CartaCapital
As novas rotas representam o futuro do
comércio entre o Brasil e a Ásia, afirma a ministra Simone Tebet
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, é a
principal articuladora, pelo governo Lula, das “Rotas de Integração
Sul-Americana”, projeto que busca facilitar o comércio entre os países do
continente e reduzir o tempo e o custo do transporte de mercadorias entre o
Brasil e a Ásia, por meio do Oceano Pacífico. Durante a preparação da
iniciativa, Tebet viajou à maioria dos países da América do Sul. Só não esteve
na Venezuela, no Equador e na Argentina. Esta última, governada pelo
ultradireitista Javier Milei, ela pretende visitar em breve.
A ministra integrou a comitiva do presidente
Lula na recente viagem oficial à China, onde discutiu as “rotas” com
autoridades locais. Um dos temas centrais foi a possível construção de uma
ferrovia que atravesse o Brasil de Leste a Oeste, um projeto de grande
interesse para os chineses. Segundo Tebet, uma estrada de ferro com essa
configuração promoveria
“uma mudança radical” no mapa econômico do País, com impactos diretos nas
regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, além do interior do Sudeste.
Antes de embarcar para a Ásia, a ministra falou sobre a viagem e as “rotas” ao repórter especial André Barrocal no programa Poder em Pauta, do canal de CartaCapital no YouTube. A seguir, trechos da entrevista.
Aposta do governo
A gente trata dessas rotas e da integração
com a China desde o primeiro mês do governo Lula 3. Quando o presidente recebeu
todos os chefes de Estado da América do Sul (em maio de 2023), eles fizeram um
pacto no Consenso de Brasília, que ressalta a importância da integração
sul-americana e da América Latina. Integração econômica, social e cultural.
Pelo Consenso de Brasília, para fortalecer a democracia, diminuir a
desigualdade social e erradicar a miséria, era fundamental que esses países
pudessem integrar-se de forma mais firme, especialmente no comércio.
Dupla missão
As rotas têm um duplo objetivo ou missão. A
primeira é aumentar a relação comercial do Brasil com os países da América do
Sul, e vice-versa. Somos mais de 200 milhões de brasileiros e temos 200 milhões
de sul-americanos prontos para fazer turismo por aqui, comprar os nossos
produtos, estreitar as relações culturais e comerciais. Paralelamente, temos um
segundo ganho, que é o fato de estarmos geograficamente muito mais próximos da
China pelo Pacífico do que pelo Atlântico. E isso a própria China percebeu, quando
fez seu maior investimento no Peru, o Porto de Chancay, inaugurado
recentemente. Em linha reta, é o ponto mais curto entre a América do Sul e a
China, diminui em pelo menos 10 mil quilômetros marítimos a distância daqui
para lá.
Futuro via Pacífico
Temos uma mudança do eixo econômico no mundo,
ele está se deslocando para o Pacífico, para a Ásia, até por uma razão
populacional. Lá está a maior população do planeta, com a China e a Índia. E
qual é o maior parceiro comercial hoje do Brasil? É a China, só depois temos
EUA, Europa e Argentina. Se quisermos garantir taxa de desemprego praticamente
zero, tirar a população da miséria, ter desenvolvimento humano alto, sem
dúvida, o futuro é esse. E o Brasil tem essa consciência. O agronegócio, que já
teve receio, hoje fala disso, sabe que o nosso maior parceiro é a China e que a
gente tem de mirar todas as nossas energias para aproximar essa relação.
“Estamos muito mais próximos da China pelo
pacífico do que pelo atlântico”
Qualificação comercial
O bom relacionamento do presidente Lula com o
governo chinês pode qualificar, temos de aproveitar isso, e estamos
aproveitando. Mas o que vai mesmo mobilizar e qualificar, e é isso que
queremos, porque traz valor agregado, é o fortalecimento da indústria. Ela
começa a se fortalecer, e se fortalecerá mais especialmente a partir de 2027,
quando estará valendo a primeira etapa da reforma tributária. Paralelo a isso
temos a energia mais limpa do mundo. O programa “Nova Indústria Brasil” traz
esse componente climático, e teremos uma lei do crédito de carbono do Brasil
também.
China e ferrovias
Sem dúvida, o know-how pode ser
compartilhado, a China não teria problema em compartilhar. Só faço duas
ponderações. A gente tem de preservar os biomas brasileiros, como a Amazônia e
o Cerrado. São regiões que requerem, sim, licenciamento ambiental. Mas isso é
superável com um traçado que preserve o meio ambiente. A segunda questão é
capital. No Brasil, não há dinheiro suficiente para investir em ferrovia com
tantas desigualdades e necessidades. Precisamos dessa parceria de investimento
brasileiro e estrangeiro. A China tem interesse, porque também ganha com isso.
Eles estão muito interessados em ajudar a rasgar o Brasil de ferrovias. Com
exceção da China e, talvez, dos EUA, não existe dinheiro público suficiente
para fazer ferrovia, é muito caro.
Fator Milei
Tivemos eleição na Argentina no meio dessa
discussão das rotas. De todos os países da América do Sul, não fui a três:
Venezuela, Equador e Argentina. Mas tive a oportunidade de encontrar duas vezes
o ministro de Fazenda da Argentina, que se mostrou absolutamente entusiasmado
com o projeto. Vamos ser sinceros, ninguém rasga dinheiro. A Argentina sabe a
importância do Brasil. Se ela não quiser ter inflação para o seu povo, que já
não é pequena, que é muito alta, se ela quiser ter desenvolvimento, se ela quiser
avançar enquanto país, ela precisa do Brasil. Em breve, irei à Argentina. •
Publicado na edição n° 1362 de CartaCapital,
em 21 de maio de 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário