Valor Econômico
Deputado foi preso por ameaças, não por
críticas ao STF
Já passou mais de um ano desde que o
deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) foi alçado a mártir do bolsonarismo na luta
contra o Judiciário por proferir xingamentos e ameaças aos ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF). No vídeo de 19 minutos, ele, visivelmente alterado, vai
da defesa da “depuração” feita pela ditadura militar e do espancamento de
ministros ao escatológico, com menção ao órgão genital de um deles à
sexualidade de outro. Na época, foi preso com aval de 364 de seus colegas de
Câmara, que entenderam que ele rompeu ali os limites da crítica e do aceitável.
A lembrança do vídeo ficou, contudo, no
passado. Nas últimas semanas, deputados das bancadas da bala e evangélica
protagonizaram ato no Palácio do Planalto ao lado do presidente Jair Bolsonaro
para defendê-lo. Os ruralistas, que pouco costumam tratar, como bancada, de
temas que não são afeitos ao agronegócio, desta vez soltaram nota sem pé nem
cabeça em defesa da “liberdade de expressão” e da Constituição para apoiar o
ato fingindo que não era sobre isso.
“Cercear a liberdade de expressão abre um precedente perigoso para os demais direitos básicos do cidadão. Medo não combina com democracia, que não combina com Parlamento. Chega de invasão de competência das outras instituições”, “enfatizou” a deputada federal Carla Dickson (União Brasil-RN), segundo divulgado no site oficial da Secretaria de Governo. “Presidente Bolsonaro nos encheu de orgulho ao defender a democracia em nosso país, protegendo a harmonia entre os Poderes ao conceder a liberdade às próximas gerações”, disse o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM), também segundo essa transcrição no site do governo.
Silveira ocupará vaga de titular na
principal comissão da Câmara por decisão do PTB e foi eleito vice-presidente da
Comissão de Segurança Pública numa sessão de desagravo contra sua condenação.
Atos pelo país num domingo o exaltaram e reverberaram nova ameaça às eleições.
Indultado pelo aliado-presidente, circulou festejado pelos corredores do
Congresso e se recusou a ser notificado por oficiais de Justiça Fico imaginando
como ele lidaria com esse tipo de desrespeito quando era policial.
O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), foi procurado por dezenas de deputados para que defendesse o colega.
Não o fez. Repetiu a quem o procurou que eles já tinham esquecido o que
Silveira falou dos ministros e comentou que, a cada crise causada pelo
deputado, voltava a assistir ao vídeo com os ataques para manter em mente que
“aquilo não é atividade parlamentar nem liberdade de expressão”. Está certo e a
transcrição de parte dos impropérios é didática para lembrarmos que não, não é sobre
liberdade de expressão:
“O que acontece, Fachin, é que todo mundo
está cansado dessa sua cara de filha da p... que tu tem, essa cara de
vagabundo... várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas
vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte... quantas vezes eu
imaginei você na rua levando uma surra... Que que você vai falar? Que eu tô
fomentando a violência? Não... eu só imaginei... ainda que eu premeditasse, não
seria crime, você sabe que não seria crime... você é um jurista pífio, mas sabe
que esse mínimo é previsível... então qualquer cidadão que conjecturar uma
surra bem dada com um gato morto até ele miar, de preferência após cada
refeição, não é crime. [...] Eu também vou perseguir vocês. Eu não tenho medo
de vagabundo. Não tenho medo de traficante. Não tenho medo de assassino. Vou
ter medo de 11, se não servem para porra nenhuma para esse país? Não, não vou
ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês andam, o que vocês fazem.”
O que os bolsonaristas hoje chamam de “cerceamento
à liberdade de expressão” é, na prática, uma ameaça. Se um líder político se
sente à vontade para intimidar um ministro da mais alta corte do país em
público, imaginando que não sofrerá nenhuma punição, o que farão seus
seguidores?
Reconhecer isso não esconde, também, o erro
do Supremo ao exagerar a pena para prendê-lo em regime fechado. Isso só deu
munição aos militantes que acusam a Corte de perseguição.
A polêmica também serviu a Silveira. O
deputado alimenta a crise por dela beneficiar-se. Saiu de um papel
completamente inexpressivo na Câmara para novo “mito” do bolsonarismo e
projetou-se para a eleição ao Senado sem nunca ter exercido papel minimamente
relevante na Câmara. Em três anos, sua única aparição foi ao gravar colegas de
bancada na disputa entre os dois grupos do antigo PSL. Não participou de
grandes debates, não relatou matérias importantes, não presidiu comissões nem
liderou seu partido. Virou arma na guerra contra o Supremo, instituição que foi
mais arredia aos encantos do bolsonarismo, e contra a própria realidade, ao
desviar a atenção do que de fato preocupa o brasileiro (inflação, desemprego e
sensação de piora da qualidade de vida).
O centrão e o golpe
Está claro que, se perder a eleição, Jair
Bolsonaro contestará o resultado, seja numa tentativa de volta em 2026 à la
Trump, seja por acreditar que poderá de fato continuar no poder ao dar um golpe
com ajuda das Forças Armadas. O que não está claro, ainda, é como o mundo
político lidará com isso em outubro.
Os presidentes da Câmara e do Senado dão,
em público, sinais contraditórios. Rodrigo Pacheco (PSD-MG) adota postura mais
pró-ativa, tuíta a favor da legitimidade das eleições e coloca na agenda
reuniões com ministros do STF para mostrar publicamente o apoio. Arthur Lira
(PP-AL), que é mais próximo de Bolsonaro, preferiu evitar declarações e
reuniões públicas. Mas, aos ministros do STF que pedem seu amparo, garante que
vai se opor a qualquer golpe e que as ameaças do presidente não passam de
bravata. O “centro” não dará espaço para aventuras autoritárias nem os
militares querem isso, minimiza.
A aposta em Brasília é que o “PIB” e os
políticos do “Centrão” não darão suporte às aspirações autoritárias do
presidente e que, sem eles, não há golpe possível. Lula (PT) não assusta a
ponto de flertarem com um movimento que pode de novo acabar com o habeas corpus
e cassar seus próprios mandatos.
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