O instinto de repórter emerge curioso, vez por outra, sobretudo quando se propaga que o o Presidente do Brasil vai viajar para o exterior com a finalidade de assinar acordos de cooperação internacionais . Lula, em particular, realizou 139 viagens a 80 países nos dois primeiros mandatos, e 33 na sua terceira Presidência. Para justificar os supostos excessos, o Itamarati tenta explicar , genericamente , que se tratam de acordos nos campos da ciência, do meio ambiente, da energia, dos transportes, da infraestrutura, da aviação, e outros.
Cabe ao jornalista "ligar pontos visíveis com tramas imaginárias", segundo ensina Vinicius Mota, secretário de redação do jornal Folha de São Paulo. Aquela semântica inocente pode estar escondendo "jabutis", ou seja, compromissos, cujos conteúdos são de conhecimento de poucos, senão dos autores e interessados. O cenário da vez - dilema do IOF, o escândalo do INSS, ou as tarifas de Trump - encarrega-se de desviar as atenções, respaldadas no desconhecimento público dos "instrumentos" que lhes dão legitimidade, consagrados na política e no direito internacional : Cartas, Acordos, Ajustes, Declarações, Protocolos, Tratados, Convenções, Compromissos, Manifestações de Interesse.
Por exemplo, nos entendimentos brasileiros no campo da energia, aparece, de repente, no meio desses acordos a intenção do Brasil de adquirir usinas nucleares da Rússia para serem instaladas na Amazônia. A informação surge , após a passagem de Lula por Moscou, convidado para assistir os desfile militar do Dia da Vitória, inicialmente comemorado como o fim da II Guerra, hoje como a grande obra dos russos . Terminou vazando imagens de uma reunião de Lula com a cúpula do Kremlin , com ele assinando documentos que o Itamarati chama vagamente "de matérias de interesses mútuos". O problema dessas usinas nucleares é que se tratam de tecnologias diferentes das desenvolvidas por aqui. O Brasil adquiriu , no Governo Geisel, na década de 1970, três usinas (originalmente 10) para produção energética, por meio de um Acordo Nuclear com a Alemanha, com fins pacíficos . Naquele instante - e hoje não é muito diferente - o Brasil tinha carência de físicos, engenheiros, técnicos e de empresas periféricas nacionais para fornecer materiais de construção. Todos estavam envolvidos no processo de transferência da alta tecnologia nuclear. O Acordo com os alemães custou ao Brasil 10 bilhões de dólares.
Recorrendo àquilo que o secretário da Folha chama de "pontos visíveis com tramas imaginárias" , nessa altura torna-se oportuno indagar se seria a Rússia o melhor parceiro do Brasil na área da energia nuclear, principalmente por ser Putin, o avalista? O Presidente russo propaga orgulhosamente ser o seu país líder mundial em tecnologia de reatores de nêutrons rápidos e procura consolidar a posição com um projeto batizado de "Proryv" (Avanço). Ufana-se de dispor do maior estoque de armas nucleares do mundo. Acredita no que propaga de que o arsenal russo poderia destruir o planeta muitas vezes. Seu estoque representaria, hoje, mais de 10,5 mil ogivas nucleares , das quais 1.710 estratégicas já implantadas: 870 em mísseis balísticos terrestres, cerca de 640 para lançamentos de submarinos e em 200 em bases de bombardeiros pesados.
Com arsenal sobre dimensionado, já chegou a ameaçar com armas nucleares a Ucrânia, invadida por ele, se os Estados Unidos enviassem tropas para lá . Poderia ativar o chamado sistema conhecido como "Mão Morta" ou "Perimetr" segundo o qual , a partir de um pequeno dispositivo carregado por ele numa bolsa de mão, acionaria o sistema nuclear do seu país (prerrogativa dele com chefe de Estado ). Para ele, os computadores decidirão o dia do juízo final . Trata-se de mais uma tentativa de manter o mundo sob tensão, e de tentar reafirmar sua liderança duvidosa no campo da produção de energia nuclear, já que metade do seu arsenal é do tempo da velha URSS . Para corroborar a encenação , no ano passado, assinou uma lei que retirava a ratificação pela Rússia do Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (CTBT). São bravatas endereçadas, sobretudo, aos EUA e a OTAN, cujos arsenais nucleares juntos é bem superior ao seu e cujas tecnologias são mantidas sob reserva.
Na contramão das Convenções Climáticas, que estimula a substituição da tecnologia nuclear até no campo energético, Putin se oferece para instalar "pequenas usinas nucleares ao longo do rio Amazonas", alegando ser energia limpa. Por menor que sejam essas unidades, elas geram resíduos não apenas atômicos (plutônio), como poluem as águas e são uma constante ameaça à biodiversidade e às populações originárias O plutônio que da origem a esses artefatos nucleares é um subproduto da fissão do urânio-238. No processo industrial , os átomos de urânio-238 capturam nêutrons e, através de uma série de decaimentos radioativos, dá origem ao plutônio-239. É aqui que está o segredo: o Pu-239 não é um lixo qualquer . Como material residual físsil ele é utilizado para a fabricação de armas nucleares, bombas, atômicas e até de hidrogênio.
Daí, a conexão com as "tramas imaginárias" de Mota que recaem sobre os tais "interesses mútuos" no campo da energia nuclear. Sério que ninguém se lembrou da Conferência Climática em novembro deste ano em Belém, no Brasil?. O Presidente brasileiro parece encantado com os "Contos Russos". Putin canta, dança e toca piano para os convidados. Mas é de pouco riso. Um pouco diferente do velho Stálin, que era um piadista.
O programa nuclear brasileiro é do tempo dos militares. Exigiu complexos estudos no campo energético e ampla discussão com a sociedade. Envolve desde a descoberta no Brasil de reservas de urânio, mesmo associado a outros minerais, na Amazônia, no Ceará, no Maranhão e na Bahia. Duas usinas foram implantadas em Angra dos Reis e já ilumina o Rio de Janeiro. A terceira está há 20 anos para ser concluída. O Brasil tem também uma Fábrica de Combustível Nuclear (FCN) ligada à chamada Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Fica em Resende, no Rio . É lá que ocorre a etapa de enriquecimento isotópico do urânio, utilizando a tecnologia de ultracentrifugação. Desenvolvem-se ali outras etapas do ciclo do combustível , como a reconversão do gás enriquecido em pó de dióxido de urânio, a produção de pastilhas e montagem do combustível para as usinas nucleares em operação e ... o submarino.
Até a assinatura dos tais "compromissos mútuos" de Lula com Putin, a política nuclear do Brasil não tinha nada a ver com os russos. Putin quer embarcar no trem andando. Mas com essa sua "folha corrida!..." . Nem a China confia , mesmo que esteja sempre assinando com eles acordos e tratados . No Brasil, estariam colocando o carro adiante dos bois. Embora seja presidente do Brasil , o interlocutor do Brasil nesse assunto não parece ser a pessoa mais credenciada para sair negociando um tema desses por aí. Pode criar um problema com o vizinho . A Argentina também tem um Programa Nuclear . A vaidade exacerbada e uma ousadia obsoleta tem emperrado a governabilidade. Daí que essas viagens à Rússia e à China sobretudo, parecem cheias de "jabutis". Vamos torcer para que sejam fantasias. Mas não dá para acreditar que se trata de uma Lulapaloosa . O Irã queria nuclearizar seus aliados.
*Jornalista e professor.
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