Pode ser circunstancial, mas merece registro o sucesso da coordenação política do governo no Congresso, passados os sustos de junho e julho. Como sempre, há uma cadeia de eventos para explicar como a presidente Dilma Rousseff começou a ganhar votações consideradas perdidas como é o caso do veto ao fim da multa adicional de 10% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), nas demissões sem justa causa. Já é o segundo lote de vetos mantidos, votados de acordo com a nova sistemática imposta pelos congressistas.
Dentre os motivos básicos para o aumento da eficiência governamental no Congresso, três devem ser destacados: a mudança de comportamento da presidente da República, Dilma Rousseff, na relação com os congressistas; a utilização competente do regimento interno por seus líderes partidários e a hábil manipulação que o Palácio do Planalto faz da divisão interna do PMDB. A presidente se acerta politicamente com o presidente do Senado, Renan Calheiros, enquanto controla eventuais danos na Câmara com o regimento na mão.
Como se disse, pode ser circunstancial e não quer dizer que a atual configuração vá até o final do mandato de Dilma, mas hoje o governo detém o controle político do Congresso, como demonstram as vitórias nas votações dos vetos presidenciais. Algumas vezes negociando com o Senado para isolar a Câmara. Em outras, recorrendo a instrumentos como as comissões mistas para tratar de assuntos de seu interesse diretamente no plenário.
A agenda do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, sempre sujeita a todo tipo de pressão corporativa, de impacto econômico considerável e danoso, na opinião do governo, é uma das barreiras que o governo tem conseguido contornar. Exemplos: a concessão de aposentadorias especiais, como a de garçom, se abrir para uma categoria, por que não para as outras? Existe também a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de carreira única para o Judiciário. Aprovada, fortalecerá reivindicação da categoria judiciária de um novo plano de carreira, com efeito cascata nos Estados. A curto, médio ou longo prazos. É uma senha.
Há o fim do fator previdenciário. O governo está refazendo o projeto, mas essa é uma matéria cuja simples menção causa calafrio no mercado. Junto a isso há uma série de PECs que de alguma forma praticamente estabelecem novos planos de carreira. É o caso da PEC 300, que estabelece um piso nacional para policiais militares e bombeiros. Há propostas para criação da polícia penitenciária e da polícia hidroviária. São todos projetos com repercussão sobre a economia.
O recurso do governo para controlar a Câmara são os pedidos de urgência constitucional. No final do primeiro para o segundo semestre, o Palácio do Planalto se programou para pedir urgência a projetos difíceis de serem votados devido a variedade de interesses parlamentares em jogo. O Código de Mineração, cuja urgência foi retirada ontem, é um desses casos. Mas há também pedido em relação ao projeto que trata das entidades filantrópicas, as Santas Casas, o que também não é matéria de fácil trato para os congressistas.
O governo monitora a pauta da Câmara muito menos pelo conteúdo dos projetos para os quais há pedido de urgência - depois de determinado tempo eles apenas trancam a pauta de votação -, e muito mais como uma medida de controle da tramitação de outros projetos cuja aprovação poderiam causar problemas para a economia.
A coordenação política lança mão também de um outro recurso para contornar assuntos problemáticos que surjam na Câmara: tomar iniciativa semelhante no Senado. Quer dizer que os senadores ficam com a última palavra sobre a proposta. Isso pode ser visto na proposta de minirreforma eleitoral e no projeto de regulamentação da PEC das domésticas, matéria que trata de renúncia fiscal, assunto sempre muito sensível para o governo. Para os dois casos foram criadas alternativas no Senado.
A Comissão Mista de Consolidação de Leis e Dispositivos Constitucionais, integrada por senadores e deputados, é outro meio empregado. Dessa comissão saiu o projeto que regulamenta a lei das domésticas, a proposta sobre direitos autorais - já aprovada- e a regulamentação da eleição indireta em caso de vacância da Presidência da República, a menos de dois anos do fim do mandato. As comissões mistas tiram as duas Casas do debate, porque os projetos são enviados diretamente para a votação no plenário, sem o debate de instâncias tradicionais. Não deixa de ser também uma maneira de resolver sem depender muito da Câmara.
Nos idos de junho, na reunião que os presidentes da Câmara e do Senado tiveram com Dilma Rousseff, ambos reivindicaram menos edição de medidas provisórias. Dilma prometeu e cumpriu: o índice de edição de MPs dela é um dos menores dos últimos presidentes da República. Mas tanto Henrique Eduardo Alves como Renan Calheiros estão pagando o preço de um pedido que talvez fizeram sem muita análise: a urgência constitucional trava mais a pauta do que as medidas provisórias.
A urgência constitucional tem mais eficácia no trancamento das pautas do Senado e da Câmara, desde que o atual vice-presidente Michel Temer, à época presidente da Câmara, limitou os casos em que uma MP travaria as demais votações a propostas sobre assuntos que podem ser objeto dessas medidas. A urgência constitucional trava a pauta, depois de determinado período, de qualquer tipo de matéria.
O governo acordou tardiamente, talvez com o susto de junho, mas organizou seu time no Congresso. Em junho e julho foram votados muitas projetos de impacto, no calor das manifestações populares. O repique veio com o começo de agosto, a chamada segunda onda, mais crítica, quando se passou a avaliar que foram votadas muitas propostas sem definição da origem dos recursos.
Fonte: Valor Econômico
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