terça-feira, 10 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O prestígio e o papel das Forças Armadas

O Estado de S. Paulo

É grave erro usar o prestígio dessa instituição para fins incompatíveis com suas atribuições constitucionais. Militares devem estar distantes da política e de assuntos eleitorais

As Forças Armadas têm prestígio junto à população. Trata-se de um fato bem conhecido. Esse prestígio foi conquistado e é preservado, entre outras causas, pela exemplar lealdade da Marinha, do Exército e da Aeronáutica à Constituição de 1988 e aos princípios republicanos, com a estrita obediência às suas atribuições constitucionais, bem longe da política. É de justiça reconhecer: depois da redemocratização do País, as Forças Armadas entenderam o seu papel dentro da organização de um Estado Democrático de Direito. Não são guarda pretoriana, tampouco poder moderador. Destinam-se, assim o estabelece a Constituição de 1988, “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Por óbvio, é muito bom – muito saudável institucionalmente – que a população confie nas Forças Armadas. O prestígio dos militares é um bem para o País e merece ser zelosamente preservado. No entanto, deve-se advertir que há quem queira usar o prestígio das Forças Armadas para outros fins não previstos na Constituição, o que representa um perigoso desvio da função militar. 

O caso mais grave é o bolsonarismo, que tenta continuamente se identificar com as Forças Armadas, identificação esta que é rigorosamente inconstitucional. As Forças Armadas não têm orientação político-partidária, e menos ainda são um grupo político. No entanto, com frequência, Jair Bolsonaro refere-se às Forças Armadas com um “nós”, como se fossem uma só coisa. Entre outros danos, expressar-se assim é descarada manobra para atrair a si a confiança que a população deposita nos militares.

Além da inconstitucionalidade, há uma notória contradição nessa atitude de Jair Bolsonaro. Ele quer os louros políticos da imagem pública das Forças Armadas, mas nunca se dispôs a cumprir o que fundamenta o prestígio da instituição militar: a disciplina, a hierarquia e a obediência à lei. Como se sabe, Jair Bolsonaro foi um mau militar.

Para piorar, nos últimos meses, Jair Bolsonaro tem tentado envolver as Forças Armadas em seus devaneios golpistas, em especial na campanha para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. No fim do mês passado, em ato público no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro defendeu a contagem paralela de votos pelas Forças Armadas, o que é uma aberração institucional. Não cabe às Forças Armadas a função de revisor da votação.

A inusitada tentativa do Palácio do Planalto de envolver as Forças Armadas em assuntos eleitorais remete, por sua vez, à iniciativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de convidar, em agosto do ano passado, o Ministério da Defesa para participar, com um representante, da Comissão Externa de Transparência da Justiça Eleitoral. O convite foi um modo de o TSE aproveitar o prestígio das Forças Armadas para fortalecer a confiança da população no sistema eleitoral, que na época estava sendo ostensivamente atacado pelo bolsonarismo. O motivo da Justiça Eleitoral era justo e necessário, mas os meios, não. Não é papel dos militares atuar nesse tipo de matéria, de natureza essencialmente civil.

O equívoco do TSE ficou ainda mais em evidência quando, meses depois, as Forças Armadas decidiram não participar de um teste público de segurança da urna eletrônica. De fato, não tinham de participar, mas a recusa desvelou a insensatez de toda a situação: as Forças Armadas estavam sendo colocadas no papel de garantidoras da lisura das eleições. Mais recentemente, soube-se que, ao longo dos últimos meses, os militares enviaram dezenas de questionamentos sobre supostos riscos das urnas, que foram devidamente respondidos pelo TSE.

Se tudo o que veio à tona corrobora o bom trabalho da Justiça Eleitoral, provendo um sistema de votação confiável, há nessa história um importante aprendizado. As Forças Armadas devem estar apenas em suas funções constitucionais. Não há motivo, por mais nobre que seja, a justificar exceções. Para o bem do País e das Forças Armadas, para que possam continuar desfrutando de seu merecido prestígio.

Inflação acelerada, crescimento travado

O Estado de S. Paulo

A acelerada alta de preços torna difícil planejar os negócios, ampliar e modernizar a produção, manter o volume de vendas e atender às demandas salariais dos empregados

Desastrosa para as famílias, forçadas a gastar cada vez mais para sobreviver, a inflação elevada é também um desafio para a atividade empresarial e um freio ao crescimento econômico. A acelerada alta de preços torna difícil planejar os negócios, ampliar e modernizar a produção, manter o volume de vendas e atender às demandas salariais dos empregados. Além de comprometer o bem-estar dos consumidores, principalmente dos mais pobres, a insegurança inflacionária corrói o potencial produtivo, entrava a prosperidade e reduz o emprego – problemas apontados em reportagem do Estadão nesta segunda-feira e raramente lembrados em Brasília, capital da gastança, do orçamento secreto e dos desmandos eleitoreiros.

“Tem sido complicado acertar as previsões”, disse a respeito dos custos um executivo citado na reportagem. “Todas as matérias-primas subiram muito nos últimos meses. (…) Com a redução de margens e o resultado abaixo do esperado, vimos que o investimento que gostaríamos de fazer vai ter de esperar”, comentou outro dirigente. Alguns dos maiores desafios estão retratados, numericamente, no Índice Geral de Preços (IGP) elaborado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Os preços por atacado subiram 7,69% nos primeiros quatro meses deste ano e 14,52% nos 12 meses até abril. Nesse período, os produtos de origem agropecuária encareceram 14,94%. Os de origem industrial, 14,35%.

No setor imobiliário, antecipar as compras de materiais tem sido uma forma de contornar os aumentos de preços, segundo empresário mencionado pelo jornal. Também nessa área o impulso inflacionário tem sido forte. Nos 12 meses terminados em abril, materiais de construção, equipamentos e serviços encareceram 14,94%, de acordo com a FGV. O custo da mão de obra, nesse período, subiu 8,02%.

Parte da inflação é importada. Preços de matérias-primas e de bens intermediários têm subido, no mercado internacional, desde 2020, período da grande onda de pandemia de covid-19. O enfrentamento do coronavírus produziu, como efeito secundário, um amplo desarranjo nas cadeias produtivas e nos sistemas de transportes dessas mercadorias. O quadro poderia ter melhorado neste ano, mas o suprimento de produtos importantes foi desarranjado, de novo, depois da invasão da Ucrânia ordenada pelo presidente russo, Vladimir Putin.

No Brasil, fatores internos complicaram os desajustes de custos e de preços finais. Já havia pressões inflacionárias de origem doméstica e, além disso, a instabilidade cambial ampliou os efeitos das cotações em alta no mercado internacional. O dólar chegou a recuar durante algum tempo, neste ano, mas com repiques de alta em vários momentos.

A insegurança cambial tem sido alimentada em parte por fatores externos, como a guerra na Ucrânia e a alta de juros nos Estados Unidos. Mas incertezas internas também afetam, e muito fortemente, as decisões de investidores capazes de movimentar, com rapidez, bilhões de dólares.

As incertezas internas estão associadas principalmente a decisões tomadas em Brasília. Exportações do agronegócio e da mineração continuam garantindo robustos superávits comerciais. O volume de reservas cambiais pouco tem oscilado, de um mês para outro, e as contas externas permanecem seguras. Mas a ação dos investidores no dia a dia afeta o câmbio e, de forma indireta, os preços internos, elevando o custo de vida dos brasileiros e inflando os custos de produção.

Os sustos dos investidores são atribuíveis principalmente a palavras e ações do presidente Jair Bolsonaro, mais dedicado a seus objetivos eleitorais do que aos interesses e às necessidades do País. São explicáveis também por desmandos praticados no Congresso, quase sempre em colaboração com o gabinete presidencial. Sem ser intencional, a mensagem resultante dessa colaboração é com frequência um desestímulo à manutenção de dólares no Brasil. Enquanto a insegurança permanece, a inflação se prolonga, o investimento produtivo fica emperrado e a economia derrapa, sem acompanhar os avanços externos e sem gerar empregos e bem-estar.

Sob Bolsonaro, exceção vira regra

O Estado de S. Paulo

Presidente subverte espírito da Lei de Acesso à Informação ao ocultar o que deveria ser naturalmente público

O bolsonarismo, ao trilhar seu caminho rumo ao Palácio do Planalto, apresentou-se ao eleitor como anteparo à apropriação do Estado brasileiro pelos governos do PT. Desde a mobilização a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff e, depois, na campanha eleitoral de 2018, a retórica bolsonarista nunca mediu palavras, gestos ou memes para atacar a instrumentalização do poder. Pelos outros, claro.

Mal Bolsonaro tomou posse, o País constatou, com pesar, que o método bolsonarista de governo não só repetia práticas outrora condenadas, como também era desprovido de pudor para fazer o que fosse necessário a fim de resguardar o presidente e sua família de investigações indesejadas − que o digam as recorrentes interferências na Polícia Federal e em órgãos de controle e fiscalização. 

Neste mês, o balanço dos dez primeiros anos de vigência da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra que o atual governo parece não saber operar fora das sombras. Sistematicamente, não hesita em rejeitar solicitações encaminhadas aos órgãos do governo por meio da LAI, alegando questões de sigilo. 

Conforme revelou o Estadão, essa foi a justificativa apresentada pelo governo Bolsonaro para que nada menos que 26,5% dos pedidos de acesso fossem negados nos três primeiros anos de mandato. O índice bolsonarista de “não transparência” é quase o dobro da média no governo Dilma (13,8%), quando a lei entrou em vigor, e quatro pontos porcentuais maior do registrado no governo do ex-presidente Michel Temer (22,4%).

Avanço democrático similar a práticas adotadas em países desenvolvidos, a LAI parte de um princípio muito simples: o Estado não pertence a grupos nem a ninguém em particular. Se os recursos do poder público saem do bolso dos contribuintes, nada mais natural que a sociedade tenha acesso às informações referentes à gestão pública. 

A LAI inverte a lógica por trás da divulgação das ações de governo, estabelecendo que, em princípio, tudo é público, exceto o que, por motivos devidamente justificados, não possa ser do conhecimento de todos em determinado período. Para isso, define regras e prazos: informações declaradas como “reservadas” podem ser mantidas em sigilo por 5 anos; “secretas”, por 15 anos; e “ultrassecretas”, por 25 anos.

Há ainda a prerrogativa de que informações de caráter pessoal das autoridades públicas não sejam divulgadas pelo prazo de cem anos. Foi com base nesse expediente, por exemplo, que a Presidência se recusou a liberar o cartão de vacinação de Bolsonaro em meio à pandemia de covid-19, em mais uma demonstração de como esse expediente tem se banalizado. Além disso, o governo decretou sigilo sobre as dezenas de visitas ao Palácio do Planalto de pastores envolvidos em escândalo no Ministério da Educação, bem como sobre as visitas dos filhos de Bolsonaro à sede do governo – sempre sob a alegação de segurança pessoal do presidente.

Ora, ninguém há de se surpreender com a prática bolsonarista de operar nas sombras e de afrontar princípios republicanos. A esta altura, não é necessário esperar um século para saber o que Bolsonaro tem tanto a esconder.

TSE precisa coibir campanha antecipada

O Globo

A campanha eleitoral para a eleição de outubro começa oficialmente só no dia 16 de agosto. Na prática, já começou faz tempo, ainda que se mova nas brechas da lei e no vácuo da leniência das autoridades. Comícios, discursos, eventos públicos, propaganda partidária nos veículos de comunicação, pronunciamentos oficiais, apresentação de slogans e programas invadem o dia a dia dos brasileiros. Ao menos nisso, políticos de todas as tendências, ligados ao governo ou à oposição, estão no mesmo palanque.

O presidente Jair Bolsonaro já nem disfarça o comportamento voltado para a campanha à reeleição. No dia 27 de março, participou de um estridente comício em Brasília. Não fez referências explícitas à candidatura, mas nem precisava. “Se é para defender a democracia, a liberdade, eu tomarei a decisão contra quem quer que seja”, disse na ocasião. Afirmou ainda que a eleição de outubro não é a luta da esquerda contra a direita, mas “do bem contra o mal”. Em 15 de abril, liderou um passeio de motocicletas que reuniu milhares de apoiadores num trajeto entre a capital paulista e o município de Americana.

Curioso é que o PT acusou Bolsonaro de fazer campanha antecipada. Mas Lula age da mesma forma. Aparece em inserções comerciais na TV, faz discursos inflamados como candidato e participa de comícios e atos públicos. Que nome se dá ao evento em São Paulo onde foi oficializada a pré-candidatura de Lula à Presidência com Geraldo Alckmin como vice? É campanha, óbvio.

Esse comportamento não se restringe aos pré-candidatos que lideram as pesquisas de opinião. Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB) e os demais também estão mergulhados na campanha. É frequente o uso da máquina pública e dos recursos oficiais a que têm direito. Para a violação da lei eleitoral não dar na vista, por vezes a propaganda é disfarçada.

No domingo, Dia das Mães, a atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Britto, e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, convocaram cadeia nacional de rádio e TV para saudar a data e exaltar os feitos do governo em relação às mulheres. Ficou evidente a irrelevância do pronunciamento de três minutos e meio. “Por conhecer os desafios da maternidade, temos o compromisso de cuidar das mães de nosso país”, disse Michelle, vista pela campanha de Bolsonaro como antídoto para neutralizar a rejeição do presidente no eleitorado feminino.

Foi o sétimo pronunciamento de um ministro de Bolsonaro em cadeia de rádio e TV neste ano. Na grande maioria, o objetivo é tão somente divulgar as ações do governo para fazer campanha. Depois dos discursos de exaltação, vários saíram para concorrer a cargos nas eleições de outubro. A requisição de rede nacional deveria ser feita apenas em situações em que os pronunciamentos fossem relevantes para a população, e não para prestar contas ou promover indiretamente o presidente.

Diante de problemas graves como a disseminação de desinformação e os inaceitáveis ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e à lisura das eleições, a campanha antecipada parece problema menor. Mas não é. Se os políticos querem estender o prazo da propaganda, que mudem a lei. O tema merece mais atenção do Tribunal Superior Eleitoral. Mesmo porque a campanha antecipada de nada serve para ajudar os eleitores a decidir. É farta em ataques a adversários e escassa em propostas para resolver os problemas do país.

Congresso deveria regulamentar greves do funcionalismo público

O Globo

O movimento grevista do funcionalismo da União — cujos salários ficaram congelados durante a pandemia — tem crescido a ponto de se tornar fato político em ano eleitoral. O maior interessado em atender os servidores é o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição. Mas a falta de recursos no Orçamento e de regulamentação específica para greves no setor público, por omissão do Congresso, torna tudo mais difícil.

O próprio Bolsonaro ajudou a fomentar as greves ao reservar no Orçamento R$ 1,7 bilhão apenas para reajustes na área de segurança, uma de suas bases eleitorais. Causou irritação nas demais categorias, teve de recuar no plano populista de beneficiar um segmento da máquina pública e, numa tentativa canhestra de contornar a situação, ofereceu aumento linear de 5% a todos, quando a reivindicação dos servidores está entre 20% e 30%.

Acossado, Bolsonaro encenou no cercadinho para sua claque no Palácio da Alvorada um telefonema ao ministro da Justiça, Anderson Torres, pedindo que encontre uma maneira de aumentar para 2 mil as vagas em dois concursos, para a Polícia Federal e para a Polícia Rodoviária Federal. O gesto, claro, nada fez para melhorar o humor do funcionalismo, que continua a organizar manifestações em Brasília.

Os 5% de reajuste representam um gasto adicional de R$ 7,9 bilhões neste ano, dinheiro que precisaria vir de cortes em outras despesas. É certo que o Centrão não permitirá que Bolsonaro mexa nos R$ 16,5 bilhões do orçamento secreto. O funcionalismo se aproveita da falta de legislação específica para regular greves no serviço público e as usa como forma de pressão.

Em 2007, o julgamento de um mandado de injunção encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Pará estabeleceu que, para compensar a “omissão legislativa”, os movimentos sindicais do funcionalismo seriam balizados pela Lei de Greve de 1989, que restabeleceu esse direito depois da ditadura. A decisão do STF, embora necessária, acomodou ainda mais o Congresso diante do vácuo legal. Dos vários projetos para regulamentar greves dos servidores, nenhum foi aprovado.

A omissão interessa aos sindicatos do funcionalismo, que têm promovido greves a seu bel-prazer. O Artigo 9º da Constituição afirma que uma lei definirá os serviços ou atividades essenciais e “disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. Enquanto não houver tal lei, o funcionalismo público não precisa manter serviços essenciais em funcionamento. Prefere negociar durante a greve, quando a população está desassistida.

Um remendo de 2019 na própria Lei de Greve incluiu como atividade essencial o médico perito da Previdência. Pois a categoria está há mais de 40 dias de braços cruzados, enquanto cresce na porta do INSS a fila de mais de 1 milhão de segurados. Se houvesse a lei baseada na Carta, o segurado teria mais poder diante das corporações sindicais do setor público. Nada melhorará sem mudança de atitude do Congresso.

Pela sexta vez

Folha de S. Paulo

Lula exibe abertura política na união com Alckmin e discurso econômico arcaico

Pela sexta vez nas nove corridas eleitorais para a Presidência sob a Constituição de 1988, o PT indicará como candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Seu discurso de sábado (7), no lançamento da chapa, mostra que o líder petista evoluiu em alguns aspectos, embora não em outros, ao longo desses 33 anos.

Com as três derrotas de 1989 a 1998, e com as duas vitórias subsequentes, aprendeu a tomar distância relativa de algumas vicissitudes ideológicas que uma vertente da esquerda brasileira até hoje carrega como herança da Guerra Fria.

A abertura para forças de outras extrações e a modernização que redundaram desse processo contribuíram para o triunfo eleitoral de 2002 e, sobretudo, para a gestão moderadamente reformista do mandato inicial. O pacto com Geraldo Alckmin (PSB), político de origem conservadora por décadas rival do PT, sugere que esse aprendizado não foi de todo esquecido.

O Bolsa Família —resultado de outra derrota imposta por Lula no primeiro governo à ala dogmática, que tachava o programa de "neoliberal"— também foi lembrado no discurso deste fim de semana.

Falar às necessidades da parcela mais pobre da população, altamente representada no eleitorado, parece a estratégia mais forte do ex-presidente num contexto de aceleração inflacionária e desemprego.

Menções à agenda da inclusão e do desenvolvimento sustentável, desprezada por incompetência e negligência ideologicamente motivada no governo Jair Bolsonaro (PL), abrangeram educação, saúde, infraestrutura e meio ambiente.

Os bolores de ideias obsoletas, no entanto, não foram totalmente varridos do repertório do chefe petista. Eles se acumulam nas propostas para a economia e na confusão de desenvolvimento econômico com intervencionismo estatal.

Após o desastre na renda e no emprego e o descalabro de corrupção causados pela implantação desse receituário durante o seu segundo governo e os de Dilma Rousseff, Lula insiste em defender o fortalecimento de estatais em mercados como os de energia e o financeiro.

Nesse terreno, as afirmações do pré-candidato petista atual não se distinguem do que ele pregava antes da queda do Muro de Berlim. A diferença é que agora não se trata mais de falas abstratas, vindas de um político que jamais experimentou a tarefa de governar e portanto poderia abusar das bravatas.

Advogar o fortalecimento do intervencionismo econômico, no Brasil concreto, é cevar lobbies bem posicionados que parasitam o erário. Lula não entendeu, e isso preocupa, que o avanço da agenda social inclusiva que corretamente defende depende de fazer-se o inverso —afastar os caçadores de renda da esfera das decisões estatais.

Prevenir a obesidade

Folha de S. Paulo

País deve mirar avanço da condição, que pode atingir 30% dos adultos em 2030

Nas duas últimas décadas, o aumento do sobrepeso e da obesidade na população brasileira vem configurando uma tendência tão consistente como preocupante.

Em 2006, quando a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico foi realizada pela primeira vez, 43% dos adultos encontravam-se acima do peso, isto é, com IMC (índice de massa corporal, peso dividido pelo quadrado da altura) entre 25 e 30, e 12% eram obesos (IMC acima de 30).

Hoje tais percentuais são de 57% e 22%, respectivamente.

A seguir nessa toada, o Brasil deverá ter, em 2030, cerca de 30% da população adulta obesa, segundo projeção da World Obesity Federation (organização voltada para prevenção da obesidade), tornando-se, em números absolutos, a quarta nação do mundo com mais pessoas com excesso de peso, depois de EUA, China e Índia.

É particularmente alarmante o ritmo de aumento da obesidade entre crianças e adolescentes. Esta deve crescer, em média, 3,8% ao ano, de 2010 a 2030, alcançando um total de 7 milhões de jovens —número classificado como muito alto pelo órgão internacional.

Esse enorme contingente tende a, no futuro, permanecer nessa condição, podendo vir a desenvolver alguns dos diversos males associados ao excesso de peso, como hipertensão e diabetes —para nada dizer do risco aumentado de complicações e mortes por Covid-19, como se constatou.

Atualmente, cerca de 9% da população com mais de 18 anos convive com diabetes e 26% apresenta hipertensão, num crescimento de 11,5% e 7,5%, respectivamente, ante o período anterior à pandemia.

Além de problemas individuais, o aumento da obesidade acarreta ainda uma série de impactos econômicos, tanto de forma direta, nos gastos do sistema hospitalar, como indiretas, caso da redução de capacidade produtiva.

Esse custo, calculado pela World Obesity Federation para o Brasil em US$ 39 bilhões, poderia mais que quadruplicar até 2060, chegando a US$ 181 bilhões. Mas as cifras, quaisquer que sejam, importam menos que a política de saúde.

O poder público tem um papel a desempenhar em relação a esse fenômeno, sobretudo em termos preventivos —fortificando as orientações nutricionais, principalmente na atenção básica à população, e estimulando todas as práticas de atividade física.

No ambiente, um ‘estado de coisas inconstitucional’

Valor Econômico

Resistência dos ministros nomeados por Bolsonaro reflete a importância que o governo dá para o desmantelamento das regras de vigilância

O Brasil segue exibindo resultados catastróficos no meio ambiente. Retrocesso nas regras e omissão frente aos desmandos caracterizam a atuação do governo Bolsonaro na área, não importa o ministro de plantão. O Supremo Tribunal Federal (STF) corre agora atrás para reverter alguns dos desvios julgando o “pacote verde”, conjunto de sete ações interpostas contra alguns dos desmandos dos últimos três anos. Enquanto isso, o país acumula mais estatísticas negativas.

Desde agosto do ano passado, os alertas de desmatamento estão batendo recordes. Isso ocorreu em outubro, janeiro, fevereiro e agora em abril, apesar de o mês ser chuvoso. O sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), acaba de informar que a área derrubada da floresta ficou acima de mil quilômetros quadrados no mês passado pela primeira vez. Foram 1.012 quilômetros quadrados perdidos até o dia 29, valor 74% maior do que o recorde anterior para o mês, de 580 quilômetros quadrados, atingidos em abril do ano passado. Uma semana antes, o Global Forest Watch (GFW), plataforma de monitoramento da Universidade de Maryland, divulgou que o Brasil concentrou 40% de todas as florestas primárias perdidas no mundo em 2021. Foram destruídos 1,5 milhão de hectares, dos quais 359 mil hectares por incêndios.

Toda essas verdadeira devastação é solenemente ignorada pelo governo. Estudo realizado pelo Mapbiomas apontou que apenas 2,17% dos alertas de desmatamento de janeiro de 2019 a março deste ano têm algum registro de autorização ou de ação de fiscalização, o que representa 13,1% da área total desmatada no período (Estadão 7/5).

Esses números não são de se estranhar uma vez que, já em 2019, em seu primeiro ano de governo, Bolsonaro, por meio do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, suspendeu o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). A retomada do PPCDAm é exatamente o objetivo da primeira das sete ações do “pacote verde” que começou a ser julgado pelo STF no fim de março, a ADPF 760, subscrita por sete partidos da oposição. Sua votação foi agrupada com a ADO 54, que acusa o governo Bolsonaro de se omitir em ações de combate ao desmatamento na Amazônia.

A relatora da ação e de outras cinco do pacote, a ministra Cármen Lúcia, fez veemente defesa da necessidade de retomada da fiscalização, determinou que o governo federal apresentasse um plano de combate ao desmatamento equivalente ao PPCDAm em até 60 dias, e declarou um “estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental no Brasil”.

O julgamento foi, no entanto, interrompido por pedido de vista do ministro André Mendonça, que justificou, sem ser convincente, que é relator de duas ações de tema semelhante, que falam de prejuízo à Constituição em ações na Amazônia e no Pantanal.

A discussão das demais ações do “pacote verde” prosseguiu no STF ao longo de abril. O STF formou maioria para suspender trecho de decreto de Bolsonaro que acabou com a participação da sociedade civil e de governadores do Conselho Nacional da Amazônia Legal do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). O conselho contava antes com 17 pessoas, nove do governo e oito da sociedade civil, garantindo a pluralidade de opiniões, com as quais Bolsonaro não quer trabalhar.

Em outra votação, o STF proibiu por 10 votos a zero a concessão automática de licenciamento ambiental a empresas que exerçam atividades consideradas de risco médio, que havia sido garantida por medida provisória editada em 2021 por Bolsonaro e provada pelo Congresso Nacional.

Há duas outras ações no “pacote verde” a serem votadas. Uma delas permite concessão automática de alvarás de funcionamento e licenças, inclusive ambientais, para empresas cujas atividades sejam de risco médio.

A outra é a do reconhecimento da omissão do governo federal pela paralisação do Fundo Amazônia. Quatro partidos apresentaram a ação argumentando que dois órgãos ligados ao Fundo foram extintos e recursos destinados à preservação estão represados.

Se a pauta verde mostra a sensibilidade do STF à defesa de uma política mais responsável em relação ao meio ambiente, a resistência dos ministros nomeados por Bolsonaro reflete a importância que o governo dá para o desmantelamento das regras de vigilância e fiscalização e sua opção por governar autocraticamente.

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