
submetidos ao
teto dos gastos federais nem à meta fiscal do ano —que já fixa déficit
descomunal de R$ 247 bilhões, sem contar encargos com juros.
Não
se sabe quanto custará o benefício, qual será sua duração, quem o receberá.
Tudo isso se definirá por medida provisória. De certo, pode-se afirmar que a MP
será aprovada com folga e que o programa resultará em aumento da já explosiva
dívida pública.
Para
o reequilíbrio futuro das finanças públicas, a providência mais palpável é a
instituição de medidas automáticas de ajuste para quando as despesas
obrigatórias (com Previdência e pessoal, principalmente) passarem de 95% da
despesa não financeira total.
Ficou
fora do texto a permissão para o corte de jornadas de trabalho e salários do
funcionalismo, proposta do governo que o próprio relator da PEC havia
considerado correta e constitucional. Tal providência permitiria redução
efetiva e virtuosa de desembolsos.
A
proposta prevê o fim dos limites mínimos para os dispêndios em saúde e
educação, mas o dispositivo já
se encontra sob ataque político e suas chances de aprovação parecem
remotas. Tampouco convém apostar na norma que determina o corte de subsídios
tributários, em plano a ser apresentado pelo presidente da República.
Com
outros artigos voltados à gestão pública, a PEC não deixaria de representar um
avanço se aprovada ao menos parcialmente. Está longe, porém, de assegurar um
manejo prudente do Orçamento, em tempos de calamidade ou não —ainda mais diante
das mostras recentes do oportunismo eleitoreiro e irracional de Bolsonaro.
Dilema equatoriano – Opinião / Folha de S. Paulo
Com
nomes definidos no 2º turno, país lida com demanda social e crise fiscal
Decorridas
duas semanas desde o primeiro turno das eleições presidenciais do Equador,
afinal foram conhecidos os postulantes
que se enfrentarão na rodada definitiva a ser realizada em 11 de
abril.
No
domingo (21), após uma apuração marcada por recontagens, impugnações e
acusações de fraude, o órgão eleitoral do país anunciou que o candidato de
centro-direita Guillermo Lasso superou, por margem minúscula, o líder indígena
Yaku Pérez e, portanto, disputará o segundo turno contra o esquerdista Andrés
Arauz.
Para
além das diferenças ideológicas, os dois candidatos se distinguem por suas
posições ante o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), que ainda exerce
grande influência na política do país, mesmo vivendo na Bélgica desde 2017.
Favorecido
pelo aumento dos preços de exportação de commodities, Correa colheu bons
resultados na economia, que cresceu em média 3,3% durante seus anos no poder.
Com as verbas extras, promoveu uma série de reformas sociais, como a ampliação
das políticas de redistribuição de renda e a construção de escolas, estradas e
moradias subsidiadas.
Ao
mesmo tempo, escancarou a face autoritária, avançando contra a imprensa e
adversários políticos, além de ver-se envolvido em escândalos de corrupção. Em
2020, foi condenado a oito anos de prisão por favorecimento a empresas, entre
elas a brasileira Odebrecht, em troca de recursos para seu partido.
Depois
de tentar, e não conseguir, ser vice na chapa de Arauz, Correa assumiu o papel
de seu padrinho político —suficiente para alavancar um nome até então pouco
conhecido do público.
Entre
as promessas do candidato constam, como seria de esperar, o retorno das
políticas de redistribuição de renda e alto gasto público, bem como um auxílio
de US$ 1.000 aos mais de 1 milhão de equatorianos desempregados.
Já
o antagonista do ex-presidente, Lasso, embora defenda políticas de
austeridade, também
anunciou bônus e moradias para os afligidos pela calamidade sanitária,
além de comprometer-se com a criação de 1 milhão de postos de trabalho.
Desafiador
será coadunar as demandas por seguridade social, agravadas pela crise, com a difícil
situação fiscal do país, que acumula queda de cerca de 10% no PIB em 2020 e
endividamento crescente —dilema que, em maior ou menor proporção, também se
coloca para os demais latino-americanos.
PEC deixa de lado servidores e mira educação e saúde – Opinião / Valor Econômico
PEC
busca se desviar da rota de colisão com os lobbies corporativos dos
funcionários públicos
A
PEC emergencial que chega para o voto do Senado amanhã abre o caminho para a
sustentação do teto de gastos, com gatilhos para deslanchar medidas de
reequilíbrio, e com a criação de um estado de calamidade nacional, com medidas
para evitar o aprofundamento de crises fiscais. Não há uma mudança de qualidade
clara entre o esforço que União, Estados e municípios terão de realizar em uma
situação normal de aperto fiscal - que se prolonga por seis anos - e a de
calamidade, exceto o grau de liberdade concedido ao Executivo para esquecer por
algum tempo o teto de gastos. O relator Márcio Bittar (MDB-AC) resolveu
eliminar o piso obrigatório de gastos com saúde e educação, que afetam a
maioria dos brasileiros. Corte de salários proporcionais ao corte de jornada do
funcionalismo foi deixado de lado, talvez por ser politicamente inviável.
No
curto prazo, pouca coisa deve mudar. O auxílio passará ao largo da PEC como
crédito extraordinário - ainda sem montante - e do teto de gastos e não afetará
a meta de déficit fiscal, de R$ 247 bilhões, de um Orçamento ainda não votado.
O espaço para mais gastos poderá ser aberto, inacreditavelmente, com a
desvinculação dos recursos destinados à saúde e educação. É uma saída muito
polêmica e um desvio inaceitável.
A
sensibilidade social do governo se mostrou mais uma vez pelas sucessivas
tentativas de arrumar dinheiro (pouco) dentro do teto para o novo auxílio. Foi
proposta a desindexação das aposentadorias acima de um salário mínimo. Na
versão mais recente, cogitou-se retirar a obrigatoriedade de correção do
salário mínimo, assim como a do seguro-desemprego e de outros benefícios
sociais. Essas ideias foram ficando, felizmente, pelo caminho.
O
caminho da PEC busca se desviar da rota de colisão com os lobbies corporativos
dos funcionários públicos, uma minoria bem remunerada e protegida em relação à
imensa maioria dos brasileiros. A folha de pagamentos da União é sua segunda
maior despesa - R$ 363,4 bilhões previstos para 2021. O governo não pretende, e
o Centrão não quer, mexer nesse setor. Apesar do congelamento do salário dos
servidores neste ano, os militares receberão aumentos. A possibilidade de corte
de até 25% com redução de jornada é crucial, mas foi abandonada. O relator
Márcio Bittar assinalou corretamente em seu parecer: “A redução de remuneração
com redução da jornada constitui, dentre as medidas previstas, a única
efetivamente capaz de acarretar uma diminuição da despesa com pessoal. As
demais somente poderão evitar que ela continue a crescer”. A proposta foi
desprezada.
A
primeira fonte de despesas da União, a Previdência, já foi objeto de uma
reforma que começa a dar frutos. Mesmo assim, o governo tentou atingir as
aposentadorias via congelamento do salário mínimo, provando uma distribuição de
renda ao reverso - a cada 0,1% adicional do INPC, são cerca de R$ 700 milhões
de economia com a Previdência. Mas a “maldade” atingiria todos os trabalhadores
que ganham o mínimo, quando mal há emprego.
O
relator optou pela mudança nos recursos na saúde e educação, com apoio do novo
presidente da Câmara, Arthur Lira. Eles consomem R$ 219,4 bilhões (Orçamento de
2021), muito menos que as despesas com funcionalismo. Não se trata só de
números, porém. É inacreditável que durante uma pandemia mortal a correção de
gastos de um Estado paquidérmico recaia sobre saúde. A covid-19, além disso,
atrasou a instrução de todos em um ano e esse tempo perdido que precisa ser
recuperado, principalmente nas escolas públicas - com menos recursos, se a PEC
for aprovada. Antes, o governo sugeriu segurar o aumento de verbas ao Fundeb.
A
discussão das vinculações são complexas e já deveriam ter sido enfrentadas pelo
Congresso, mas não deveriam entrar de afogadilho em uma PEC Emergencial que
está no Congresso desde 2019 e que foi desfigurada. Pior, para fazer a
desvinculação, a PEC muda o capítulo dos direitos sociais - moradia, trabalho,
saúde, educação etc - acrescentando um parágrafo: em sua promoção, “deve ser
observado o equilíbrio fiscal intergeracional”. Com uma penada vai-se parte
importante da Constituição de 1988. Essa discussão é crucial, as opções em país
pobre como o Brasil são exíguas, mas este é outro tema importante demais para
ser deixado nas mãos do governo Bolsonaro e dos arrivistas do Centrão.
Pelo desejo dos líderes do Congresso, a aprovação da PEC no Senado bastará para que uma MP deslanche o pagamento do auxílio. Pelas ambições iniciais e pelo resultado final, a montanha governista pariu um rato bem feio.
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