O Globo
É preciso parar de tratar o consumo das
periferias como fonte de receita e enxergar esses territórios como prioridade
No Brasil, é sempre a mesma história: quando o governo precisa arrecadar mais, olha para baixo. O recente tarifaço sobre o IOF é mais uma prova disso. O imposto, cobrado sobre operações financeiras como crédito, seguros e câmbio, poderia ser um mecanismo para tributar fortunas e grandes transações financeiras. Mas, na prática, quem sente o peso são os pequenos empreendedores, os trabalhadores endividados e as famílias das favelas.
Dados do Data Favela mostram que as favelas
brasileiras têm uma renda total de R$ 300 bilhões ao ano, valor maior que a
renda de 22 estados brasileiros e que o PIB de países como Paraguai ou Bolívia.
É uma economia pulsante, criativa, capaz de gerar empregos e renda. Mas é
também uma economia que sobrevive a duras penas, com acesso restrito a crédito
e a juros muito mais altos que os praticados para grandes empresas.
Quando o IOF sobe, os juros bancários
aumentam. O carnê da máquina de costura fica mais caro. O empréstimo para
comprar mercadoria para o salão de beleza sobe. A prestação para reformar a
laje pesa mais. Enquanto isso, as grandes empresas continuam beneficiadas por
bilhões em isenções fiscais, segundo a Receita
Federal. Os ricos seguem blindados, e as favelas pagam a conta.
O sistema tributário brasileiro continua
invertido. Tributa pesadamente consumo e renda baixa, alivia para lucros,
dividendos e patrimônios bilionários. Isso aprofunda desigualdades, sufoca a
base da economia e perpetua um racismo estrutural que criminaliza a pobreza e
subsidia a elite.
Favela não é problema. É solução. São as
economias locais que mantêm as cidades vivas, reinventam empregos, movem o
comércio de bairro. Quando essas economias são sufocadas por impostos e juros
abusivos, o país inteiro perde.
É hora de encarar a discussão sobre justiça
fiscal no Brasil. Não basta taxar os invisíveis. É preciso olhar para onde a
riqueza realmente está e cobrar de quem pode pagar. As favelas já deram prova
do seu potencial e da sua resiliência. Só falta o Estado deixar de ser sócio da
desigualdade.
Isso passa por mudança na lógica de
arrecadação e investimento público. O Estado precisa parar de tratar o consumo
das periferias como fonte de receita e passar a enxergar esses territórios como
prioridade de investimento. Cada real investido em educação, infraestrutura e
crédito acessível nas favelas retorna multiplicado para a sociedade como um
todo.
Não se constrói um país justo penalizando
quem menos tem. A justiça fiscal é o primeiro passo para um Brasil mais igual,
mais democrático e mais forte. As favelas não podem continuar pagando a conta
sozinhas, enquanto o topo da pirâmide segue ileso. Está na hora de inverter
essa lógica — e começar a cobrar a fatura de quem sempre saiu com o troco.
Sem justiça fiscal, não há justiça social —
e, sem isso, não há democracia que se sustente.
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