Em
vez de batom, é dinheiro na cueca, mas o senador Chico Rodrigues não será
afastado pelo Senado nem pelo STF
A
semana passada começou com a canetada do ministro Marco Aurélio, que soltou o líder do
PCC André do Rap,
e terminou com uma outra liminar monocrática, do ministro Luís Roberto Barroso, afastando o
“senador da cueca” do mandato e abrindo uma crise entre Judiciário e
Legislativo. O presidente do STF, Luiz Fux, tem ou não razão em mirar o
excesso de decisões individuais?
Marco
Aurélio já beneficiou 79 presos com base na mesma lei que usou para André do
Rap e, segundo levantamento do Estadão,
o governo e os cidadãos brasileiros estão consumindo fortunas para recapturar 21 desses presos soltos na leva
marcoaureliana. O governador João Doria (SP) calcula gastos de R$ 2 milhões só
para André do Rap e desabafa: “Dá vontade de mandar a conta para o ministro!” E
não é que dá mesmo?
Aliás, o traficante ofereceu R$ 8 milhões de propina para os policiais que o prenderam, o que é um agravante. Imaginem a irritação desses policiais com todo seu esforço jogado fora e um sujeito deste tipo solto por aí, no bem-bom.
De
útil, esse erro serviu para acordar a opinião pública para decisões idênticas
que vinham se repetindo; ratificar a posição de Fux ao derrubar a liminar de
Marco Aurélio; avisar ao mesmo Fux que presidentes não estão acima dos demais e
só agem assim em casos excepcionais; abrir o debate sobre a avalanche de
decisões individuais num tribunal de 11 votos.
O
efeito prático, porém, foi jogar luzes no artigo 316 do Código Penal. Ao
contrário do que se imagina, e até com boas razões, a intenção do legislador
não foi beneficiar corruptos e bandidos como André do Rap, mas sim trazer uma
solução para um problema crônico: os mais de 200 mil brasileiros que neste
momento estão presos provisoriamente, muitos indevida ou até injustamente. O
objetivo foi evitar que provisório se eternize.
Não
deu certo. Em vez de beneficiar pobres, negros e desvalidos, o artigo 316 é
usado por bandidos cheios de dinheiro, como André do Rap. Por isso, o nonsense
de Marco Aurélio serviu também para o plenário limitar a abrangência do artigo:
ele não obriga a soltura do preso, só abre o questionamento sobre a manutenção
da prisão.
Assim
como soltar André do Rap causou uma comoção nacional, os R$ 33 mil na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM-RR)
mobilizou mídia, redes, chargistas e gozadores em geral. E assim como Marco
Aurélio não titubeou em botar um em liberdade, Barroso também não ao afastar um
senador do mandato. Nova confusão!
O
ministro explica que sua decisão – que só chegou ao Senado na sexta-feira à
noite, obviamente para dar tempo a um acordo – não foi por causa da cueca, mas
sim porque Rodrigues era simultaneamente (até então) da comissão do Senado
sobre recursos da covid e investigado por desvios na Saúde em Roraima. O fato é
que isso dividiu o Senado e o STF.
Rodrigues
tem a cara do Professor Raimundo do Chico Anísio, mas não é fraco, não. Além da
“união estável” com Jair Bolsonaro e da vice-liderança, é amigão do presidente
do Senado, Davi Alcolumbre, que depende do Supremo e dos senadores para uma
missão que, se não é, deveria ser impossível: a reeleição para o cargo.
Os
dois são senadores do Norte e do DEM e Rodrigues liderava as articulações para
as ambições continuístas de Alcolumbre, que quebra a cabeça, com a Advocacia do
Senado, para sair da enrascada. Uma coisa é certa: com ou sem dinheiro na cueca
– que é só a parte pitoresca da história –, o senador não será afastado pelo
Senado, nem pelo STF.
Há três anos, a corte decidiu que só Câmara e Senado têm poder para suspender ou cassar deputados e senadores e, vamos combinar, nenhum dos dois tem pressa em julgar colegas, mesmo presos ou de tornozeleira. Não é, deputada Flordelis?
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