O Estado de S. Paulo
O extremismo iliberal de Bolsonaro selou aliança tácita entre governo Lula 3 e STF
Episódios de retrocesso democrático
envolvem ataques de outros poderes ao Judiciário. Capturar o Judiciário é
essencial tanto para se livrar de um potencial ponto de veto, como para
controlar a interpretação que se faz da Constituição e, assim, gerar
legitimidade para potenciais ações iliberais.
Depois de analisar mais de 3 mil tentativas
de substituição involuntária de juízes de Supremas Cortes em 18 países da
América Latina entre 1900 e 2021, Pérez-Liñán e Castagnola (2023) concluíram
que o Judiciário é mais vulnerável quando elites políticas já obtiveram sucesso
de expurgar juízes anteriormente, criando assim um padrão sequencial de
instabilidade e enfraquecimento do Judiciário.
Existe grande variação na frequência de substituições de juízes. Em alguns países, são raros os casos de expurgos: apenas uma vez no Chile (1927), duas vezes no Brasil (1931 e 1969) e três vezes na Costa Rica (1920, 1922 e 1948). Por outro lado, substituições foram recorrentes em El Salvador (28 vezes), Guatemala e Honduras (24 vezes) e na Bolívia (23 vezes).
Na região, as saídas de juízes da Suprema
Corte apresentaram uma probabilidade média de 14,5% por ano. No Brasil, essa
probabilidade é uma das mais baixas (9,2%), acima apenas da Costa Rica (8,8%).
Esses resultados sugerem que a Suprema
Corte brasileira é uma das mais estáveis da
América Latina.
Mas, em estudo com 34 países africanos,
Bartels e Kranon (2019) mostram que eleitores alinhados com o governo tendem a
ter opinião negativa das Cortes superiores. Após o julgamento do mensalão, a
percepção acerca do STF sofreu enorme inflexão, passando a ser vilipendiado
pelos petistas, e considerado baluarte da República pelos eleitores de
oposição.
Mais recentemente, diante da atuação firme
do STF às ameaças e confrontos de Bolsonaro, a avaliação se inverteu.
Bolsonaristas passaram a considerar a atuação do Judiciário como parcial e
ameaçadora ao Estado de Direito. Por outro lado, petistas passaram a enxergar o
Judiciário como garantidor da democracia.
O curioso é que, mesmo com o retorno de
Lula à Presidência, a “lua de mel” do governo com o STF parece não ter
terminado. O governo Lula acaba de lançar um pacote de projetos de lei que,
entre outras coisas, associa eventual agressão física ou moral a um ministro do
Supremo e sua família a crime contra o Estado Democrático de Direito. Ou seja,
fortalece ainda mais um Judiciário que já é forte.
Resta saber até quando vai durar essa
suposta “aliança” tácita entre o governo Lula 3 e o STF. Talvez até o “inimigo
comum” se tornar carta fora do baralho.
*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape)
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