terça-feira, 22 de julho de 2025

Trump e a chantagem como método - Sergio Fausto

O Estado de S. Paulo

A ameaça feita ao Brasil é parte da exacerbação generalizada do ímpeto imperial americano

Trump emprega contra outros países a mesma técnica que utiliza contra seus adversários internos (qualquer instituição ou indivíduo que ouse se interpor à realização de sua vontade). A chantagem é uma constante em sua trajetória empresarial e política.

Dentro dos Estados Unidos, Trump está levando ao extremo a teoria do caráter unitário do Poder Executivo (Unitary Executive Theory), segundo a qual todas as agências e funcionários do governo estão submetidos ao presidente. Segue-se que, nesse âmbito, ele pode admitir e demitir pessoas, fechar e criar órgãos e agências, interferir no modo de execução das leis e desembolso do orçamento, independentemente da autorização do Legislativo ou do Judiciário. Não contente com isso, Trump busca subtrair poder dos outros ramos do governo.

Invocando uma lei do final do século 18, criada para combater a espionagem estrangeira nos primórdios da nação, arroga-se poderes extraordinários para deportar imigrantes. Na instrumentalização de tarifas de importação para chantagear outros países, faz uso abusivo da Lei de Emergência Econômica Internacional ( International Emergency Economic Powers Act), de 1977, que dá poderes excepcionais ao presidente para agir diante de grave ameaça à economia e/ou à segurança nacional.

Com o respaldo da Suprema Corte, controlada por folgada maioria conservadora, vem derrubando obstáculos erguidos por juízes e instâncias inferiores do judiciário americano que tentam conter a enxurrada de ações arbitrárias da Casa Branca. Embora por pequena margem, os republicanos controlam também ambas as casas do Congresso. Fiéis por convicção ou por medo, pois também são objeto de chantagem, deputados e senadores do partido de Trump não ousam exercer o poder de contrapeso que a letra e o espírito da Constituição asseguram ao Legislativo. Nesse passo, os Estados Unidos deslizam velozmente em direção a um regime não democrático. A esperança é que a descendente seja interrompida nas eleições de meio de mandato, se os democratas retomarem o controle da Câmara.

O autoritarismo interno é inseparável do ímpeto imperial em relação ao mundo. Para Trump, se as leis do seu próprio país valem pouco frente às suas vontades, imagine o direito internacional. Nesse âmbito, a prepotência e o arbítrio não encontram limites.

A ameaça feita ao Brasil é parte da exacerbação generalizada do ímpeto imperial americano, com a singularidade agravante de que invade a soberania política e jurídica do País. Busca coagir o Brasil a se dobrar aos caprichos de um presidente estrangeiro interessado em ver um subserviente apoiador seu perdoado pela Justiça brasileira. Procura também forçar o País a ceder aos interesses das grandes empresas americanas de tecnologia.

A esse respeito, a carta de Trump deve ser lida em conjunto com a nota da Casa Branca ameaçando investigar o Brasil por supostas práticas prejudiciais às empresas americanas. Segundo a lógica imperial trumpista, regular o principal meio de comunicação social hoje existente, as plataformas de mídias sociais, só é aceitável se a regulação convier aos interesses das big techs. A inclusão desse tema nas ameaças do governo americano é mais uma prova da nada santa aliança entre essas empresas, o governo americano e, por último, mas não menos importante, a extrema direita internacional, da qual Trump é o líder e o clã Bolsonaro, militante de carteirinha.

A alegação contra o Pix beira o delírio. Supõe que o Brasil possa ser punido por ter desenvolvido uma infraestrutura de acesso livre e gratuito que permite a toda sua população fazer transações financeiras com rapidez e confiabilidade. A razão? Prejuízos a empresas americanas que operam meios eletrônicos de pagamento. Era o que faltava: punir um país por oferecer serviços públicos sob o argumento de que assim roubam oportunidades de negócios de companhias dos Estados Unidos!

Não se entende a ameaça de Trump pela ótica tradicional das relações comerciais, em que todo eventual conflito de interesse é passível de solução pela arte da diplomacia. Estamos diante de um ataque à soberania e às instituições do País, desferido pela maior potência mundial, hoje governada pelo líder da extrema direita em todo o planeta. Em última instância, está em jogo o direito de decidirmos democraticamente sobre o nosso destino.

Negociar é preciso, com sobriedade e firmeza. Mas não menos necessário é ter clareza sobre a ameaça que ronda o Brasil e o mundo. Ela não irá dissipar-se, ainda que saibamos lidar bem com a crise atual. É preciso nos preparar para uma batalha mais longa.

A primeira coisa a fazer é restabelecer um mínimo de unidade nacional. Instigar potência estrangeira a causar dano ao Brasil deveria merecer repúdio unânime, independentemente da inclinação política. Se Lula erra quando exagera em arroubos retóricos contraproducentes, erra mais quem defende a conduta do clã Bolsonaro ou omite-se em condená-lo. É inaceitável colocar em risco o País, empresas e trabalhadores para livrar a própria pele.

 

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