quarta-feira, 9 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Taxação dos ultrarricos é debate internacional

Correio Braziliense

Requer atenção a proposta apresentada por sete ganhadores do Nobel de Economia, que defendem "uma taxa mínima de 2% sobre a fortuna dos bilionários" em todo o globo

A mais recente divergência entre os poderes Executivo e Legislativo no Brasil tem como principal pano de fundo a busca por justiça tributária. Enquanto o governo procura diminuir desigualdades, a partir de medidas como o aumento do IOF e a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, a maioria do Congresso defende corte de gastos sem aumento de tributos, a chamada austeridade, como alternativa para equilibrar essa balança. Não se trata de embate apenas brasileiro.

Dados do Relatório Mundial sobre Desigualdade, publicado em 2022, indicam a necessidade de uma discussão internacional sobre a distribuição de renda. O levantamento mostra que apenas 10% da população global concentra 52% da renda dos países. "Em média, um indivíduo dos 10% mais ricos da distribuição de renda global ganha 87.200 euros (cerca de R$ 560 mil) por ano, enquanto um indivíduo da metade mais pobre da distribuição de renda global ganha 2.800 euros (cerca de R$ 18 mil) por ano", ressalta a publicação. 

Nesse sentido, requer atenção a proposta apresentada por sete ganhadores do Nobel de Economia em um artigo publicado ontem no jornal francês Le Monde. Simon Johnson (2024), Daron Acemoglu (2024), Abhijit Banerjee (2019), Esther Duflo (2019), Paul Krugman (2008), George Akerlof (2001) e Joseph Stiglitz (2001) defendem "uma taxa mínima de 2% sobre a fortuna dos bilionários" em todo o globo.

A medida geraria cerca de US$ 250 bilhões (aproximadamente R$ 1,36 trilhão) em receitas fiscais, provenientes de apenas cerca de 3 mil pessoas, segundo cálculos do grupo. Esses valores seriam ainda maiores se estendidos a todos com patrimônio acima dos US$ 100 milhões (cerca de R$ 545 milhões). "Esse dispositivo é eficaz, pois combate todas as formas de otimização, independentemente da sua natureza. É direcionado, pois se aplica apenas aos contribuintes mais ricos e apenas àqueles que recorrem à otimização fiscal. E é necessário, porque é difícil pedir a qualquer grupo social que faça sacrifícios antes de garantir que os mais ricos não escapem da tributação", argumentam. 

Vale lembrar que o Brasil já se posicionou favoravelmente à taxação dos ultrarricos quando presidiu o G20 no ano passado — a representação foi repassada à África do Sul em 2025. "Com total respeito à soberania tributária, nós procuraremos nos envolver cooperativamente para garantir que indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto sejam efetivamente tributados. A cooperação poderia envolver o intercâmbio de melhores práticas, o incentivo a debates em torno de princípios fiscais e a elaboração de mecanismos antievasão, incluindo a abordagem de práticas fiscais potencialmente prejudiciais", lê-se na declaração final da cúpula, divulgada em novembro. 

Para que a ideia dê certo, é preciso ressaltar os "mecanismos antievasão" citados na declaração. Nada adianta se apenas um ou dois países, ou até mesmo um bloco econômico, decidir por tal taxação de maneira isolada. Como já acontece com os chamados paraísos fiscais, é comum que detentores de enormes patrimônios procurem alternativas para burlar as regras contra a desigualdade.

A Europa é o maior exemplo. Lá, é contumaz a divisão do patrimônio de empresas a partir das chamadas holdings familiares, nas quais os lucros se acumulam sem a devida tributação. No Brasil, não é muito diferente, por exemplo, com o mercado das apostas esportivas, instalado em paraísos fiscais. A mudança desse paradigma requer muita vontade e articulação política. Mas, se a humanidade quer ter um futuro mais equilibrado, tal discussão precisa ser prioridade entre os detentores do poder.

Previdência está na raiz da bomba fiscal

O Globo

Desvincular reajustes do salário mínimo mitigaria efeitos explosivos da demografia, sugere estudo

Chega a ser surreal a insistência do governo federal em evitar um debate maduro sobre os gastos públicos. As evidências se acumulam, os fatos se manifestam com teimosia e eloquência a cada dia maior, e as lideranças no poder ignoram a necessidade premente de conter a explosão das despesas previdenciárias e assistenciais. Sem nova reforma da Previdência, o gasto do INSS crescerá R$ 600 bilhões até 2040, quase 50% do patamar atual (R$ 1,15 trilhão), apenas em razão da pressão demográfica. Essa é a conclusão de novo estudo do economista Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública (CLP).

Apenas o pagamento de aposentadorias e benefícios alcançará 8,3% do PIB se nada for feito. “É praticamente um novo orçamento inteiro de saúde pública ou o dobro do que o país investe em infraestrutura”, diz ele. O envelhecimento da população é uma boa notícia, pois viveremos mais. Mas tem ocorrido em ritmo mais rápido do que se previa. Com menos jovens contribuindo e mais idosos, é obvio que o sistema não se sustenta. Uma nova reforma da Previdência é inevitável.

A despeito da reforma de 2019, a deterioração fiscal tem se agravado sobretudo em razão das contas da Previdência. Em especial dos gastos com aposentadorias urbana, rural e Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a deficientes ou idosos de baixa renda. Ao envelhecimento populacional e às taxas baixas de contribuição resultantes do desenho do sistema, soma-se um fator crítico: tais pagamentos, vinculados ao salário mínimo, sofrem reajustes acima da inflação, gerando crescimento da despesa acima dos limites do arcabouço fiscal e pressionando outros gastos.

O governo tem adotado medidas tíbias, insuficientes para conter a escalada nas despesas previdenciárias. É o caso da adequação dos reajustes do mínimo à regra do arcabouço, entre 0,6% e 2,5% além da inflação. Há também eventuais pentes-finos para evitar irregularidades e fraudes. Apesar de tudo isso, os gastos continuam explodindo.

Está claro – exceto para um governo que só pensa em gastar – que é inviável manter aposentadorias e BPC vinculados ao salário mínimo. Cerca de 70% dos beneficiários da Previdência recebem o mínimo, por isso são contemplados pela regra. Cada real de aumento do mínimo eleva os gastos em R$ 400 milhões. Os valores deveriam ser corrigidos pela inflação, que manteria o poder de compra dos segurados.

Outro sorvedouro de recursos é a vinculação dos pisos de Saúde e Educação à arrecadação. Duque estima que, com o envelhecimento populacional e a queda na quantidade de jovens, seria possível reduzir a despesa total sem diminuir o investimento por aluno. Ao mesmo tempo, diz ele, haverá pressão maior por gastos em saúde. A regra de vincular ambos às receitas se mostra inadequada para lidar com a realidade.

Soluções paliativas não resolvem, apenas adiam a bomba fiscal. O governo precisa enfrentar com seriedade as raízes da explosão nos gastos com aposentadorias e BPC. A desvinculação dos reajustes do salário mínimo, ou mesmo mudanças nas regras de correção do mínimo, podem ser medidas politicamente custosas. Mas o Planalto e o Congresso precisam ter em mente que, se alguma delas for aprovada, a reação do mercado será imediata, com impacto nos indicadores e no crescimento econômico, antes mesmo da próxima eleição. É preciso agir rápido.

Apoio de Trump a Bolsonaro reflete presidência contaminada por ideologia

O Globo

Lógica torta do americano não difere da que levou Lula a condenar prisão de Cristina Kirchner na Argentina

Não têm cabimento as declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Trump afirmou que o Brasil “está fazendo uma coisa terrível” contra Bolsonaro ao processá-lo por tentativa de golpe. “Ele não tem culpa de nada, exceto de ter lutado pelo povo”, escreveu numa rede social. Afirmou ainda que acompanhará de perto a “caça às bruxas” e disse que o único julgamento que importa é a eleição.

O Brasil é uma democracia com Poder Judiciário independente. Não cabe a Trump nem a nenhum outro mandatário criticar suas decisões. Bolsonaro não pode ser julgado pelos eleitores porque está inelegível, tampouco é vítima de caça às bruxas. É réu em processo no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de ser o líder de uma tentativa de golpe de Estado com o objetivo de impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Em depoimento no mês passado, confirmou os fatos comprometedores apurados na investigação exaustiva da Polícia Federal. Tudo tem corrido dentro das regras democráticas – ou das “quatro linhas” da Constituição, como o próprio Bolsonaro costuma dizer. Não faz nenhum sentido insinuar perseguição política.

As declarações de Trump refletem o tipo de líder que ele é: alguém guiado por preferências pessoais e ideologia, em vez de por preocupações institucionais e pelos interesses de seu país. Nisso não é diferente do próprio Bolsonaro, tantas vezes acusado de usar o Estado e seus braços em benefício próprio. Nem de Lula que, embora tenha criticado Trump com veemência, comete erros semelhantes quando se trata de agradar aos “companheiros” com quem tem afinidade ideológica.

O episódio mais recente dessa faceta de Lula foi sua visita, na semana passada, à ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner, que cumpre pena de prisão domiciliar depois de ser condenada por corrupção. Como a mensagem de Trump, a visita em si já era um desrespeito à Justiça argentina. Mas Lula foi além. Ao lado do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, posou para foto com um cartaz “Cristina libre”. Uma lógica torta semelhante rege o apoio de Trump a Bolsonaro.

Para além de inflamar a militância, na prática as declarações de Trump são inócuas. Integrantes do STF ouvidos pelo GLOBO disseram que fazem parte de uma agenda política e não terão nenhum impacto no julgamento de Bolsonaro. Todas as regras do processo legal têm sido cumpridas à risca. Bolsonaro e demais réus têm tido direito a ampla defesa. Nem poderia ser diferente. Trump pode falar o que quiser, mas o Brasil é um país soberano, e as instituições brasileiras têm se mostrado consistentes na defesa da Constituição. O julgamento de Bolsonaro e outros réus seguirá seu rumo, para além de qualquer opinião estapafúrdia de quem quer que seja. Como deve ser numa democracia.

Custo crescente da saúde torna mais urgente o ajuste fiscal

Valor Econômico

O crescimento da necessidade de financiamento das ações de saúde tende a comprometer já em 2026 o teto de despesas do arcabouço fiscal

Um estudo recente da Instituição Fiscal Independente (IFI) sobre os crescentes custos para prover serviços de saúde à população mostra como, para além de garantir a sustentabilidade da dívida governamental, o ajuste das contas públicas é urgente para assegurar o acesso da população a serviços básicos.

Os limites orçamentários já se impõem no curto prazo. O crescimento da necessidade de financiamento das ações de saúde tende a comprometer já em 2026 o teto de despesas do arcabouço fiscal, se não houver cortes em outras áreas ou o governo não usar artifícios que, na prática, contenham as despesas efetivas nessa área essencial.

O quadro tende a se tornar mais dramático ao longo do tempo, refletindo o envelhecimento da população, a necessária ampliação de serviços às parcelas hoje desatendidas e a alta dos custos de saúde provocada pela adoção de novas tecnologias.

Muitas vezes, o tema da responsabilidade fiscal é tratado apenas sob o ponto de vista da solvência do governo. É compreensível: com uma dívida bruta crescente, que já se encontra em 76,1% do Produto Interno Bruto (PIB), nada parece mais urgente do que o seu controle. Uma política fiscal responsável é essencial para permitir a queda dos juros, que superam 7% ao ano em termos reais, e abrir espaço para o setor privado investir.

Mas a sustentabilidade fiscal também significa manter as contas públicas sob controle — fazendo escolhas difíceis do lado das despesas, por meio de reformas estruturais — para garantir a continuidade, ao longo do tempo, de políticas públicas fundamentais.

O relatório da IFI faz diversas simulações sobre a evolução das despesas com a saúde nos próximos 45 anos, cobrindo o período de 2025 a 2070. No geral, o documento adota premissas bem conservadoras, como a estimativa de um crescimento real de longo prazo da economia de 2,1%, acima do desempenho das últimas décadas.

Também adota como ponto de partida o nível atual de despesas governamentais, que é inferior ao dos demais países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Embora o Brasil gaste o equivalente a 9,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde, acima da média de 9,2% das demais economias, a despesa per capita é bem inferior. Os gastos brasileiros somam US$ 1.573 per capita, ante US$ 4.986 nas demais economias da OCDE.

A partir da Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde universalizou o acesso ao atendimento a toda a população. Mas, apesar do aumento das despesas no Brasil, apenas 45% delas são feitas pelo setor público, ante uma média de 76% entre os países da OCDE.

Um exercício contrafactual do estudo mostra que, se o Brasil fosse ampliar o nível de atendimento para igualar ao dos demais países da OCDE, o gasto total com saúde deveria subir a 19% do PIB. Isso significa que, já nas condições atuais, a saúde está subfinanciada no Brasil, comparando com outros países. Nas próximas décadas, há um risco de a situação se agravar se o país não fizer as escolhas adequadas sobre como alocar os recursos orçamentários.

O estudo, de autoria do analista da IFI Alessandro Casalecchi, assume a hipótese de manutenção do padrão de gasto atual — e verifica o que vai acontecer com essa rubrica orçamentária ao longo do tempo, comparando-a com os limites do arcabouço fiscal.

Os cálculos indicam que, nos próximos dez anos, as necessidades de financiamento da saúde tendem a aumentar a uma velocidade média de 3,9% ao ano acima da inflação. Isso significa um acréscimo médio real de R$ 10 bilhões na despesa. Já o arcabouço fiscal admite uma expansão anual de 2,5% nas despesas totais, também em termos reais. Isso faz com que, para acomodar os gastos necessários com saúde, será preciso conter outras despesas.

O estudo mostra, de forma contraintuitiva, que a demografia não é o principal fator de pressão nas despesas com saúde. O envelhecimento da população pressiona, sim, as despesas, já que os gastos com atendimento ambulatorial, hospitalização e cuidados tendem a aumentar. Mas, como mostra a experiência de outros países, a taxa de expansão não é exponencial. Além disso, a população brasileira terá um pico previsto para 2047 e, a partir daí, entrará em declínio.

A fonte de pressão mais importante é o aumento de custos provocado pela adoção de novas tecnologias, que já vem afetando a inflação da saúde. A média da diferença entre o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e o Fipe Saúde foi de 1,27 ponto percentual entre 2004 e 2015, período mais estável. Mais recentemente, refletindo a pandemia, subiu a 2,82 pontos percentuais, de 2022 a 2024.

Como discutido no próprio estudo, as novas tecnologias podem ter efeitos ambíguos nos custos da saúde. Inovações como o atendimento remoto ou o uso de inteligência artificial podem baratear alguns procedimentos. Por isso, nas suas estimativas, o estudo usa uma taxa mais conservadora, supondo que a inflação da saúde supere o índice de preços em apenas 1 ponto percentual. Apesar de todos os cuidados e ponderações, porém, os resultados mostram que os gastos com saúde serão crescentes.

A IFI, com seu estudo, apenas cumpre a sua função de apresentar cenários, sem propor soluções ou entrar no mérito das escolhas que governo e Congresso devem fazer. Essa é uma discussão inadiável.

Um ponto essencial é que o estudo assume como premissa a manutenção do atual arcabouço fiscal — que, em si, leva a uma consolidação muito lenta das despesas, num ritmo aquém do que seria necessário para reconquistar a confiança dos investidores na solvência da dívida pública.

A má condução orçamentária já vem comprometendo a gestão pública, e seus efeitos tendem a se agravar. Limitada pelo pouco apetite do governo e do Congresso por um ajuste fiscal genuíno, a estratégia atual consiste em enviar orçamentos fiscais irrealistas ao Congresso para, no exercício seguinte, fazer o controle das despesas na boca do caixa.

Isso já causa transtornos, com o contingenciamento de despesas de agências regulatórias, que inviabiliza atividades essenciais do Estado. Será preciso adotar soluções estruturais — definindo onde, como e quando gastar — para garantir solvência do governo e manter suas atividades e políticas sociais essenciais.

Problemas do presidencialismo não isentam Lula de erros

Folha de S. Paulo

Crise do IOF reflete fortalecimento sem responsabilidade do Congresso, mas também ações do petista que dificultam governo

A recente crise entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Congresso Nacional, para a qual foi arrastado o Supremo Tribunal Federal (STF), avivou um proveitoso debate acerca dos problemas do presidencialismo brasileiro.

Governar o Brasil decerto não é fácil. Normas permissivas trazidas pela redemocratização levaram a uma proliferação de partidos políticos com assento no Congresso, o que obriga o presidente da República a formar coalizões amplas para conseguir maiorias, em geral por meio da distribuição de cargos e verbas.

Nos últimos anos, o Parlamento assumiu maior protagonismo na agenda nacional e controle exagerado sobre recursos do Orçamento, tornando-se menos dependente de barganhas com o Planalto —sem, no entanto, arcar com responsabilidades proporcionais às novas prerrogativas.

Como resumiu o cientista político Marcus André Melo, em sua coluna na Folha, há duas leituras rivais sobre o atual impasse entre governo e Legislativo em torno da elevação do IOFora levado para a arbitragem do Supremo.

Uma sustenta que o presidencialismo de coalizão tornou-se disfuncional com o enfraquecimento do Executivo; outra, sem negar as transformações do presidencialismo no país, dá maior ênfase à gestão deficiente da coalizão atual —em particular a recusa do PT em compartilhar poder decisório com os partidos aliados.

De fato, como já apontou este jornal, não contribui para a solidez da aliança que um partido com meros 13% dos assentos no Congresso tome para si quase um terço dos ministérios do governo, aí incluídos Fazenda, Casa Civil, Relações Institucionais, Desenvolvimento Social, Saúde e Educação, deixando para os parceiros quase só pastas periféricas.

Essa desproporcionalidade faz ainda menos sentido no caso de um presidente eleito por margem minúscula de votos e taxas de aprovação popular que caíram de modestas para baixas.

Há mais, contudo. Desde a campanha eleitoral, era evidente a inconsistência dos planos de Lula para seu terceiro mandato, em especial na área decisiva da economia. O resultado foram poucas ideias além de ressuscitar programas e bandeiras petistas, investir inutilmente contra reformas aprovadas em outros governos e promover uma elevação brutal de gastos públicos.

A alta do IOF —agora convertida de modo farsesco em cruzada por justiça social— foi de início apenas medida canhestra para lidar com as consequências das más escolhas econômicas, que impulsionaram a inflação, os juros e a dívida pública.

Empecilhos anômalos à governabilidade devem ser enfrentados. O número de partidos tem caído graças a providências como a cláusula de desempenho. O avanço das emendas parlamentares precisa ser contido. Inexiste, de todo modo, sistema político imune a falhas de funcionamento. Aqui, Lula nem mesmo pode dizer que as desconhecia.

Há mais a ajustar nos planos de saúde

Folha de S. Paulo

Novas regras facilitam proteção do usuário, mas ainda não resolvem problemas como excesso de regulação e judicialização

São bem-vindas as novas regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para planos de saúde. Entre as mudanças estão a obrigatoriedade de a operadora esclarecer por escrito a razão para recusar uma cobertura e o estabelecimento de prazos mais curtos para respostas conclusivas às solicitações.

São medidas que facilitam a defesa do consumidor. Não há nada mais cruel do que uma longa espera quando a vida está em jogo.

As novas normas, contudo, ainda estão aquém do necessário para melhorar o sistema, que segue trajetória pouco sustentável.

Em alguns casos, há regulação demais. Os planos individuais têm coberturas e reajustes tão severamente controlados pela ANS que tal produto praticamente desapareceu do mercado.

As operadoras fazem o possível para que novos contratos se deem na modalidade de planos coletivos, empresariais ou por adesão, nos quais têm mais liberdade para negociar, além da possibilidade de rescindir o trato se julgarem que há prejuízo —basta um aviso prévio de 60 dias.

Quando o segurado adere por meio de uma entidade de classe ou de um grande empregador, com boa capacidade de negociação, até consegue algumas proteções. Mas muitos não se qualificam para esses contratos e se veem compelidos a criar empresas fictícias para adquirir um plano.

É sobre esse contingente que as operadoras impõem cláusulas draconianas e reajustes imprevisíveis, que o cliente não tem como recusar ou modificar. Para esses, há regulação de menos.

Seria preciso encontrar um ponto ótimo que preserve tanto a viabilidade econômica dos planos quanto os direitos fundamentais de pacientes e que evite a proliferação de tantas modalidades.

Quem precisa de um plano deveria obtê-lo usando só seu CPF, sem ter de recorrer a associações e sindicatos ou criar um CNPJ.

Planos de saúde combinam poupança (para consultas e exames rotineiros) com seguro (para situações mais raras, como acidentes e cirurgias complexas). As probabilidades desses eventos são, em princípio, mensuráveis.

Por óbvio, é necessário que haja previsibilidade para o cálculo atuarial funcionar. Por isso é fundamental conter as fraudes, que atingiram alto nível de profissionalização, a judicialização que amplia coberturas para além do que foi contratado e as benesses que o Congresso e a ANS não cessam de incorporar aos planos.

É sempre possível incluir mais coberturas, claro. Nesse caso, entretanto, não faz sentido reclamar dos aumentos de mensalidade muito acima da inflação.

O Estado contra o cidadão

O Estado de S. Paulo

Assassinato do marceneiro Guilherme Ferreira escancara não só o despreparo da PM paulista, como a falência de um modelo de segurança que adota a barbárie como padrão de atuação policial

Numa democracia liberal, como é a brasileira, presume-se que as leis e as instituições sirvam para proteger os cidadãos do arbítrio do Estado. No entanto, a julgar pelo ultrajante caso de um rapaz negro assassinado em São Paulo por um policial militar que o confundiu com um assaltante só porque a vítima corria para pegar um ônibus depois do trabalho, alguns cidadãos, a depender da cor da pele e da condição financeira, estão totalmente à mercê de um Estado que não os reconhece como titulares de direitos. Para o marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos, a democracia liberal não existe.

Tudo nesse caso prova a seletividade do aparato estatal na aplicação das leis e dos princípios constitucionais. Primeiro, o policial militar que atirou contra Guilherme, o cabo Fabio de Almeida, que estava de folga, aparentemente contrariou todos os manuais de conduta policial numa sociedade que se presume civilizada. Conforme se vê nas abundantes e claras imagens disponíveis, o agente não pretendia prender ninguém, e sim executar aquele que julgava ter tentado roubar sua moto momentos antes. Mesmo que tivesse sido o caso, isto é, mesmo que o marceneiro tivesse realmente tentado roubar sua moto, o cabo da PM não poderia ter atirado num suspeito desarmado. Num Estado em que prevalece a presunção de inocência, o braço armado desse mesmo Estado deve prender o suspeito, e não o executar com um tiro na cabeça no meio da rua.

Mas a violência estatal contra o cidadão Guilherme Ferreira não parou aí. Conduzido a uma delegacia, o cabo Fabio de Almeida contou com a gentileza do delegado Kauê Danillo Granatta, do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa da Polícia Civil, que resolveu tipificar o crime, pasme o leitor, como “homicídio culposo”, cuja pena é de detenção de um a três anos. Por essa razão, o policial militar foi solto após pagar fiança no valor de R$ 6,5 mil. Não se pode condenar quem veja nessa esdrúxula tipificação – afinal, o erro sobre a pessoa não exclui o dolo – uma manobra de acobertamento. Um Estado em que criminosos que vestem farda são protegidos não é um Estado nem liberal nem democrático. É um Estado falido, em que prevalecem as relações pessoais e o poder do mais forte.

Embora tenha sido um caso de flagrante abuso policial, coroado por uma inaceitável tipificação do crime, nem o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, nem seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, se pronunciaram, passados dias do acontecido – seja para confortar a família da vítima, seja para cobrar punição exemplar, seja para prometer alguma providência para que isso não se repita. Silêncio absoluto.

Essa talvez seja a pior forma de violência do Estado contra seus cidadãos: tratá-los como se fossem indignos até mesmo de algumas palavras de pesar quando morrem pelas mãos de seus agentes, enquanto estes gozam de impunidade escandalosa. Tal comportamento espelha uma visão absolutamente distorcida do que vem a ser segurança pública.

De uns anos para cá, aos olhos de alguns policiais de São Paulo, se um homem negro, como era Guilherme Ferreira, correr na rua, automaticamente passa a ser suspeito de algum crime, fazendo letra morta do princípio constitucional da presunção de inocência. O homicídio de mais um inocente praticado por um policial lança luz, é claro, sobre o despreparo técnico e emocional de alguns integrantes da PM paulista, outrora conhecida como a mais bem equipada e treinada do País. Longe de representar um lamentável erro episódico, a morte do trabalhador é o corolário trágico de uma construção institucional, e não só fruto do livre-arbítrio do guarda na esquina.

Se a PM de São Paulo passou a agir de modo truculento e fatalmente inconsequente, sob o signo de um espírito de valorização da violência e desprezo pela vida humana, é porque muitos policiais passaram a se sentir autorizados a agir assim por seus superiores – a começar pelo secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite.

Do irremediável sr. Derrite não há mais o que dizer, e é incrível que ainda esteja no cargo. Já do sr. governador, que se apresenta como um democrata, esperava-se mais.

O bode expiatório dos Correios

O Estado de S. Paulo

Presidente dos Correios deve cair após prejuízo e pedido de socorro bilionário ao Tesouro, mas é difícil acreditar que o executivo tenha feito algo sem o conhecimento e o aval de Lula da Silva

O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, entregou sua carta de demissão na semana passada. O pedido ainda será analisado pelo presidente Lula da Silva, mas sua renúncia se tornou questão de tempo depois que a empresa registrou um prejuízo de R$ 1,7 bilhão no primeiro trimestre deste ano. Seria fácil culpar Fabiano Silva dos Santos por um resultado tão desastroso – e, em última instância, a responsabilidade é mesmo do presidente da empresa –, mas também seria incoerente, pois, não faz muito tempo, o governo defendeu sua atuação.

Em janeiro, a ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, deu uma entrevista coletiva para justificar o estrondoso déficit de R$ 6,7 bilhões registrado pelas empresas estatais federais que não dependem do Tesouro Nacional para se sustentar. Desse total, os Correios foram responsáveis por R$ 3,1 bilhões. À época, a ministra, ao lado de Fabiano, diminuiu a importância do rombo. Segundo ela, os Correios estavam com um plano de investimentos em curso para ampliar sua presença no mercado e em breve retomariam sua trajetória positiva.

Mais que uma promessa, era puro devaneio. O problema dos Correios era bem maior do que o governo estava disposto a admitir. A culpa não foi apenas da famosa “taxa das blusinhas”, que o governo impôs sobre importações de produtos chineses baratos e que, de fato, teve impacto no faturamento. Tampouco foi o custo de manutenção dos milhares de imóveis que a empresa tem em todo o País. A questão central é que as receitas da empresa simplesmente não são suficientes para arcar com o tamanho de suas despesas, e isso não se reverteria mesmo que os Correios investissem pesadamente em tecnologia, logística e centros de distribuição para disputar o mercado com concorrentes de peso.

A vacância da presidência dos Correios será politicamente útil neste momento. Aparentemente, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, enxerga na saída de Fabiano uma chance de posar de fiscalista. Teria partido dele a exigência de que os Correios adotassem o plano de reestruturação ao qual Fabiano demonstrou resistência. É de perguntar por que o mesmo governo concordou com a realização de um concurso público dos Correios no fim do ano passado. Também cabe questionar se o Executivo acha mesmo que fechar algumas agências, vender imóveis e abrir programas de demissão voluntária, como quer Rui Costa, vai salvar a empresa.

O mais provável é que o erro de Fabiano tenha sido a admissão de que os Correios precisarão de um aporte bilionário para conseguir se sustentar neste ano e no próximo, como revelou a Folha de S.Paulo. É o tipo de notícia da qual o governo Lula da Silva não precisava neste momento, pois evidencia que nada mudou na visão que o PT tem sobre o papel das empresas públicas na economia.

Tidas pelo lulopetismo como um vetor do desenvolvimento, as estatais são estimuladas a gastar muito além de suas possibilidades, independentemente dos resultados financeiros. Mas há uma diferença considerável entre não dar lucro e gerar um prejuízo bilionário. Em uma empresa privada, isso seria intolerável para os acionistas e o Conselho de Administração. Em uma empresa pública, no entanto, o PT avalia que é obrigação do governo socorrê-la com dinheiro do contribuinte.

O pior é que, na situação em que os Correios estão, nem mesmo um aporte bilionário pode ser suficiente. Se o dinheiro for utilizado para bancar despesas correntes, a empresa passará a ser dependente do Tesouro Nacional. E para fazer isso sem descumprir as regras fiscais, o Executivo teria de cortar R$ 20 bilhões para incorporar todos os gastos da empresa ao Orçamento-Geral da União, o que não parece crível para um governo que faz malabarismos para tentar cumprir a meta de déficit fiscal zero neste ano.

É difícil acreditar que Fabiano Silva dos Santos, advogado que participou da equipe de transição do governo e que está à frente dos Correios desde janeiro de 2023, tenha feito algo na empresa sem o conhecimento e o aval de Lula da Silva. Fato é que o insaciável presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), tem a pretensão de indicar um sucessor na empresa, e o governo precisa desesperadamente de um bode expiatório.

A arte de alienar parceiros

O Estado de S. Paulo

Com novo anúncio tarifário, Trump volta a demonstrar desprezo por aliados históricos

No mais recente capítulo de sua errática guerra tarifária, o presidente dos EUA, Donald Trump, enviou cartas a 14 países ameaçando impor tarifas de importação que variam de 25% a 40% a partir de 1.º de agosto. Entre os alvos estão parceiros históricos como Japão e Coreia do Sul.

Por meio da Truth Social, a rede social da qual é proprietário, Trump disparou missivas praticamente idênticas tratando como favor as ameaças que mais uma vez lança sobre países com os quais os EUA mantêm déficits comerciais – déficits que, na visão do presidente americano, são estratégias deliberadas dos parceiros comerciais para enfraquecer os EUA.

Pouco mais de três meses após o malfadado “Dia da Libertação”, no qual anunciou tarifas e prazos que já mudaram algumas vezes, boa parte das ações de Trump perdeu a credibilidade. São tantas as idas e vindas que o termo “Taco” (“Trump Always Chickens Out”, ou “Trump sempre amarela”) popularizou-se.

Mas se nem tudo, ou quase nada, que Trump diz pode ser comprado pelo valor de face, suas ações aparentemente desarrazoadas geram consequências, entre as quais volatilidade nos mercados globais e incertezas nas empresas, sobretudo as de menor porte, que apesar de empregarem milhões de pessoas mundo afora não conseguem lidar com o caos semeado por Trump com a mesma eficiência e agilidade que aquelas de maior porte.

Além disso, as constantes ameaças do presidente americano atropelam relações estratégicas forjadas ao longo de décadas com países que compartilhavam os valores ocidentais com os EUA.

É o caso do Japão, a quem Trump agora ameaça com tarifas de 25% e país com o qual os EUA mantêm uma sólida aliança desde o fim da 2.ª Guerra Mundial, que se estende do plano militar ao comercial.

Na visão limitada de Trump, uma relação entre países só é satisfatória quando os EUA têm superávit comercial. Como o Japão é um dos principais exportadores de veículos para os norte-americanos, merece ser punido, acredita Trump. O presidente americano, contudo, parece não ter levado em conta o papel crucial que o Japão desempenha na Ásia como contraponto à China – país que efetivamente ameaça os EUA na seara comercial.

Curiosamente, enquanto o Japão e outros aliados, como Coreia, Canadá e México, são tratados por Trump como países que prejudicam os EUA, a Rússia do ditador Vladimir Putin é uma das poucas nações que escaparam, até agora, da sanha tarifária do republicano.

Um dos pilares do Brics, a quem Trump agora ameaça com tarifas adicionais de importação de 10% (em algum momento a ameaça foi pior, de 100%), a Rússia é a grande ausente da confusão tarifária armada pelo republicano.

Quem sabe agora que se revelou “desapontado” com Putin, que, ora vejam, não se esforça para pôr fim à guerra na Ucrânia, Trump deixe de fustigar aliados e passe a jogar duro com os verdadeiros vilões.

Uma questão de soberania

O Povo (CE)

A preocupação de Washington é justamente a motivação do Brics: a construção de um mundo multipolar, em que o Sul Global tenha mais importância

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou ao responder com assertividade à tentativa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de intervir em temas internos do Brasil, um assunto que está sob julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Sem referir-se diretamente à Corte, mas cujo endereçamento não deixa dúvidas, Trump escreveu em uma rede social que "o Brasil está fazendo uma coisa terrível" com Jair Bolsonaro. Segundo essa interpretação bizarra, o ex-presidente seria perseguido, "dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano após ano! Ele não é culpado de nada, exceto por ter lutado pelo povo", escreveu Trump.

Em entrevista coletiva ao fim da cúpula do Brics, na segunda-feira, Lula disse que não ampliaria seus comentários, mas que não aceitaria "palpites" estrangeiros sobre assuntos internos.

Antes, ele já havia declarado que o Brasil é um país soberano, que não aceita interferência ou tutela "de quem quer que seja", acrescentando que "possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei, sobretudo os que atentam contra a liberdade e o estado de direito".

Breve retrospectiva lembra não ser esta a primeira vez que a Casa Branca interfere diretamente em um país soberano, intimidando inclusive com o uso da força militar. Trump já ameaçou "tomar" a Groenlândia (região autônoma da Dinamarca) e o Canal do Panamá, e também "anexar" o Canadá.

Várias ações de Trump demonstram disposição de executar o que ele verbaliza, contrariando a tese de que seria apenas uma "tática de negociação".

Assim, mesmo não estando presente na cúpula do Brics — os Estados Unidos não fazem parte do bloco —, Trump terminou sendo uma das principais pautas da cúpula, ao fazer ataques diretos ao grupo. Ele ameaçou com taxação de 10% os produtos de países que se alinharem "às políticas antiamericanas do Brics".

O presidente Lula reagiu dizendo não ser "correto" que Trump ameace países pela internet — e que o mundo não precisa de um "imperador". A China avisou que "as tarifas não devem ser usadas como ferramenta de correção e pressão" — e que o Brics defende a "cooperação ganha-ganha".

Os integrantes do grupo reafirmaram que o seu propósito é defender a cooperação multilateral, e que o grupo não se caracteriza como anti-Ocidente ou antiamericano, mas tem como objetivo fortalecer a liderança dos países emergentes.

Mas tudo indica que os ataques de Trump ao Brics — como ele faz com todos os organismos multilaterais —, são de tal monta que tornará difícil a convivência entre o bloco e os EUA. A preocupação de Washington é justamente a motivação do Brics: a construção de um mundo multipolar, em que o Sul Global tenha mais importância.


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