quinta-feira, 3 de abril de 2025

Para o Brasil, a tarifa mínima, mas impacto ainda grande - Assis Moreira

Valor Econômico

Argentina e India, com Milei e Modi amigos de Trump, não foram poupados do choque tarifário

O Brasil, Austrália e Reino Unido, as maiores economias com as quais os EUA tem superávit comercial, vão sofrer menos do tarifaço sobre as importações anunciado por Donald Trump.

No entanto, apesar de o Brasil ter sido atingido somente com a alíquota mínima de 10% do imposto de importação, ainda assim haverá um impacto grande nas exportações brasileiras. O especialista em comércio Rodrigo Pupo nota que, considerando as exportações brasileiras aos EUA em 2024 (US$ 40,4 bilhões), os importadores americanos teriam que pagar assim mais de US$ 4 bilhões de tarifas de importação apenas para produtos brasileiros.

Mas há oportunidade, diz ele, apontando uma vantagem competitiva para o Brasil nas exportações aos EUA em alguns setores na medida em que outros países terão imposto de importação muito maior que o Brasil, como Vietnã (46%), China (34%), África do Sul (30%), Índia (26%), Coreia do Sul (25%) e União Europeia (20%).

Após o anúncio de Trump, houve dúvidas, em diferentes setores no Brasil, sobre o tamanho real da tarifa adicional. É que a aplicação das tarifas será assim: primeiro, tem a 'tarifa básica', uma taxa universal de 10% sobre todos os produtos importados, independentemente da origem, entrando em vigor imediatamente em 5 de abril, afetando cerca de US$ 3,3 trilhões em importações anuais dos EUA com base em dados de 2023.

E segundo, as 'tarifas recíprocas' adicionais de cada país, alvejando 60 nações, calculadas para refletir metade das tarifas ou barreiras comerciais (incluindo medidas não tarifárias, como subsídios ou manipulação de moeda) que esses países impõem às exportações dos EUA. Essas taxas maiores, variando de 20% a 49%, começam em 9 de abril e podem ser ajustadas por meio de negociação.

Mas o comunicado divulgado pelo USTR, mais tarde, observou:' O presidente Trump imporá uma tarifa recíproca individualizada mais alta aos países com os quais os Estados Unidos têm os maiores déficits comerciais. Todos os outros países continuarão sujeitos à linha de base tarifária original de 10%'.

O Brasil não tem superavit com os EUA e não aparece no anexo listando os 60 países que sofrem as tarifas recíprocas adicionais. Após dúvidas, a conclusão a que chegaram setores brasileiros foi de que o país será penalizado mesmo só com alíquota de 10% adicional à tarifa atual aplicada.

No primeiro carregamento que entrar nos EUA, a partir do sábado, os exportadores vão constatar o tamanho exato da taxação.

Quando esteve em Washington na semana passada, em contatos com negociadores americanos, o secretário de Assuntos Economicos do Itamaraty, Mauricio Lyrio, usou o argumento dos ‘três limpos’, em referência ao Brasil, Austrália e Reino Unido.

A diplomacia brasileira usou as próprias cifras americanas para argumentar contra as tarifas sobre os produtos nacionais. Basta ver que o superavit no comércio de mercadorias dos EUA com o Brasil, quando calculado por Washington, é enormemente maior do que as estatísticas brasileiras. Segundo o USTR, o saldo americano foi de US$ 7,4 bilhões, comparado a apenas US$ 283,8 milhões contabilizado pelo Brasil. A diferença tem a ver com metodologia diferente pelos países.

Além disso, o Brasil colocou na mesa outra cifra que o governo Trump trata com certo desdém, que é o gigantesco superavit que os americanos tem no comércio internacional de serviços. Somente com o Brasil, o saldo americano foi acima de US$ 21 bilhões no ano passado nesse setor, que inclui serviços financeiro, viagens, serviços de engenharia, advogados e médico, entre outros . No total, os EUA venderam quase US$ 30 bilhões a mais (mercadorias e serviços) do que compraram em geral do Brasil em 2024.

No Brics também, o Brasil sai como o menos afetado, comparado à reciprocidade tarifária aplicada por Trump à China, de 34%, à Indonésia de 32%, à África do Sul de 30%, à India de 26%.

Ao mesmo tempo, ser ‘muito amigo’ de Trump não ajudou a Argentina de Javier Milei e a India de Narendra Modi. Os argentinos foram taxados também com 10%, como o Brasil, e a India ainda mais, em 26%.

O caso da Argentina e da India vinha gerando expectativa, pela proximidade de seus dirigentes com Trump.

A Argentina também acumulou deficit de US$ 2,1 bilhões no comércio de mercadorias com os EUA no ano passado. Mas, para quem continua falando em acordo comercial com os EUA, o pacote dito de reciprocidade de Trump pode ser um ‘reality check’ para Milei. O governo Trump quer exportar, levar indústrias de volta para seu território e não exatamente abrir o mercado.

No primeiro mandato de Trump, Jair Bolsonaro também tentou usar a dita amizade íntima entre ambos, mas nunca conseguiu obter a retirada de sobretaxa ou aumentar cotas para o aço brasileiro, apesar da insistencia de seu governo em Washington.

Na América do Sul, o Paraguai, Uruguai e Bolívia, os outros sócios do Mercosul, também sofrerão tarifa adicional de 10%, assim como Colombia, Peru e Chile.

A continuação das discussões entre Washington e Brasília na semana que vem foi confirmada em conversa hoje entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o chefe do USTR, Jamieson Greer.

Diante da obsessão de Trump com a tarifa de importação do etanol no Brasil, de 18% comparado a 2,5% aplicado pelos EUA, não se pode excluir uma barganha envolvendo essa taxa com um eventual restabelecimento das cotas para o aço semiacabado brasileiro.

Como a coluna publicou no sábado, o aço é um dos mais afetados, com a tarifa adicional recentemente de 25%. Mas fica excluido do pacote de tarifa recíproca.

 

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