O Globo
Tudo bem que o brasileiro gosta de fazer uma
fezinha. Mas recentemente o país registrou salto muito além do histórico nas
apostas
Um novo estudo surgiu sobre o desastre que tem ocorrido no Brasil em relação às bets: muita gente tem deixado de estudar por causa do vício em apostas esportivas on-line. Dos apostadores entrevistados na pesquisa O Impacto das Bets 2, da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, 34% dizem que precisarão parar de apostar para entrar na faculdade.
A maior parte dos apostadores em plataformas
on-line no Brasil é composta por homens (85%). Independentemente do gênero, a
ampla maioria está inserida no mercado de trabalho (85%) e tem filhos (72%). Em
termos socioeconômicos, destaca-se que 38% pertencem à classe B e 37% à classe
C, sugerindo forte adesão em estratos de renda intermediária. Além disso, 79%
têm como principal fonte de renda o salário do trabalho, revelando dependência
direta do orçamento familiar para manter os hábitos de aposta. Quarenta por
cento têm entre 26 e 30 anos, enquanto 30% estão na faixa de 31 a 35 anos,
evidenciando concentração significativa entre jovens adultos em fase produtiva,
com responsabilidades familiares. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo, o varejo deixou de faturar R$ 117 bilhões em 2024 por
causa do redirecionamento dos recursos das famílias para as bets.
Tudo bem que o brasileiro gosta de fazer uma
fezinha. Muita gente joga na Mega-Sena da
Virada, outros apostam em corridas de cavalo, sinuca ou qualquer outra coisa. É
certo, na cultura dos subúrbios e periferias, que sonhar com determinado animal
é sinal de que ele sairá no jogo do bicho da manhã, tarde ou noite.
Mas, recentemente, houve salto muito além do
nosso histórico. O setor de apostas on-line cresceu 734,6% entre 2021 e 2024,
segundo levantamento da plataforma de análise de dados Datahub. Significa dizer
que há muita gente que nunca foi de apostar entrando no ramo. Como isso
aconteceu? O raciocínio por trás da publicidade com as bets é que elas são uma
espécie de investimento acessível a todo mundo, e essa pequena abertura é o
caminho necessário para pescar o apostador.
O neurocientista Alvaro Machado Dias,
livre-docente da Universidade Federal de São Paulo, explica o mecanismo:
— A esperança é um sentimento intrinsecamente
recompensador. Circuitos dopaminérgicos, envolvendo os gânglios da base (onde
se origina a doença de Parkinson, que traz grande risco de vício), convertem
aquilo que era originalmente comportamento motivado (tenho esperança, decido
apostar) em comportamento compulsivo. Por fim, o que era comportamento baseado
em reforço positivo (tenho esperança, ela me deixa bem, eufórico; ganhei um
tanto já, logo, jogo), torna-se comportamento baseado em reforço negativo (fico
mal demais quando não jogo; logo, jogo).
Podemos concluir que a regulação das bets não
necessita apenas de análise no sentido de proibir ou liberar, mas sim de
elaboração dos incentivos no entorno do jogo. A forma como são atraídos os
apostadores é o que diferencia as bets dos demais jogos. É possível cuidar sem
interditar e sem espetacularizar. A questão é: será que nosso Congresso quer
isso?
Nenhum comentário:
Postar um comentário