Somos
um país rico por natureza, e pobre por escolha
Sigo
achando que no espaço de uma geração não iremos produzir tênis mais baratos que
a China, tampouco componentes eletrônicos mais competitivos que Taiwan. Mas
sigo também acreditando que nenhum outro país no planeta tem o potencial
natural que o nosso.
Somos
um país rico por natureza, e pobre por
escolha. Assim sendo, já está mais do que na hora de entendermos que pensar
verde, além de fazer bem para nossa consciência, fará ainda mais pelos nossos
bolsos. Já cheguei a tratar deste tema em outro
artigo aqui nesta Folha,
mas o noticiário e a conjuntura exigem que o debate vá adiante.
Minha
curiosidade se divide entre os dois séculos e de tudo o que o mundo passou
nestas últimas décadas.
Acabo
de ler o livro “Brasil, Paraíso Restaurável”, de Jorge Caldeira, Julia
Marisa Sekula e Luana Schabib. Ele traz posições que permitem ampliar
ainda mais o pensamento do futuro do Brasil como potência verde.
Está
claro que a bússola mudou depressa na virada do milênio.
Duas
décadas atrás, as nações guiavam-se pelas metas de crescimento da produção.
Aprendemos a medir sucesso ou insucesso na economia por meio das taxas
de crescimento do PIB.
Hoje
muito se discute se esta métrica já não deveria ter ficado no século passado.
Ainda não temos algo confiável e aceito por todas as economias do planeta como
um marcador mais moderno, mais conectado com os anseios e necessidades das
sociedades, países e do planeta como um todo. Mas vale registrar o que já esta
acontecendo —e refletir sobre isso.
Na
Alemanha, por exemplo, o rumo mudou de norte em 2005, quando o governo passou a
perseguir o objetivo central de transitar para uma economia limpa. Desde então,
todo o planejamento estratégico do país é montado para cumprir metas
quantitativas relacionadas a combater o aquecimento
global. A União Europeia passou a seguir o modelo a partir de 2007.
O
crescimento da produção não foi esquecido. Mas foi inteiramente subordinado ao
Plano 20-20-20: 20% de aumento na produção de energia renovável; 20% de
diminuição no consumo de energia; 20% menos emissões de gases de efeito estufa.
A
meta, adotada em 2007, foi cumprida antes do prazo de 2020. Neste ano, em plena
crise da Covid, foi substituída por outra, ainda mais ambiciosa: o Green Deal.
Esta meta central da União Europeia já não é apenas um instrumento de
planejamento. Foram alocados 2 trilhões de euros —todo o plano de ajuda
econômica para vencer a recessão— como instrumento para se alcançar uma
economia sem emissões positivas em 2050.
Em
pouquíssimas palavras: o futuro da economia da União Europeia está sendo
associado à criação
de uma economia limpa. Todo o dinheiro, todo o esforço econômico, toda a política
social, todo o desenho de organização do mercado.
Mas
isso não é só um fenômeno europeu. Vejamos a China. Se nas últimas décadas foi
a grande vilã no litígio produção versus sustentabilidade, ela tem agora um
objetivo central da ação econômica a que chamaram de “Uma Civilização
Ecológica”.
O
objetivo norteia o Plano Quinquenal 2016/2021, que centraliza a ação interna do
governo: 10 das 13 grandes metas nacionais estão relacionadas ao meio ambiente.
Já a política externa tem como norte o programa intitulado “Cinturão e Rota” –
com o objetivo central de levar ao mundo a civilização proposta.
Essa
nova bússola de grandes governos mostrou-se capaz de dar suporte a uma
monumental mudança na avaliação para alocação de capitais privados, em escala
planetária. A estimativa atual é a de que existe algo em torno de US$ 30
trilhões (cem vezes as reservas brasileiras) de investimentos privados que só
podem ser aplicados em projetos que levem ao equilíbrio ambiental.
O
roteiro para aplicação tem o nome de cláusulas
ESG (Environmental, Social, Good Governance –Ambiental, Social e Boa
Governança, em português). É acatado pelos maiores fundos de pensão,
seguradoras, grandes fundos de investimento – e por uma infinidade de bancos e
empresas. Todos optando voluntariamente por aportar dinheiro segundo essas
cláusulas.
Os
frutos das aplicações na economia real são cada vez mais visíveis. A produção
de energia solar e eólica foi multiplicada por 150 entre 2000 e 2020. Neste
ano, por causa da recessão, a previsão é de que as fontes renováveis como um
todo superem o carvão –a fonte de energia mais comum desde o século 18, além de
ser a mais poluente– na matriz elétrica mundial.
Nos
Estados Unidos a mudança para o planejamento estratégico a partir de metas
ambientais foi já adotada em 24 estados. O governo federal, sob Donald Trump,
ficou de fora. Mas vale notar que o ponto número um do programa do candidato
democrata Joe Biden é fazer exatamente o mesmo que a União Europeia e a China
fazem.
E
o Brasil? O país vive de opostos. De um lado é o país onde a natureza produz
mais vida no mundo —e onde, ao longo dos séculos, empresários, empreendedores e
pessoas de todos os estratos sociais moldaram uma matriz energética que é a
mais limpa do mundo.
Do
outro, é o país mais distante da adoção das metas nacionais de transição para
uma economia limpa. O governo federal planeja e –pior– executa na direção
contrária. Governos estaduais hesitam em abraçar essa agenda. Os candidatos a
prefeito deveriam ter em seus programas como efetivamente pretendem melhorar a
situação ambiental de sua cidade —mas em geral não têm.
Andamos
na contramão do mundo por gosto, não por precisão. Não na economia real, mas no
quadro institucional. A situação só não é pior porque, no setor privado, muitas
grandes empresas têm se movimentado, saído da inação para ações concretas na
tentativa de proteger nossa imagem mundo afora e a nossa economia.
Assim
estamos jogamos pela janela aquela que é uma oportunidade secular para avançar.
No século 19, nos faltou carvão. Na maior parte do século 20, nos faltou
petróleo. Não falta sol, nem vento, nem plantas que fornecem combustível que
não produz efeito estufa. Temos tudo para a economia do século 21.
A
matriz energética que a União Europeia, a China e, dependendo das eleições, os
Estados Unidos querem para 2050 pode ser alcançada no Brasil em menos de uma
década. O país tem a base real para ser a grande economia limpa do planeta.
Mas,
no ritmo que a banda toca, corremos um seríssimo risco de sermos enquadrados
pelas três maiores economias do mundo como um país irresponsável na luta pelo
equilíbrio ambiental. Nos últimos anos, detentores de grandes capitais vêm
tentando convencer as autoridades brasileiras que estão fazendo o pior negócio
do mundo ao chutar o dinheiro ESG. Se houver união dos governos das três
grandes economias nesse jogo de pressão, restrições mundiais à produção
brasileira entrarão muito depressa no horizonte.
Temos
de mudar, e mudar bem depressa. Não se trata de programa para um governo, mas
para a Nação. Um sonho maior, um plano de metas ambiental. De braços dados com
o melhor do setor privado para executar seu papel essencial para que a mudança
aconteça. Ecoar as boas ideias. Na União Europeia e no programa de Biden, o
investimento em transição ambiental surge como fonte de empregos e de uma
economia de serviços na área rural. De maior justiça social.
O
Estado brasileiro foi montado para resolver os problemas de desenvolvimento de
1950, concentrando capitais para grandes projetos. Este objetivo de futuro já
ruiu. Perdemos tempo, mas –graças à nossa natureza fértil, enorme potencial
energético renovável e diversidade de biomas– ainda temos oportunidade. Temos a
sorte ser donos de um passe fundamental para a nova era. Não podemos
desperdiçar. Precisamos mudar –pois nos interessa e nos orgulha– ou seremos
mudados à força e com vergonha.
Infelizmente
hoje o Brasil não lidera nenhuma agenda global, além da tragédia da Covid-19,
mas estou seguro de que, com uma mudança clara de caminho, podemos exercer mais
rápido que o período de uma geração o papel de grande Potência Verde do
planeta. Um país altamente produtivo, de fato comprometido com o meio ambiente
e gerando riquezas para combater suas desigualdades. Eu acredito.
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