Valor Econômico
A realidade preocupante é que faltam ao Banco Central funcionários em número suficiente e o dinheiro necessário para investir em tecnologia, o que deixa o sistema vulnerável e sob risco de gerar crises bancárias
O delegado de crimes cibernéticos da Polícia
Civil de São Paulo, Paulo Barbosa, disse ao repórter do Valor Álvaro Campos que
algumas das fintechs envolvidas na fraude que permitiu o roubo de dinheiro em
contas de reservas bancárias, que já chega a mais de R$ 1 bilhão, estão em
nomes de laranjas, com os reais donos vivendo em outros países.
Isso significa que o Banco Central terá que
fazer um saneamento nas instituições de pagamento que fazem parte do
ecossistema do Pix, retirando de circulação aquelas que agiram diretamente em
práticas criminosas ou que foram negligentes na aplicação dos controles legais.
Mais: será preciso uma revisão completa na regulação de pagamentos, que criou os incentivos errados ao privilegiar a competição em detrimento da segurança do sistema, abrindo flancos.
A fraude é grave não apenas pelo alto valor.
Para ela ter acontecido, várias barreiras foram derrubadas. Bandidos entraram
no sistema de uma empresa de tecnologia que tem acesso ao coração do sistema. O
dinheiro roubado transitou por contas, por meio de transferência com Pix, em
várias instituições, sem ser detectado e bloqueado em muitas delas. Depois,
pelo menos parte dos recursos foi trocada por criptomoedas.
O Banco Central está preparado para essa
tarefa? Sim, mas precisa de socorro. Uma das primeiras providências foi fazer a
suspensão de seis instituições que participam do Pix. Esse é um número que pode
mudar para cima ou para baixo, tanto porque a ação é cautelar, e não
definitiva, quanto porque as investigações em curso podem apontar a necessidade
de incluir outras instituições.
Nessa tarefa, o Banco Central já se depara
com o primeiro problema - a precária proteção legal para o supervisor bancário
fazer o trabalho necessário de desplugar eventuais criminosos do sistema de
pagamentos.
Os dirigentes do Banco Central sempre estão
sujeitos a processos judiciais, no seu CPF, por ações tomadas. Os autores do
Proer, um programa de resgate bancário que evitou uma depressão nos primeiros
anos do Plano Real, passaram décadas se defendendo na Justiça. Nos anos 1990, o
Banco Central liquidou duas dezenas de corretoras e distribuidoras que estavam
envolvidas na lavagem de dinheiro desviado do escândalo dos precatórios.
Funcionários e dirigentes do BC foram processados.
Isso é do jogo - mas, agora, as dificuldades
tendem a ser um pouco maiores. O sistema do Pix foi criado dentro da lógica de
ampliar a concorrência, o que é correto, mas com a premissa de que as inovações
não ocorriam porque o sistema era sufocado pela mão pesada da regulação e dos
poderes do supervisor, o que é uma visão equivocada. Na prática, isso significa
que foi conferido às instituições de pagamento o direito de continuar operando,
mesmo quando há indícios muito fortes de atividades criminosas.
O propósito de funcionários e dirigentes do
BC é fazer o que for necessário para sanear o sistema. Mas fica um ponto para
reflexão: os princípios de Basileia pregam proteção às autoridades para uma
supervisão eficaz.
Embora a investigação policial esteja
apontando algumas maçãs podres, o Banco Central não tem visibilidade ainda se
outras instituições de pagamento estão diretamente a serviço ou vulneráveis aos
crimes de lavagem de dinheiro de outros esquemas.
Será preciso aplicar um monitoramento e
supervisão transversal, num esforço de pessoal e tecnologia. E também modificar
regulações, dirigindo o pêndulo mais para o lado da estabilidade financeira.
Para entender como chegamos aqui, é preciso
contar a história da resolução do Banco Central nº 1, que criou o Pix. O texto
original dessa norma, que foi submetido a consulta pública, expõe escolhas
polêmicas. O BC queria colocar o maior número de fintechs para dentro para
ampliar a competição. Mas não tinha recursos para avaliar a integridade de cada
uma delas.
Uma primeira solução apresentada é que as
fintechs iriam operar conectadas a grandes instituições, que fariam o trabalho
de vigiá-las. Ninguém gostou da proposta. Os grandes bancos disseram que não
poderiam se responsabilizar pelo que fazem terceiros. E as fintechs disseram
que os grandes bancos iriam bloquear seu acesso.
O BC decidiu, então, plugar as fintechs no
Pix, mas fez um corte. As grandes, com volume acima de R$ 500 milhões em
operações, teriam que ter autorização prévia do BC; as pequenas, não. Logo
apareceram os primeiros problemas, com investigações policiais mostrando como
pequenas instituições de pagamento estavam envolvidas em atividades criminosas.
O Banco Central, então, mudou a rota e passou
a exigir a aprovação de operação de todas elas. Mas, como são muitas, o
trabalho teria que ser gradual. Como o BC não deu conta, teve que adiar até
2029 - é o que está dito na exposição de motivos de uma resolução. Há quase uma
centena ainda esperando por aprovação.
A realidade, preocupante, é que o BC não tem
funcionários em número suficiente nem o dinheiro necessário para investir em
tecnologia - assim, o sistema fica vulnerável a fraudes que podem até gerar
crises bancárias. Isso torna ainda mais urgente a aprovação, no Congresso, da
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que dá autonomia administrativa à
instituição. De novo, segundo os princípios de Basileia, não há supervisor
eficaz sem recursos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário