Valor Econômico
Oposição ao presidente Lula tende a se fragmentar em mais de uma candidatura no campo conservador
A colocação da tornozeleira eletrônica no ex-presidente Jair Bolsonaro, na sexta-feira (19), antecipa politicamente os efeitos no cenário eleitoral que eram projetados para o momento de sua prisão, evento aguardado para setembro ou outubro. A oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva tende a se fragmentar em mais de uma candidatura no campo conservador. Uma delas tende a ser da família Bolsonaro, com respaldo do presidente americano Donald Trump para contestar desde o início a legitimidade do pleito. Dividirá o espaço com um ou mais dos governadores de siglas do Centrão que se movimentam desde o ano passado para se viabilizarem.
O confronto com Trump retirou o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva da insolvência política em que se encontrava desde a
eclosão de desastres em série para o governo, como o vídeo do deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG) sobre uma suposta taxação do Pix ou o escândalo do INSS. A
diminuição do noticiário negativo contra o governo já mostra seus efeitos em
pesquisas de opinião que mostram ligeira recuperação, com a aprovação na faixa
de 40%.
Lula se alimenta da polarização com seu
antecessor e o fator Trump replica no Brasil o fenômeno descrito na ciência
política como “run around the flag”: a capitalização de apoio diante de uma
ameaça externa evidente. No caso, diretamente proporcionado pela atuação de
aliados do bolsonarismo, em especial o deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PL-SP), que está desde fevereiro nos Estados Unidos advogando por uma
interferência direta de Trump no cenário brasileiro. “Do ponto de vista
eleitoral, considerando a forma como esta interferência está se desenrolando,
trata-se de um dos maiores erros táticos já registrados na história”, opina o
cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe.
Foi no âmbito da investigação aberta contra
Eduardo Bolsonaro por coação a justiça brasileira que a Polícia Federal cumpriu
mandado expedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre Moraes
contra o ex-presidente. Bolsonaro, de acordo com o mandado, financiou o lobby
do filho no exterior e agiu em coordenação com o deputado para reverberar nas
redes as medidas de Trump contra o Brasil. Ainda não há denúncia contra o
deputado, mas a ação de sexta sugere que o inquérito irá andar rápido. Este é mais
um fator, entre outros, para que uma candidatura presidencial sua seja vista
com certo ceticismo. “As dúvidas jurídicas sobre sua viabilidade têm crescido”,
observou Christopher Garman, diretor de Américas do grupo de consultoria
Eurasia.
Confronto com Trump retirou Lula da
insolvência política em que se encontrava
Ele sugere que analistas do cenário político
comecem a prestar mais atenção aos movimentos do senador Flávio Bolsonaro
(PL-RJ). Tão fiel ao pai quanto o irmão, Flávio é menos radical no estilo,
ainda que não na forma. Ao longo dessa crise, comparou o Brasil ao Japão de
Hirohito, alvo de duas bombas atômicas americanas diante da disposição de
continuar uma guerra já perdida no plano militar. Na sexta-feira, logo após a
operação contra o pai, o senador fez movimentos contraditórios. Publicou uma
postagem nas redes sociais propondo a Trump a retirada da tarifa de 50% contra
o país, em troca de sanções individualizadas contra Moraes. Depois apagou a
publicação. Também está no tabuleiro a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro,
lembrada na sexta-feira como alternativa pela senadora Damares Alves
(Republicanos-DF), durante a coletiva de senadores bolsonaristas em
solidariedade ao ex-presidente.
A retomada de competitividade de Lula logo
depois da ofensiva de Trump também é a antecipação de um movimento que
analistas previam para o próximo ano, segundo Garman. “Havia exagero na
avaliação de que a oposição é favorita para o ano que vem. Lula está no patamar
de 40% de aprovação e incumbentes desta base em 50% se reelegem, segundo nossos
bancos de dados. Sempre há alguma recuperação de popularidade durante a
campanha. A crise acelera esse processo e a eleição de 2026 está em aberto”,
afirma.
Para Lavareda, deixou a condição de “pato
manco” em que estava até o fim de junho. O dado definitivo, ressalva ele,
voltará a vir do panorama econômico. “A economia é o fator decisivo para o
desempenho de um incumbente. O que aconteceu agora foi que Lula escapou de um
processo de abandono no Congresso que poderia ser a resolução definitiva para a
eleição do próximo ano”, disse.
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