Editoriais / Opiniões
É absurda a MP que permite salário acima do
teto
O Globo
Senado deveria barrar medida que privilegia
diretores dos fundos de previdência dos servidores
Parlamentares não perdem a oportunidade,
especialmente em ano eleitoral, de fazer valer a máxima orwelliana de que todos
são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros. Na quarta-feira, a Câmara
dos Deputados aprovou a Medida Provisória (MP) 1.119, que permite a diretores
de fundos de previdência de servidores receber mais que o teto salarial do
funcionalismo, hoje em R$ 39.294 (correspondente ao salário dos ministros do
Supremo Tribunal Federal).
A mágica foi obtida mudando a natureza
jurídica dos fundos, de fundação pública para fundação privada. Deputados que
tentaram suprimir esse trecho da MP foram voto vencido. Um absurdo que ignora a
dura realidade da maioria da população brasileira.
Não foi o único disparate na MP oportunista. O texto também reabre o prazo para que servidores em atividade migrem para um fundo de previdência complementar. Quem optar pela mudança terá aposentadoria limitada ao teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), hoje em R$ 7.087 (ou R$ 7.612 no ano que vem, conforme previsão no Orçamento para 2023 enviado ao Congresso).
Aparentemente, uma medida saneadora. Mas
não é bem assim. Os que aderirem à nova regra receberão um complemento
decorrente da rentabilidade das aplicações do fundo de pensão e uma compensação
pelo tempo de contribuição acima do teto do INSS. Ainda poderão contar, para
efeito de cálculo do benefício, somente as maiores contribuições, e não
todas,como prevê a reforma da Previdência. Uma das vantagens da migração se
reflete no aumento de salário do servidor.
Estima-se que a MP alcançará 292.181
funcionários públicos do Executivo, Legislativo e Judiciário que ingressaram
até 2013, quando foi instituído o regime de aposentadoria complementar para a
categoria (os que entraram depois já recebem o benefício até o teto do INSS). É
frágil o argumento de que a mudança não é vantajosa para todos — o governo
calcula que “apenas” 98.900 devam optar pelo novo sistema. Não é pouca coisa —
é mais que a população de 80% dos 5.570 municípios brasileiros.
É sabido que o funcionalismo público
brasileiro, em especial sua elite, vive num mundo à parte: estabilidade no
emprego, aposentadorias generosas, benesses que não encontram paralelo na
iniciativa privada, prebendas por tempo de serviço e não por mérito (degradando
a qualidade do serviço público), penduricalhos que furam o teto, e por aí vai.
Não é perpetuando esses privilégios que se buscará um país mais justo e menos
desigual, como vendido nas propagandas eleitorais dos candidatos das mais
diversas legendas.
O Senado, para onde seguirá o texto da MP
1.119, deveria barrar esses absurdos. Num ano eleitoral, é pouco provável que
os senadores queiram se indispor com uma categoria — de que fazem parte — com
amplo poder de mobilização e pressão para perpetuar seus privilégios.
Infelizmente, a usina que produz desigualdades continua a todo vapor.
Recuperação da popularidade de Biden traz
esperança a democratas
O Globo
Presidente americano colhe efeito positivo
de queda na inflação, agenda legislativa e êxitos externos
Em julho, era irrisória a força política do
presidente americano, Joe Biden, para manter o controle democrata do Congresso
nas eleições legislativas de novembro. Em pouco mais de um mês, os ventos
mudaram. Na média das pesquisas mantida pelo site FiveThirtyEight, a aprovação
a Biden subiu de 37,5% em 21 de julho para 42,7% na semana passada. Vários
fatores contribuíram para isso.
Os democratas venceram eleições disputadas
em Nova York e no Alasca. Finalmente conseguiram fazer deslanchar sua agenda
legislativa. No campo republicano, a população reagiu à decisão da Suprema
Corte que acabou com o aborto legal em todo o país. E o ex-presidente Donald
Trump se enrolou com a descoberta de que subtraíra documentos secretos da Casa
Branca. Os partidários de Trump, Biden afirmou em discurso na Filadélfia,
“ameaçam os próprios pilares da República”.
Mais que tudo, Biden começou a desfrutar o
enfraquecimento de um rival mais importante que Trump no curto prazo: a
inflação. De nada adiantava ele chamar a atenção para o desemprego baixo, se a
alta nos preços rondava 10%, maior patamar nos últimos 40 anos. Em agosto, o
índice caiu para 8,5%.
O resgate de imagem começou quando a agenda
no Congresso andou. Biden enfrentava dificuldades no próprio Partido Democrata
para aprovar a Lei de Redução da Inflação, um pacote de medidas que consiste em
US$ 750 bilhões para o sistema de saúde, taxação do lucro de grandes
corporações, melhorias no sistema de seguro de idosos (Medicare), além de US$
370 bilhões em incentivos a energia limpa.
O empecilho era o senador democrata Joe
Manchin, da Virgínia Ocidental, estado onde ficam duas das dez maiores minas de
carvão nos Estados Unidos. Aliado a outros parlamentares na defesa dos
interesses de mineradoras, da indústria do petróleo e gás, do tabaco e do setor
financeiro, Manchin levou um ano para ceder. Chegou a um acordo com a cúpula do
partido no final de julho, e o projeto foi aprovado em 12 de agosto. Antes,
Biden já obtivera a aprovação de uma lei de incentivo à produção local de
semicondutores (sua última vitória no Congresso ocorrera em novembro, com o
programa de US$ 1,2 trilhão para investir em infraestrutura). O clima no
partido mudou.
No front externo, depois da tumultuada
saída do Afeganistão há um ano, a imagem era de um governo lento e desastrado.
Isso também foi superado. Os Estados Unidos reagiram em tempo no apoio à
Ucrânia contra a invasão russa e na ajuda à Finlândia e à Suécia na adesão à
Otan. Biden capitalizou ainda o sucesso da operação que matou o terrorista
Ayman al-Zawahiri, sucessor de Osama bin Laden na al-Qaeda.
Não faz muito tempo, a retomada da Câmara pelos republicanos em novembro era dada como certa, e a manutenção da frágil maioria democrata no Senado — dependente do voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris — era causa perdida. Agora, manter a Câmara se tornou uma meta tangível, e especula-se até sobre o Senado. Mas o pouco tempo até a eleição trabalha contra Biden e os democratas.
2º turno no radar
Folha de S. Paulo
Menor distância entre Lula e Bolsonaro e
alta da 3ª via favorecem nova votação
A diferença entre as intenções de voto nos
líderes da disputa pela Presidência estreita-se desde maio. A confirmação desta
tendência é o resultado mais significativo da nova pesquisa
do Datafolha.
Os números também indicam que se tornou
mais improvável que a eleição se resolva no primeiro turno. A dilatação do
período de campanha pode ter influência relevante no desempenho dos candidatos.
Em maio, a vantagem de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) em relação a Jair Bolsonaro (PL) era de 21 pontos percentuais.
Agora, é de 13 pontos —são apenas 5
em São Paulo, maior colégio eleitoral do país.
Em um segundo turno, a diferença caiu de 25
para 15 pontos. Apenas na hipótese extrema da margem de erro Lula venceria na
primeira rodada de votação.
Por ora ainda é difícil atribuir essa
evolução ao aumento do valor e da cobertura do Auxílio Brasil. Mas é possível
que o efeito do reforço desse benefício assistencial ainda possa aparecer.
A recuperação econômica, em particular no
emprego, pode ter tido seu peso no lento avanço de Bolsonaro. Apesar da
tendência de desaceleração da economia daqui em diante, mais eleitores
encontrarão um trabalho até o final de outubro, data de um segundo turno.
O salário médio continua nos níveis mais
baixos da década e ainda quase 3% menor que no ano passado, mas também está em
alta.
Essa é só a parte mais recente da história,
porém. No ano passado, houve salto da miséria. Ainda que haja melhora neste
2022, o estrago foi profundo. Mesmo o recuo da inflação esconde agruras da
carestia. O IPCA dos últimos 12 meses recuou para ainda elevados 9,6%, graças à
queda dos preços de combustíveis e energia. Mas o encarecimento da alimentação
é de 17,4%.
É certo que a disputa eleitoral se trava em
torno de muitos outros temas. A questão religiosa, o voto das mulheres, várias
frentes do que se chama de guerra cultural e a corrupção podem ser quesitos do
julgamento do eleitor.
No que tange às intenções de voto, o efeito
mais relevante na economia e na assistência social pode ter passado —os bons
números do Produto Interno Bruto, divulgados na quinta (1º),
refletem o que ocorreu entre abril e junho. De todo modo, melhorias marginais
ainda podem favorecer Bolsonaro.
Entretanto o mandatário não se livrou de
uma rejeição incapacitante, majoritária, que flutua entre 51% e 55% desde maio.
O início oficial da campanha levou mais eleitores para Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e outros candidatos. Com a perspectiva de segundo turno, o embate será mais longo e renhido; haverá mais tempo para a desconstrução das candidaturas líderes.
A sombra de Trump
Folha de S. Paulo
Biden endurece discurso contra antecessor,
cujo populismo se mantém influente
A derrota de Donald Trump para Joe Biden na
disputa presidencial americana em 2020 não liquidou o populismo de direita que
se aglutinou em torno de seu nome.
Pelo contrário, ele segue influente na
política e na sociedade dos Estados Unidos, espalhando desprezo pelo regramento
democrático com seu corrosivo negacionismo eleitoral e sua tendência inequívoca
à balbúrdia e ao divisionismo.
Não são descabidas, nesse contexto, as
palavras fortes, ainda que um tanto apocalípticas, de Biden —que, num discurso
proferido na quinta (1º), afirmou que o ex-presidente e o trumpismo
representam um "extremismo que ameaça as próprias fundações da
República".
Falando às portas do Independence Hall,
local de enorme simbolismo no país, onde foram assinadas a declaração de
Independência e a Constituição, o presidente dos EUA condenou o aumento na
retórica politicamente violenta, a exemplo das ameaças feitas contra agentes
federais após a busca do FBI por documentos confidenciais na residência de
Trump.
Com seu pronunciamento, Biden também mirou
as eleições legislativas deste ano, que podem decidir o futuro de seu governo.
Dispensando a habitual mensagem de unidade, o democrata convocou os eleitores a
se engajarem num pleito que classificou como "uma batalha pela alma"
da nação.
O plano parece claro. Para evitar que a
votação se torne um referendo sobre sua própria Presidência, até agora
prejudicada pela alta inflação e a desastrada saída do Afeganistão, o líder
democrata busca fazer da eleição uma escolha entre a normalidade democrática e
a turbulência política.
A mensagem combativa coincide com uma nova
pesquisa que sugere que a sorte de seu partido vem melhorando. O levantamento,
feito pelo Wall Street Journal, mostrou pela primeira vez a população americana
numericamente mais inclinada a votar em candidatos democratas (47%) do que em
republicanos (44%).
Seja como for, o presidente e seu partido
sabem que têm uma tarefa dificílima pela frente, já que historicamente a
legenda do incumbente costuma ser derrotada nas eleições de meio de mandato.
Num país em que o voto não é obrigatório, a
questão é saber se a estratégia de transformar o pleito numa batalha pela
democracia, como tenciona Biden, vai galvanizar eleitores mais do que a
inflação e outras questões do dia a dia.
O faz de conta orçamentário
O Estado de S. Paulo
Malgrado honre a tradição ficcional dos Orçamentos, este que foi enviado pelo governo para 2023 consegue ser mais realista que as promessas eleitorais de Bolsonaro para o Auxílio Brasil
Orçamentos, no Brasil, costumam ser peças
de ficção, mas o Orçamento de 2023 enviado pelo governo de Jair Bolsonaro está
no terreno do realismo fantástico. Como já era esperado, o Projeto de Lei
Orçamentária Anual (Ploa) de 2023 contém previsões muito mais otimistas que as
do mercado para o crescimento da economia e as receitas da União. Mas Bolsonaro
conseguiu inovar: a um mês das eleições, o presidente-candidato se dedicou a
desqualificar o trabalho de sua própria equipe econômica. Não há outra maneira
de interpretar uma peça orçamentária que fixa valor médio do Auxílio Brasil em
R$ 405,21, quando a mensagem presidencial anexada ao documento promete envidar
“esforços em busca de soluções jurídicas e de medidas orçamentárias” para
manter o piso do programa social em R$ 600.
Fica claro, assim, que, malgrado honre a
tradição ficcional do Orçamento federal, este que foi encaminhado pelo governo
para o ano que vem consegue ser mais realista do que as irresponsáveis
promessas eleitorais de Bolsonaro para o Auxílio Brasil. Na ponta do lápis, só
é possível dar R$ 5,21 de aumento para o benefício; o presidente, preocupado com
as pesquisas eleitorais, promete dar R$ 200. Acredita quem quer.
O custo do Auxílio Brasil era o item mais
relevante do Orçamento de 2023, por ser tema central da campanha eleitoral. O
gasto público com o programa cresceu exponencialmente nos últimos anos,
saltando de R$ 33,1 bilhões em 2019 para R$ 115 bilhões em 2022. Manter o piso
em R$ 600 custaria R$ 158,2 bilhões em 2023. O governo conseguiu reservar R$
105,7 bilhões, mas encontrar outros R$ 52,5 bilhões disponíveis em um Orçamento
engessado se mostrou uma tarefa impossível – e é impressionante que nem o
arsenal de manobras para contornar as regras fiscais e orçamentárias tenha se
mostrado suficiente para permitir a inclusão formal do piso no projeto.
Há alguns fatores que explicam essa
dificuldade. Um deles é a manutenção da política de desoneração de
combustíveis, que custará R$ 52,9 bilhões – quase o mesmo valor necessário para
o Auxílio Brasil. No remanejamento de verbas, o Executivo poderia ter reduzido
os R$ 19,4 bilhões reservados para as emendas de relator, base do orçamento
secreto, mas não quis enfrentar o Congresso. Poderia ainda ter diminuído os R$
11,6 bilhões definidos para o reajuste dos servidores do Executivo, mas optou
por não testar a força do funcionalismo público para promover greves.
Havia ainda a opção de aumentar impostos.
Isso exigiria do presidente, no entanto, admitir o erro das desonerações
destrambelhadas promovidas nos últimos meses. O secretário especial de Tesouro
e Orçamento, Esteves Colnago, até tentou vender ilusões. Apontou a reforma do
Imposto de Renda – aprovada na Câmara e paralisada no Senado – como a fonte de
financiamento definitiva do programa social, mas teve que reconhecer, a
contragosto, que a arrecadação gerada pela proposta tampouco seria suficiente.
Não é de hoje que a peça orçamentária não é
tratada com a importância devida. Em vez de listar as prioridades do País e, a
partir delas, definir de que forma os recursos arrecadados pela União devem ser
usados para manter o custeio da máquina, executar políticas públicas, garantir
investimentos e pagar a dívida, o Ploa se converteu em mero cumprimento de ato
formal, e não é por acaso que tenha sido remetido ao Congresso na data-limite
estabelecida pela Constituição.
Mais do que uma peça de ficção, o projeto
do Orçamento de 2023 é o reconhecimento tácito de vários dos problemas que o
País se recusa a encarar, como a dificuldade de fazer escolhas que privilegiem
o enfrentamento da pobreza e um pensamento mágico que elege o gasto sem definir
de que forma ele será pago. Sem o piso de R$ 600 no Ploa, o governo mostra mais
do que incompetência. Expõe sua verdadeira essência e abre um enorme flanco a
ser explorado pelas campanhas adversárias. A desmoralização do Orçamento por
Bolsonaro já teve um custo alto em termos financeiros. Talvez, agora, também
lhe custe votos.
Justiça atrasada não é justiça
O Estado de S. Paulo
Um Judiciário grande, caro e lento prejudica a economia, a cidadania e a democracia. O Brasil precisa revitalizar suas cortes, remediar o excesso de litígios e investir em conciliação
Um sistema de Justiça eficiente é
determinante para o desenvolvimento econômico e social. Dele dependem a
produtividade e a estabilidade dos negócios, a proteção de direitos individuais
e a solução de conflitos. O Judiciário existe para cumprir a lei, que, numa
democracia, é a expressão da vontade do povo. Sem uma Justiça ágil e vigorosa,
portanto, não existe Estado Democrático de Direito. E esse vigor é
caracterizado por eficiência, equidade e qualidade das decisões judiciais.
Mas, como destacou a 8.ª edição da série
de 15 perguntas para o novo presidente, do Estadão, o Judiciário
brasileiro é grande, caro e lento. Em proporção da população, ele é quatro
vezes maior que o da Alemanha e oito vezes o do Reino Unido. Segundo o
levantamento O Custo da Justiça no Brasil, coordenado pela UFRGS, o Brasil
tem um dos Judiciários mais caros do mundo, consumindo cerca de 1,2% do PIB,
enquanto nos EUA são 0,14%; na Itália, 0,19%; e na Alemanha, 0,32%. Os gastos
superam os com saneamento básico e com as transferências da União para educação
básica. Apesar disso, no Brasil uma sentença de primeira instância demora 1.606
dias para sair. Na Itália são 564 dias; no Reino Unido, 350; e na Noruega, 160.
A principal causa é um ecossistema
judiciário irracional. A consequência, um sistema frequentemente injusto.
Nas últimas décadas houve avanços, notadamente
dois: a instalação do Conselho Nacional de Justiça, em 2005, para promover a
eficiência do Judiciário e fortalecer sua independência, melhorando a
governança e o controle administrativo; e a edição de um novo Código de
Processo Civil, em 2015.
Houve até melhoras de produtividade, mas
que não compensaram o aumento galopante dos litígios. São mais de 100 milhões
de ações, ou seja, uma para cada dois cidadãos, outra discrepância aberrante na
comparação internacional.
Entre os desafios dos novos representantes
eleitos estão a redução da lentidão e da incerteza judicial, melhorias na
organização dos tribunais e a redução das demandas litigiosas e do
congestionamento das cortes – isso sem falar no acúmulo de benesses que fazem
da classe judicial a mais privilegiada na corporação já privilegiada dos
servidores públicos.
Mecanismos alternativos de disputa de
resoluções, como arbitragem, mediação e resoluções online têm grande potencial
de reduzir a judicialização, particularmente em dois campos, o trabalhista e o
tributário. No primeiro, houve melhoras com a reforma trabalhista de 2017, mas
ainda há muito a avançar. Mais importante seriam mecanismos de conciliação mais
eficientes entre o Fisco e o contribuinte. As execuções fiscais são o principal
fator de morosidade do Judiciário.
Há entraves administrativos. Dos gastos do
Judiciário, 80% são com pessoal, enquanto a média da OCDE é de 65%. Isso sugere
espaço para realocação de recursos em tecnologia da informação e sistemas de
gerenciamento. Outra mudança, para todo o serviço público, por sinal, é
introduzir incentivos aos juízes condicionando aumentos e promoções a
avaliações de performance.
Talvez o maior desafio para a
racionalização do sistema seja o caso das demandas repetitivas. É
imprescindível que os tribunais superiores identifiquem as centenas de temas
repetitivos de repercussão geral ainda não discutidos no mérito e os julguem o
quanto antes. Um sistema consolidado de precedentes não só acelerará a
resolução, mas aprimorará a previsibilidade das sentenças, reduzindo a
incerteza judicial. Para tanto, é preciso ponderar mais mecanismos de sanção a
juízes que decidem em desacordo com precedentes estabelecidos.
Por fim, o País precisará discutir
seriamente o trânsito em julgado em segunda instância. “Precisamos de uma
reforma processual que dissesse: o processo acabará na segunda instância e
qualquer recurso que vá para tribunais será considerado recurso rescisório”,
sugeriu o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo.
“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”, disse Ruy Barbosa. Lamentavelmente, um século depois, essa advertência continua atual.
Falta de controle sobre armas
O Estado de S. Paulo
Exército alega ‘falta de estrutura’ para fiscalizar a importação de armas; quem ganha é o crime organizado
O Exército pretende deixar de fiscalizar a
importação de armas de fogo, munições e coletes em caráter definitivo. Esse
controle está suspenso temporariamente desde setembro de 2020, sob a alegação
de “falta de estrutura”. Agora, a Força Terrestre deseja abandoná-lo de vez,
como revela uma proposta elaborada pela instituição, à qual o Estadão teve
acesso.
Se o fizer, o Exército renunciará a uma
responsabilidade que não lhe foi atribuída à toa. A instituição é bem reputada,
entre outras razões, por exercer um controle muito rigoroso sobre o armamento
que chega ao País. O processo de certificação do armamento que vem de fora é
tão cuidadoso que os equipamentos, mesmo finalizados, testados e aprovados por
seus fabricantes estrangeiros, são tratados aqui como meros protótipos.
Todo esse desvelo do Exército implica
lentidão no desembaraço das armas e aumento substancial de preços, o que
desagrada aos potenciais compradores. Um dos descontentes é o deputado Eduardo
Bolsonaro (PL-SP). O filho “02” do presidente da República não cansa de
manifestar publicamente sua insatisfação com o modelo militar de fiscalização
de armas de fogo no País.
A facilitação do acesso às armas é uma das
principais bandeiras do governo Bolsonaro. A agenda do presidente vai de
encontro ao desejo da maioria da sociedade, que, no referendo de 2005, se
manifestou contra a facilitação do comércio de armas no Brasil. Fato é que 17
anos se passaram desde a consulta popular sobre a alteração do art. 35 do
Estatuto do Desarmamento. Porém, ainda hoje, a grande maioria dos brasileiros
(81%) não associa mais armas a mais segurança, como mostrou uma pesquisa da
Genial/Quaest divulgada há poucos dias.
Armas, portanto, é tema que interessa a uma
pequena parcela de brasileiros. E isso não é um problema por si só. Em geral,
são cidadãos ordeiros e responsáveis, com condições técnicas e emocionais para
ter armas e que não rejeitam passar por controles periódicos. O problema é o
crime organizado.
O afrouxamento dos controles para aquisição
de armas no governo Bolsonaro facilita muito a vida dos bandidos. Há casos
conhecidos de milicianos e membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) que
compraram verdadeiros arsenais, a preços mais baixos, por meio de fraude ou
exploração de falhas no processo de emissão de certificados de Caçadores,
Atiradores Desportivos e Colecionadores (CACs).
A edição de normas que facilitam o acesso
às armas preocupa, é evidente. Entretanto, mais alarmante é a falta de uma
fiscalização mais rigorosa sobre quem adquire essas armas e sobre o destino que
lhes é dado. A saída do Exército desse processo de controle agravará uma
situação que já é muito ruim.
Se o Exército justifica o abandono da fiscalização por “falta de estrutura”, é dever do governo federal, por meio do Ministério da Defesa, prover os recursos de que os militares necessitam para realizar esse trabalho. Isso é muito mais relevante – e coadunado com a Constituição – do que desviar esforços do Exército para, por exemplo, fiscalizar as eleições.
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