Folha de S. Paulo
É hora de olhar para fora, procurando novos
mercados e buscando novos acordos comerciais
A esta altura, depois de reiteradas falas
de Trump e da revogação dos vistos de ministros do Supremo, quem ainda
insistir em dizer que as tarifas de Trump não têm nada a ver com Bolsonaro —e que seu real interesse, inexplicavelmente
secreto, é punir o Brasil (e unicamente o Brasil) por seu papel no Brics—
está apenas reproduzindo narrativa política. Trump dá todas as mostras de que
quer sim dobrar nossa Justiça.
Eduardo fez sua escolha. Está disposto a destruir o
Brasil para livrar o pai da Justiça. "Se tudo der errado, estaremos vingados." Agora
o Brasil tem que se haver com as consequências dessa vingança.
Até hoje, Trump quase sempre recua na hora H.
Pode acontecer de novo agora. Contudo, o mais prudente é considerar que ele
pode sim impor as tarifas. O fim das exportações aos EUA é um duro golpe, mas
não é catastrófico —representará, no pior caso possível, 2% do PIB. O nosso
mercado interno, no curto prazo, terá aumento de oferta desses produtos, o que
deve dar uma redução momentânea no preço (que será corrigida à medida em que a
produção se adapte à nova realidade).
Com os EUA, temos poucas opções. O governo Lula falhou ao não priorizar a
relação desde a chegada de Trump. Lula chegou a dizer que não conversou com
Trump porque "não tinha assunto". Aí estava o assunto. Nunca
saberemos, no entanto, se um canal melhor de comunicação teria feito a diferença.
O que sabemos é que, neste momento, Trump não responde à carta de propostas
brasileiras, mas manda carta a Bolsonaro.
A partir do anúncio de Trump, a postura do
governo está correta: tentar negociar em cima do que pode ser negociado —as
pautas econômicas trazidas à mesa pelo pedido de investigação do governo
americano, por exemplo— mesmo sabendo que a chance de sucesso é baixa. Pleitear
algum adiamento, ao menos aos setores mais vulneráveis. Retaliar é um passo
temerário, dado que a dor que os EUA podem nos causar é muito grande.
Além disso, fazer contato com empresas, imprensa e grupos de pressão americanos
para que pressionem Trump, mostrando o efeito ruim das tarifas sobre o preços.
A pressão econômica foi, até hoje, a única que surtiu efeito em Trump.
Nosso olhar deve estar para fora dos EUA. Entrar em contato com outros governos
—democráticos— que possam se manifestar contra a chantagem de Trump. Hoje,
somos nós; amanhã serão as decisões soberanas de outras nações que estarão na
mira de Trump.
É hora de olhar para fora, procurando novos
mercados e buscando novos acordos comerciais. Nos anos 1990 e 2000, quando
muitos países buscavam acordos comerciais, o Brasil não se abriu. Agora temos
uma nova oportunidade. O bullying protecionista de Trump empurra o mundo
—Brasil incluso— na direção correta. Uma vez criados, os novos fluxos
comerciais tendem a se perpetuar, deixando-nos menos dependentes dos EUA.
Em tudo isso, vemos a falta que faz uma autoridade mundial do comércio, como
era a OMC. Por iniciativa de Trump —mantida por Biden— ela
está inoperante desde 2019. Ressuscitá-la ou, na impossibilidade de se fazê-lo
sem a cooperação americana, criar uma alternativa com ampla adesão voluntária,
deveria também estar na lista de prioridades. O comércio internacional se
beneficia de regras uniformes.
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