Decreto de armas é positivo, mas exigirá fiscalização
Valor Econômico
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança
Pública de 2023, as armas de fogo seguem sendo o principal instrumento
utilizado para matar no Brasil
Conforme prometido pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva durante a campanha eleitoral, o governo federal anunciou
na sexta-feira a edição de um novo decreto para restringir o acesso a armas e
munições no Brasil. A boa notícia, depois do que se convencionou chamar de
“liberou geral” promovido pela administração Jair Bolsonaro, era esperada até
por quem queria evitá-la. Trata-se, contudo, de uma questão matemática: quanto
mais armas e munições em circulação, maior também é a probabilidade de eventos
violentos com armas de fogo ocorrerem país afora.
Há alguns números que precisam ser levados em consideração nesta discussão, os quais foram divulgados também na semana passada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo o “Anuário Brasileiro de Segurança
Pública de 2023”, há 783.385 pessoas registradas como CACs no país - os caçadores,
atiradores desportivos e caçadores - sete vezes mais do que o número registrado
em 2018. O documento destaca, por outro lado, que o crescimento no número de
armas de fogo em circulação no país não se deu apenas entre os CACs listados
pelo Exército, uma vez que a Polícia Federal mantinha outra plataforma para
registro de armas de fogo: em 2022, no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da
PF, havia 1,5 milhão de armas de fogo com registros ativos, com um aumento de
4,6% em relação à 2021. “Em 2017, esse número era de 637.972, o que significa
um crescimento de 144,3% com relação a 2022.”
A PF também identificou que outras 1,5
milhão de armas estão com os registros expirados, ou seja, seus proprietários
não cumpriram a determinação legal para renovação de suas licenças no prazo
estipulado. Como resultado, o Estado brasileiro não possui ciência de seu
paradeiro, o que não deve ser normalizado pela sociedade.
Em outra parte do documento, de acordo com
números compilados junto a instituições estaduais e a Polícia Federal, 105.953
armas de fogo foram apreendidas no Brasil no ano passado, uma queda de 8,1% em
relação a 2021. “O EB [Exército Brasileiro] não forneceu informações sobre as
armas de fogo com registros expirados sob sua gestão, o que significa que o descontrole
é ainda maior”, registra o “Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023”.
Não há como desconectar esse cenário de
outros dados contidos no detalhado estudo. Segundo o anuário, as armas de fogo
seguem sendo o principal instrumento utilizado para matar no Brasil - 76,5% dos
casos foram praticados com uso de arma de fogo. E em mais um trecho que merece
destaque, ele mostra que entre 2021 e 2022 aumentou o percentual de crianças
mortas por arma de fogo, passando de 50% para 55,8%, enquanto houve diminuição
das mortes ocorridas por armas branca, “dando indícios de que o aumento da
circulação de armas de fogo nos últimos anos no país pode ter impactado nesse
cenário”.
Nesse contexto, é bem-vindo o plano
anunciado no Palácio do Planalto na sexta-feira. Para a defesa pessoal, a
permissão reduzirá de quatro para duas armas e até 50 munições por arma por
ano, ante 200 munições por arma liberadas anteriormente.
Haverá mais restrições também para os
caçadores, colecionadores e atiradores desportivos, tanto em relação ao número
de armas quanto ao número de munições. Serão retomados os parâmetros de 2018
para limites de armas curtas: pistolas 9mm, ponto 40 e ponto 45 voltam a ser de
uso restrito, ainda que serão garantidas a posse e a possibilidade de utilização
dos acervos adquiridos sob a regra anterior.
Uma outra novidade é que não haverá mais
permissão para porte de trânsito de arma municiada e pronta para uso. Esse
dispositivo, é importante ressaltar, foi criado ainda durante o governo de
Michel Temer (MDB). “A medida permitia que caçadores, atiradores desportivos e
colecionadores fossem dos locais onde estavam seus acervos até clubes de tiro
ou locais de caça com uma arma municiada e pronta para uso. Uma novidade que
atraiu muita gente, principalmente pessoas que não conseguiam o porte de armas
para defesa pessoal por meio da Polícia Federal e que viram nessa novidade a
oportunidade de circularem armadas pelas ruas”, explica o “Anuário Brasileiro
de Segurança Pública de 2023”.
Outro ponto da nova legislação é
fundamental. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado
pelo ministro Flávio Dino, haverá migração progressiva das competências do
Exército para a Polícia Federal envolvendo armas e munições. Isso incluirá
questões de padronização, sistematização, normatização e fiscalização. Este é
um ponto crucial para que as novas normas sejam bem-sucedidas.
Antes de anunciar em detalhe o novo
decreto, o governo federal manteve diálogo com diversos segmentos da sociedade,
inclusive representantes dos CACs, da bancada da bala e dos clubes de tiro.
Dessa forma, reduziu os riscos de judicialização. Com reforços na sua base de
apoio no Congresso, mitiga a chance de o decreto ser derrubado no Legislativo.
O cumprimento das novas regras, contudo, vai depender da eficiência das
instituições que ajudaram a elaborá-las.
Taxação de ‘big techs’ corrige injustiça
O Globo
Negociação internacional avançou em julho.
Data para entrada em vigor, porém, segue sendo uma incógnita
Além de se deparar com fortes pressões nos
maiores mercados do mundo para respeitar os direitos autorais dos conteúdos que
usam em suas redes, as grandes plataformas digitais enfrentam um movimento
global para que paguem mais impostos. A coordenação dessa demanda está com a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que realizou
recentemente uma reunião com representantes de 143 países para tratar do
assunto. O desfecho foi a aprovação de uma convenção internacional.
Embora ainda precise ser assinada, técnicos
receberam sinal verde para seguir adiante nos estudos que preveem uma taxação
mínima sobre as maiores multinacionais. Estão na mira as plataformas
digitais Google e
YouTube, controladas pela Alphabet, Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads,
da Meta, e
o Twitter.
O Brasil participa das conversações, nas
quais tem especial interesse, pela necessidade de o governo Lula aumentar a
arrecadação para atingir as metas fiscais. No mercado brasileiro, entre 2017 e
2019, empresas digitais globais com faturamento acima de R$ 100 milhões pagaram
impostos entre 8,67% e 11,57%, ante uma taxação média de 19,57% sobre as demais
empresas. A suposição é que a diferença se explica por manobras contábeis.
Nas discussões no âmbito da OCDE, foi usado
o critério de faturamento global acima de € 20 bilhões por ano e rentabilidade
superior a 10% para definir o grupo de empresas a serem alvo. Por enquanto,
está estabelecido que 25% do lucro dessas multinacionais será taxado nos países
onde as vendas foram efetuadas, mesmo que as empresas não tenham filial no
local, algo muito comum no caso das plataformas digitais. A finalidade é impor
um custo à conhecida manobra dessas grandes companhias de registrar os lucros
em paraísos fiscais ou em países com carga de impostos mais baixa.
Essa inédita reforma tributária global
começou em 2021, com a aprovação de mais de 140 países. Os recentes avanços,
porém, não garantem que a tramitação da proposta ocorrerá sem problemas. A
previsão de entrada em vigor em 2025 é, por enquanto, apenas um chute. Além da
assinatura de todos os países participantes, a convenção precisará ser
ratificada pelos parlamentos. Há, também, fortes interesses em jogo, quando se
estima em US$ 200 bilhões os lucros que serão taxados com as mudanças.
Por enquanto, Brasil e China, entre outros
grandes emergentes, têm apoiado a reforma. Os 27 países da União Europeia (UE)
também estão de acordo com o chamado “Pilar 1” das mudanças, a taxação de
lucros no seu local de origem. Vários concordam com o “Pilar 2”, a cobrança de
um imposto mínimo de 15% dessas empresas. Quase 40 países já programam essa
taxação para o ano que vem. Entre eles estão os do bloco da UE, Austrália,
Canadá, Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Suíça e Reino Unido.
A grande incógnita são os americanos. A
depender de como forem taxadas as big techs, quase todas com sede nos Estados
Unidos, pode ser deflagrada uma guerra comercial. Daí a importância das
negociações nos fóruns multilaterais.
Futebol feminino evoluiu no Brasil, mas
ainda pode avançar bem mais
O Globo
Equipe chega à Copa do Mundo com maior
apoio e trabalho mais consistente para lutar pelo título
A seleção
brasileira feminina de futebol, que estreia hoje na Copa do
Mundo da Austrália e Nova Zelândia, nunca chegou tão preparada a um torneio.
Pela primeira vez, contou com um Departamento de Saúde e Performance, que
integrou todos os profissionais das áreas médica e técnica, abastecendo de
informações a sueca Pia Sundhage, há quatro anos no comando do escrete.
Profissionalismo e logística fazem toda a diferença em competições de alto
rendimento.
Também pela primeira vez, as atletas
embarcaram num voo fretado. Assim, a viagem pôde ser planejada nos mínimos
detalhes, de modo a atenuar os efeitos das longas horas no avião e da diferença
de fuso horário. Desembarcaram na Austrália em 4 de julho, tendo 20 dias para
se preparar. Apesar de contratempos, como a contusão da atacante Nycole às
vésperas da Copa, os trabalhos foram feitos sem atropelos.
Mesmo pequenos detalhes revelam um zelo
maior com a equipe. As jogadoras viajaram usando roupas desenhadas
exclusivamente para elas por uma grife carioca. Foram feitas sob medida,
incorporando sugestões das atletas. Pode parecer irrelevante. Não é, se
lembrarmos que, no passado, não tinham sequer uniformes próprios — pegavam
emprestado os da seleção masculina.
Para chegar ao estágio atual, as atletas precisaram
driblar dificuldades e preconceitos. Em 1941, sob a ditadura do Estado Novo, um
decreto do presidente Getúlio Vargas proibiu o futebol para mulheres em todo o
país. A alegação era que fazia mal à saúde delas. O argumento era só um
disfarce para o machismo. A proibição durou quase quatro décadas. O esporte só
seria liberado para as mulheres em 1979 e regulamentado apenas em 1983.
A seleção feminina de futebol é fruto do
trabalho de pioneiras que abriram caminho à força num universo conservador e
preconceituoso. Os resultados começaram a ser colhidos nos anos 2000. O
vice-campeonato mundial em 2007 (a Alemanha foi campeã), com Marta,
Cristiane, Formiga & companhia, é considerado o melhor desempenho. Naquele
mesmo ano, o Brasil levou ouro no Pan-Americano do Rio. A imagem do Maracanã
lotado por 70 mil pessoas é uma das mais marcantes da História da seleção
feminina.
É inegável que o futebol brasileiro
feminino evoluiu. Hoje tem mais apoio, melhor preparação, maior visibilidade.
Os grandes clubes criaram equipes femininas, o que é louvável. O país passou a
ter campeonato regular, como ocorre com o masculino. Mas pode — e deve — ir
além. Os Estados Unidos, potência no esporte, têm 1,5 milhão de jogadoras
registradas com menos de 18 anos. O Brasil soma menos de 3 mil.
A seleção tem tudo para fazer uma boa Copa neste ano. Se vai conquistar seu primeiro título mundial ou se ao menos ficará entre as três primeiras equipes é outra história. Para o futebol brasileiro feminino, mais importante que levantar troféus é dar oportunidades às meninas que sonham ser novas Martas, Cristianes, Formigas. Com a continuidade dos investimentos, os resultados certamente virão.
Seguir o censo
Folha de S. Paulo
Deve-se respeitar a Constituição e mudar
representatividade no poder legislativo
Quando se pensa no IBGE, o que vem a mente
é um órgão de produção de estatísticas que, no geral, interessam a acadêmicos.
Trata-se, porém, de uma das entidades mais poderosas da República.
Seus cálculos afetam a distribuição de
vultosos recursos públicos e a própria repartição do poder político. Não é por
outra razão que o instituto é alvo de intenso lobby, principalmente de
prefeitos.
Os cálculos de população e renda, por
exemplo, integram a fórmula de divisão de muitos recursos, como os Fundos de
Participação dos Estados e dos Municípios. Também é o IBGE que determina os
limites territoriais dos entes federativos, o que tem impacto, por exemplo,
sobre a arrecadação de impostos e a distribuição dos milionários royalties do
petróleo.
Em relação à política, os efeitos não são
menos notáveis. E os
recém-divulgados números do censo deveriam deflagrar um
processo de recalibragem. No que diz respeito às câmaras municipais, a
Constituição traz, em seu artigo 29, uma enorme tabela em que estabelece o
limite máximo de vereadores de acordo com a população local.
Pelo novo censo, 140
municípios precisariam reduzir seu total de vereadores. Outras
cidades poderiam aumentar suas câmaras, mas a ampliação, ao contrário da
redução, é facultativa e não obrigatória. Haverá, porém, pressão dos edis para
judicializar a questão e, com isso, tentar adiar o corte para 2028.
No plano federal, a Constituição diz que
bancadas estaduais na Câmara dos Deputados serão proporcionais à população do
estado —e, num efeito cascata, os tamanhos das assembleias legislativas são,
por sua vez, condizentes com a representação do estado na Câmara.
Os novos dados do censo implicariam redução
das bancadas de sete estados (RJ, BA, RS, PI, PB, PE e AL) e aumento nas de
outros sete (SC, PA, AM, MG, CE, GO e MT).
O problema é que parlamentares brasileiros
não costumam respeitar esse mandamento constitucional. A última alteração nas
bancadas ocorreu em 1993, o que significa que os censos de 2000 e 2010 foram
ignorados pelo Legislativo.
Nessa matéria, além de os parlamentares de
hoje desprezarem a Constituição, os constituintes de 1988 fizeram pior ao
estabelecer um piso de 8 e um teto de 70 deputados por estado.
Aqui, aniquilou-se o princípio do "um
homem, um voto", que deveria reinar absoluto na Câmara. O único
prejudicado é São Paulo, que, com 22,2% da população do país, deveria ter
direito a 114 das 513 cadeiras desta Casa, mas fica com apenas 70, ou 13,65%. O
teto priva os paulistas de 44 parlamentares, sub-representação maior do que as
bancadas de todos os estados do país menos as de SP, MG e RJ.
Putin volta ao ataque
Folha de S. Paulo
Bloqueio à exportação de grãos e
dificuldades de Kiev elevam tensão mundial
Após acumular desgastes múltiplos na
condução da guerra contra a Ucrânia, incluindo um inédito motim de mercenários
contra suas Forças Armadas, o presidente Vladimir Putin parece ter retomado a
iniciativa da Rússia no conflito maior que trava com o Ocidente.
Suas forças até aqui barraram a
contraofensiva ucraniana na guerra, um esforço bancado por armas da Otan
(aliança militar liderada pelos EUA), e ainda pressionam pela primeira vez com
sucesso uma nova frente de batalha no nordeste do país invadido em 2022.
Mas o sinal mais vistoso da assertividade
foi a algo previsível suspensão da participação de Moscou no acordo que
permitia, desde julho de 2022, que Kiev exportasse grãos pelo mar Negro.
Putin já havia congelado o arranjo, mediado
pela ONU e pela Turquia, em outras ocasiões. A queixa sempre era a mesma: o
pacto paralelo para facilitar a exportação de sua produção agrícola e de
fertilizantes não estaria sendo cumprido pelos países ocidentais.
Assim, após uma subida inicial no dia do
anúncio, na segunda passada (17), os preços do trigo e do milho pareciam rumar
à estabilidade. Até que Putin
começou a bombardear portos ucranianos.
Além disso, Moscou afirmou que qualquer
navio rumo à Ucrânia seria visto como um potencial alvo militar, acabando com a
esperança de Kiev de manter a exportação.
Ato contínuo, os ucranianos
também declararam o mesmo sobre embarcações em direção à Rússia, interditando
de vez o mar Negro. Os mercados tremeram, e a semana fechou com o trigo em alta
de 5% em Chicago, a referência de preços para contratos futuros do grão.
O acordo de julho de 2022 ajudou a derrubar
em um terço o preço do trigo, tirando assim gás do surto inflacionário de
alimentos que a guerra promoveu. A Ucrânia responde por cerca de 10% do mercado
mundial do grão, dominado pela Rússia, com 20%.
Por ora, russos e australianos garantem
estoques cheios. No caso do milho, a supersafra brasileira também traz boas
notícias. O problema é que isso não irá durar para sempre, e o clima tornou-se
um fator cada vez mais imponderável, como a seca argentina prova nas lavouras
de trigo do país.
A solução, como disse o presidente turco,
Recep Tayyip Erdogan, talvez seja ouvir as queixas de Putin desta vez. É algo
justo, mas carrega o ônus de premiar com uma vitória política o uso de força
bruta.
O tesouro verde do Brasil
O Estado de S. Paulo
O País tem enorme potencial de geração de
créditos de carbono, mas explora menos de 1% da capacidade. É hora de
reconhecer o valor de nossas florestas e agir para mantê-las em pé
A união entre Estado e sociedade em prol da
preservação das florestas brasileiras em pé se impõe como obrigação moral, no
sentido de dar segurança às parcelas da população mais vulneráveis aos efeitos
das mudanças climáticas e de legar para as gerações futuras um planeta
sustentável. Além disso, diante da crescente demanda mundial por créditos de
carbono, a conservação de áreas verdes intactas é também um investimento
inteligente que pode gerar bilhões de dólares para o País. Não são poucos os
investidores e empresas que olham para nossas florestas preservadas como um
verdadeiro tesouro verde.
De acordo com a consultoria McKinsey, o
Brasil detém, sozinho, 15% do potencial global de captura de carbono por meios
naturais, ou seja, por suas florestas preservadas. Trata-se da forma mais
simples e econômica de gerar créditos de carbono, que podem ser vendidos para
empresas que poluem o meio ambiente como forma de compensação para atingimento
de metas. Contudo, o País ainda claudica nesse mercado extremamente promissor.
Segundo a McKinsey, o Brasil explora menos de 1% de sua capacidade anual de
geração de créditos de carbono – e segue limitado a projetos de conservação e
geração de energia a partir de resíduos, não de ações de reflorestamento.
Como se vê, há no território nacional esse
gigantesco tesouro verde, literalmente, à espera de melhor aproveitamento. O
bom manejo das florestas em pé pode levar o Brasil a contribuir decisivamente
para o esforço global de combate às mudanças climáticas e prevenção de desastres
naturais, cada vez mais intensos e frequentes, e ainda gerar recursos
financeiros que poderão ser empregados para melhorar a qualidade de vida de
milhões de cidadãos.
Ainda segundo a McKinsey, a demanda por
créditos de carbono pode crescer 15 vezes ou mais até 2030. Para 2050, a
consultoria projeta um crescimento ainda maior: 100 vezes. Está-se falando de
um volume total negociado de cerca de US$ 50 bilhões em créditos de carbono só
até 2030. Boa parte desses recursos pode vir para o Brasil, caso a manutenção
das florestas em pé seja elevada à condição de prioridade nacional.
É consensual entre especialistas que a
contenção do desmatamento, sobretudo do desmatamento ilegal, é a principal
contribuição que países emergentes, que ainda mantêm grandes porções de
florestas preservadas, podem dar para reduzir as emissões de carbono e, assim,
frear o processo de mudança no clima do planeta. Em que pese a enorme parcela
de responsabilidade dos países desenvolvidos nesse esforço global, afinal,
foram os primeiros a desmatar suas áreas verdes em nome do progresso econômico,
o fato é que, hoje, são países como o Brasil que desempenham papel crucial para
limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius até 2050.
O Estado, como detentor do monopólio da
violência, tem o dever de reprimir de forma implacável o ecossistema criminoso
que se instalou na Região Amazônica, mas não só lá, para explorar, privada e
ilicitamente, riquezas naturais que são patrimônio público, sem falar na
apropriação das florestas e rios da Região Norte como novas rotas do tráfico
internacional de drogas. Reiteradamente, este jornal tem alertado para os
múltiplos e crescentes danos que a leniência do Estado no combate ao crime
organizado em áreas de preservação ambiental tem causado ao País.
A iniciativa privada, por sua vez, tem
feito sua parte para recuperar áreas verdes degradadas. É notável, nesse
sentido, o investimento do Grupo Votorantim para transformar uma área de Mata
Atlântica de 31 mil hectares no Vale do Ribeira, em São Paulo, numa reserva florestal.
Essa opção pela conservação de florestas intactas e por ações de
reflorestamento de áreas desmatadas como investimentos promissores tem atraído
cada vez mais empresas e grupos de investidores.
É mais que hora de reconhecer a conservação
ambiental como um valor e de agir para que disso advenham um planeta mais
sustentável, mais riquezas para o País e, principalmente, melhores condições de
vida para o povo brasileiro.
A fome ainda envergonha o País
O Estado de S. Paulo
Se quer ser visto como potência, o Brasil
deve garantir que entre seus cidadãos não haja gente sem ter o que comer ou
vivendo em insegurança alimentar, como mostrou relatório da ONU
Um país que se pretende desenvolvido e
aspira a ser respeitado pela comunidade internacional como potência econômica e
geopolítica não pode, definitivamente, permitir que haja entre seus cidadãos
gente passando fome ou vivendo em insegurança alimentar. Além de uma tragédia
humanitária por si só, a fome é uma mancha na imagem do Brasil como país
decente. É inaceitável, sob qualquer ponto de vista, que, em pleno século 21,
tempo em que o problema da escassez de alimentos já está superado, tantos
brasileiros ainda não tenham o que comer por falta de dinheiro.
De acordo com o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no
Mundo, elaborado e divulgado há poucos dias pela Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 10,1 milhões de
brasileiros (cerca de 5% da população) passavam fome entre 2020 e 2022. Já 70,3
milhões (um terço da população), ainda segundo a FAO, enfrentaram algum tipo de
insegurança alimentar no período avaliado, “severa ou moderada”; vale dizer,
conseguiam realizar uma refeição, mas sem saber se teriam condições de comer ao
longo do dia ou nos dias subsequentes.
Do total de brasileiros vivendo em
insegurança alimentar no triênio avaliado, que abarcou o período mais dramático
da pandemia de covid-19, havia 21,1 milhões (quase 10% da população)
enfrentando a modalidade “severa” do problema, ou seja, não conseguiam se
alimentar por um ou mais dias. Esse número representa um salto de 37% em
relação ao levantamento anterior (2019-2021), quando havia 15,4 milhões de brasileiros
sem condições de comer todos os dias.
A emergência sanitária, não há dúvida,
contribuiu para o aumento do número de famílias padecendo das dores físicas e
emocionais da fome ou das angústias da insegurança alimentar no mundo inteiro.
No que concerne ao Brasil, não há como ignorar o fato de que a fome é o retrato
mais bem acabado de uma desigualdade obscena que se descortina, há tempo
demais, quase como um traço da identidade nacional. É inadmissível que um dos
países que mais produzem alimentos no mundo ainda falhe miseravelmente em
garantir que todos os seus cidadãos tenham acesso aos recursos necessários para
comprá-los, privando-os de uma vida em patamares mínimos de dignidade.
O desgoverno de Jair Bolsonaro, alguém que
se mostrou incapaz até de direcionar uma palavra de conforto aos desvalidos no
momento em que mais precisavam, decerto foi determinante para transformar em
tragédia o que seria um problema grave para qualquer país mais bem
administrado. Seu programa Auxílio Brasil, desprovido de planejamento e
controle, jamais se prestou a criar as condições de emancipação e exercício de
cidadania para os brasileiros mais vulneráveis. Antes, visava ao atendimento
dos interesses eleitoreiros do sr. Bolsonaro.
Mas, a bem da verdade, por mais fundamentais
que sejam, sobretudo em um país desigual como o Brasil, programas de
transferência de renda que não sejam capazes de emancipar o indivíduo têm
impacto momentâneo no atendimento das necessidades básicas dos cidadãos. Em que
pesem boas políticas públicas, como o Bolsa Família, e outras medidas de
caráter humanitário que a dor premente da fome impõe, é dever do presidente
Lula da Silva estabelecer no País as bases para a construção de um ambiente
macroeconômico tal que permita a retomada do crescimento sustentável e a
geração de mais emprego e renda para a população. Só isso, e nada além disso,
dará fim à iniquidade da fome, que divide os brasileiros como se aqui houvesse
cidadãos mais ou menos dignos de direitos básicos, de forma definitiva.
A sociedade brasileira já mostrou que é
capaz de superar esse flagelo. O Brasil já saiu do tristíssimo mapa da fome da
ONU, ao qual voltou recentemente. É tempo de reacender a chama humanitária e
unir esforços. A erradicação da fome deve ser prioridade absoluta para os governos,
nas três esferas da administração, para o Congresso e também para a sociedade.
A Nação tem o dever moral de se unir para romper o círculo vicioso da pobreza e
da fome de uma vez por todas e livrar o Brasil dessa vergonha.
A casta do serviço público
O Estado de S. Paulo
Graças a ‘penduricalhos’, 25,3 mil
funcionários têm remuneração mensal superior ao teto
Há no Brasil uma casta de 25,3 mil
servidores públicos que, a cada mês, recebem remuneração acima do teto definido
pela Constituição, atualmente de R$ 41,6 mil. Por meio de “penduricalhos” e
dribles em regras aplicadas ao restante do funcionalismo federal, estadual e
municipal, tais privilegiados se regalaram com o acréscimo médio de R$ 12.685
em seus holerites – algo como 9,6 salários mínimos a mais. O somatório desses
artifícios alcançou R$ 3,9 bilhões em 2022, cuja ausência em áreas prioritárias
certamente foi notada pela população. O custo dessa corrosão da moralidade no
serviço público, infelizmente, não está dimensionado.
Recente estudo do Centro de Liderança Pública, organismo
voltado para a gestão e formação de servidores, concluiu que essa casta
representa 0,23% dos servidores estatutários nas três esferas de governo. Como
concursados, são agraciados pela estabilidade no emprego, um benefício
inimaginável na iniciativa privada. Como parte de uma elite extraoficial,
destacam-se dos demais pela remuneração superior à dos ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF), que serve como referência máxima até mesmo para o
contracheque do presidente da República.
Como informou o Estadão,
um único funcionário público recebeu nada menos do que R$ 302,2 mil mensais no
ano passado, quando o teto era de R$ 39,3 mil mensais. A remuneração desse
servidor foi quase oito vezes maior do que o teto e superou em 54 vezes a média
do funcionalismo público, algo como R$ 5.600.
As manobras para engrossar os proventos –
vale ressaltar, pagos pelos contribuintes – proliferam pela falta de
regulamentação do artigo 37 da Constituição de 1988, que fixa o limite da
remuneração. A negligência do Congresso Nacional e do governo federal diante
desse abuso é flagrante. Projeto de lei para normalizar esse tópico dorme na
Comissão de Constituição e Justiça do Senado há dois anos. Se tivesse sido
sancionado em 2021, calcula-se que o texto teria provocado uma economia de R$
2,6 bilhões aos cofres públicos.
Essa inércia abriu as mais inusitadas
brechas, como a classificação de proventos adicionais como indenizações. Como
tais, não são somados à remuneração do servidor, que permanece “legalmente”
abaixo do teto. Cientes dessa malandragem, os congressistas e a administração
tornam-se cúmplices desses malfeitos.
A reforma administrativa daria a oportunidade para se debater o fim de práticas antiéticas no serviço público, bem como para adequá-lo às melhores práticas de gestão da máquina pública e de atendimento aos cidadãos. O próprio teto salarial teria que ser rediscutido como meio de adequar a remuneração do funcionalismo à do mercado de trabalho, e assim evitar a perda de cérebros a serviço dos governos, e para valorizar as categorias que merecem a classificação de prioritárias, entre elas a dos professores. Não há dúvida, infelizmente, que esse projeto continuará a hibernar, ao longo do governo Lula da Silva, tão profundamente como a regulamentação do artigo 37.
Correio Braziliense
Um problema complexo como as cracolândias
que se espalham pelo país exige — parece óbvio — uma solução complexa e
multidisciplinar
Crédito: Cracolândia/Divulgação.
Documentário Cracolândia, de Edu Felistoque. Frames do documentário
Cracolândia, que a partir do grande centro de consumo a céu aberto, em São
Paulo, abre discussão para o problema das drogas em diversos níveis, a partir
de opiniões e análises de profissionais e usuários. - (crédito:
Cracol?ndia/Divulga??o)
Não é segredo que todas as principais
cidades do país sofrem com áreas degradadas que abrigam dependentes químicos
viciados em crack e em situação de rua: nos arredores da Central do Brasil e na
Zona Portuária, no Rio de Janeiro; no entorno da rodoviária e do Setor
Comercial Sul, em Brasília; debaixo dos viadutos do Complexo da Lagoinha, em
Belo Horizonte, entre outros. Mas é em São Paulo que está a maior delas, a
chamada Cracolândia. A situação, há décadas, desafia o poder público, que tenta
ações de todos os tipos, ainda sem uma resolução satisfatória. Nos últimos
anos, enquanto estavam à frente da prefeitura, tanto o atual ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, quanto o ex-governador João Doria saíram-se mal ao
tentar encarar o problema, cada um ao seu modo, mas ambos sem sucesso.
Por isso, o resto do país tem acompanhado
com interesse e apreensão os recentes movimentos do governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos) sobre a Cracolândia paulista. Na última semana, ele
desistiu de tentar, de novo, remover à força o fluxo — como é chamada a
aglomeração de usuários de crack — do Bairro Campos Elísios para o Bairro Bom
Retiro, ambos na Região Central de São Paulo. No início do mês, uma tentativa
de alterar o ponto de concentração acabou por espalhar os usuários pelas ruas
dos dois bairros, sem, claro, resolver o problema.
Na última sexta-feira, Tarcísio voltou ao
tema, quando afirmou que não descarta apelar para a internação compulsória dos
viciados em crack como forma de resolver o problema quando outras
possibilidades estiverem esgotadas. Na sequência, o prefeito de São Paulo,
Ricardo Nunes (MDB), concordou com o colega de que a opção de um tratamento à
força para os dependentes químicos deveria estar em andamento.
Maior cidade do Hemisfério Sul, São Paulo
funciona — para o bem e para o mal — como uma espécie de farol para o resto do
Brasil, principalmente no quesito de medidas públicas. Afinal, com 11,4 milhões
de pessoas, a capital paulista tem problemas em escalas consideravelmente
maiores do que as outras cidades do país. Por isso, quando surge ali alguma solução
para alguma questão urbana, é questão de tempo até que as outras cidades se
inspirem, copiem e adaptem para suas realidades o que foi criado por lá. O
problema é quando a medida agrava ainda mais a questão, como vem sendo o caso.
O deslocamento forçado dos usuários foi
tentado, e acabou gerando diversas minicracolândias pelos bairros da Região
Central de São Paulo, espalhando insegurança e preocupação para moradores. Já a
internação involuntária é um método controverso e ineficaz. Um estudo publicado
em 2022 no Brazilian Journal of Psychiatry apontou que, entre 2003 e 2019,
as internações feitas sem o consentimento do paciente aumentaram 340% na
capital paulista — e, obviamente, não resolveram a situação.
Um problema complexo como as cracolândias
que se espalham pelo país exige — parece óbvio — uma solução complexa e
multidisciplinar. São necessários esforços coordenados, diálogo constante com
especialistas, envolvimento da sociedade civil e, acima de tudo, abordagens
humanitárias e respeitosas aos direitos dos indivíduos afetados. Não entram
nessa lista ações como arrastar uma multidão de dependentes por quarteirões a
fio, ou trancafiá-los em instituições contra a vontade deles. Por enquanto, o
exemplo paulista está longe de servir para o resto do país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário