terça-feira, 15 de julho de 2025

Tarifas e o teste das lideranças - Míriam Leitão

O Globo

Na hora das crises, os líderes se revelam. O governador de São Paulo tem errado desde o começo no caso das tarifas de Trump

A qualidade de uma liderança se vê na primeira reação, não naquela em que tenta consertar o estrago. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, num primeiro momento aprovou a ameaça feita por Donald Trump. Quando foram anunciadas as tarifas ele ficou em silêncio e só depois tem tentado corrigir. Ele governa o estado que terá o maior prejuízo com as tarifas de 50% imposta pelos Estados Unidos. As exportações brasileiras podem ficar inviáveis e isso afeta muito as indústrias, as empresas do agronegócio e os exportadores, muitos deles de São Paulo.

Quando Tarcísio colocou o boné ele já estava errando, porque a ideia de Trump (Make America Great Again) era crescer em detrimento dos outros países. Ele havia ameaçado guerra tributária e impor sua força, inclusive militar, contra outras nações. Um líder assumir o bordão do nacionalismo alheio é sempre ruim, mas quando nele se embute uma ameaça aos outros países, inclusive ao nosso, é ainda mais temerário.

Hesitações não cabem em hora tão extrema. Como agora quando a maior economia do mundo anuncia sanções contra o país. São sanções econômicas com objetivos políticos. O fato de terem sido anunciadas para supostamente beneficiar o campo político do governador não significa que sejam boas para o país. Ele não soube separar. A ameaça de Trump, feita na véspera do anúncio das medidas, foi saudada por Tarcísio em post em que dizia: “com a palavra o presidente Donald Trump”. E, em seguida, afirmava que Jair Bolsonaro deveria ser julgado somente pelo povo brasileiro durante as eleições. Então o governador de São Paulo acha que o STF está perseguindo o ex-presidente?

Ele quer agradar a extrema direita. Mas aí ele tem que saber o que está perdendo. Mesmo gostando muito de Bolsonaro e acreditando em sua inocência, a despeito das fortes provas da conspiração para um golpe de Estado, o governador de São Paulo não pode achar boa a ameaça de um governante estrangeiro que vai prejudicar a economia do seu estado.

Num segundo momento tentou culpar o governo Lula dizendo que ele “agrediu o maior investidor direto do Brasil”. Quando mesmo? Trump tem sido o agressor sempre e de vários países. Em seguida, Tarcísio tentou substituir o governo federal e se reuniu com o encarregado de negócios dos Estados Unidos no Brasil. Foi oportunista, se algo avançar dirá que foi ele quem conseguiu.

A direita é a grande perdedora nessa situação, mas não há um vencedor. Quando a economia sentir o impacto, é o incumbente que responde. E vai sentir se a medida for aplicada. A economia já apresenta sinais de desaceleração, pelo choque de juros e agora sentirá o efeito da incerteza. Exportadores do agro não têm condições de ficar esperando. Muitos produtos são altamente perecíveis, como frutas. E neste momento fazer o quê? Embarcar suas mercadorias? Os contratos serão mantidos?

É um erro achar que não vai ter grande impacto porque a exportação para os Estados Unidos é só 2% do PIB brasileiro. Essa medida gera um ambiente paralisante na economia e um efeito que se propaga. Produtos não serão exportados, a produção será paralisada, os contratos com os fornecedores suspensos, as dívidas não serão pagas, pessoas serão demitidas. A economia não é número, é processo. Toda a economia será atingida.

O que o governo tem que fazer é o que está fazendo. Conversar com os setores, ver a situação de cada um, procurar aliados nos Estados Unidos, que são os importadores. Retaliação em bens de consumo seria um tiro no pé porque alimentaria a inflação, que é o problema que o Brasil está tentando debelar. A diplomacia brasileira tem tentado negociar desde o começo, junto ao escritório comercial da Casa Branca e em nível ministerial. Há detalhamentos que podem ser feitos, como a redução da alíquota para o etanol em troca da redução da tarifa deles para o açúcar brasileiro.

Mas o governo americano,no momento, não é um governo normal. E a prova é essa “carta” pública de Trump dando ordens ao STF brasileiro, desconhecendo fatos elementares como os números do comércio, ou o funcionamento dos Poderes no Brasil. O mundo está lidando com um governante autoritário, arrogante e imprevisível, liderando a maior economia do mundo. Isso não traz ganhos para ninguém. Mas aqui dentro, as lideranças estão sendo testadas. E muitas estão se saindo mal no teste, a começar pelo governador Tarcísio de Freitas.

 

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