segunda-feira, 21 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Saneamento está melhor, mas quadro ainda é vergonhoso

O Globo

Apenas investimentos privados poderão oferecer condições sanitárias dignas, revela novo estudo

Houve, nos últimos anos, avanços no saneamento básico brasileiro, mas a situação continua precária, revelam os dados mais recentes do ranking elaborado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a GO Associados. Para acabar com os indicadores vergonhosos, é preciso acelerar os investimentos. O Brasil perdeu muito tempo deixando o setor à mercê das empresas estatais de água e esgoto, sem capacidade de investir e dominadas por interesses políticos. Apenas com o Novo Marco Legal do Saneamento, em 2020, a situação passou a melhorar. Infelizmente, em ritmo aquém do necessário para oferecer condições sanitárias dignas à população.

Agora, a questão a resolver é como acelerar os investimentos para atingir a meta de, até 2033, levar água tratada a quase toda a população e o esgoto a 90%. Pelos últimos dados, falta água potável a 16,9% dos brasileiros, e 44,8% não têm coleta de esgoto. Para universalizar os serviços, estima o documento, seria preciso dobrar o volume atual de investimentos — de R$ 22,5 bilhões verificados em 2022 para R$ 46,3 bilhões anuais até 2033.

Apenas 12 dos cem maiores municípios brasileiros investiram acima da meta. Os 20 piores registraram investimento anual médio de R$ 78,40 por habitante, 65% abaixo do patamar necessário para a universalização (R$ 223,82). Nove das 20 cidades em pior situação ficam na Amazônia. Tal realidade não deverá passar despercebida aos participantes da COP30. A própria cidade-sede, Belém, convive com esgoto a céu aberto e padrões distantes do aceitável no abastecimento de água. Das 20 piores cidades, 14 ficam no Norte ou Nordeste, incluindo as capitais Recife, Maceió, Manaus, São Luís, Macapá e Porto Velho.

A análise comparativa das informações revela disparidades que refletem a qualidade da gestão pública. Um exemplo é Niterói, terceira colocada no ranking — abaixo apenas de Campinas e Limeira, ambas em São Paulo. Ela tem como vizinho o município de São Gonçalo, também às margens da Baía de Guanabara, mas na 94ª posição. Cidades coladas uma na outra, mas com perfis de saneamento opostos. Vale lembrar que, em Niterói, os serviços de saneamento foram concedidos ao setor privado em 1999, Campinas é atendida por uma empresa de economia mista e Limeira por uma concessionária privada. Os bons resultados dessas cidades não ocorreram por acaso, mas porque nelas operam empresas com capacidade de investir.

Da região do Grande Rio também aparecem mal colocadas São João de Meriti e Belford Roxo. Até 2021, o governo fluminense controlava a Cedae. Com a privatização, a cidade do Rio passou da 77ª para a 43ª posição, mas neste ano voltou a cair, para a 59ª. Uma das explicações está no ajuste populacional trazido pelo Censo. Mas também houve queda no acesso a água e na coleta de esgoto e, mesmo com a privatização e a melhora perceptível, o investimento continua aquém do necessário.

“Os municípios precisam de planejamento de longo prazo, saber que obras precisam ser feitas, de onde virão recursos e acompanhar”, diz Luana Pretto, presidente executiva do Trata Brasil. A universalização, diz ela, depende de tornar o saneamento uma agenda prioritária nos municípios, abandonando o velho lugar-comum segundo o qual obra enterrada não dá voto.

Infiltração de organizações criminosas tornou a Amazônia um polo de drogas

O Globo

Crescimento do tráfico, da violência e da devastação exige coordenação das autoridades no combate ao crime

Há várias maneiras de medir o nível de violência e infiltração da criminalidade na sociedade. Todas atestam que a Amazônia é um território onde a atividade de organizações criminosas é crescente. Seja no tráfico de drogas, seja na exploração ilegal de recursos naturais (ouro, cassiterita, madeira, animais silvestres) e consequente devastação ambiental. A Região Norte faz fronteira com Colômbia, Peru e Bolívia (maiores produtores de cocaína no mundo) e é cortada por muitos rios navegáveis. Tudo isso facilitou a transformação da Amazônia numa central global de drogas.

Tudo na Amazônia tem grandes proporções. Inclusive o crime. O assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, no Vale do Javari, revelou em 2022 que há organizações criminosas até por trás da pesca ilegal. O negócio clandestino convive com o tráfico, explorado por organizações de alcance nacional e internacional. É o caso do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV), que disputam espaço com bandos locais como a Família do Norte (FDN). Disputas entre quadrilhas têm sido marcadas por massacres recorrentes em penitenciárias.

O crescimento do tráfico se reflete em mais apreensão de drogas. O total aumentou 40,9% no ano passado na região da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Roraima e parte do Maranhão) — de 78,4 toneladas para 110,5 toneladas de cocaína e maconha. Em cerca de 260 dos 772 municípios amazônicos há presença de pelo menos um grupo criminoso.

Com o tráfico, vem a violência. Há 41,5% mais homicídios na região que a média nacional, embora em 2023 tenha havido queda de 6,8% no número absoluto de mortes, constatou a terceira edição do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), produzida com o Instituto Mãe Crioula (IMC). O Amapá registrou 57,4 mortes intencionais por 100 mil habitantes em 2023, índice mais alto do país (a média nacional foi 22,8, diz o Ipea).

Como região, o Norte só perde para o Nordeste. As quatro cidades mais violentas da Região Amazônica estão no Pará: Cumaru do Norte (141,3 mortes por 100 mil habitantes), Abel Figueiredo (115,5), Mocajuba (110,4) e Novo Progresso (102,7). São cinco vezes mais violentas que a média nacional. E cerca de 15 vezes mais que o Estado de São Paulo, o menos violento, com 6,8 mortes por 100 mil habitantes. O avanço do crime organizado faz com que o Pará tenha hoje mais presos em penitenciárias federais de segurança máxima (61) que o Rio de Janeiro (52). É superado apenas por São Paulo (68).

A infiltração da criminalidade na Amazônia demonstra a urgência da PEC da Segurança, em tramitação no Congresso. A proposta promove a coordenação entre União e estados no enfrentamento da criminalidade. O mínimo a exigir do Estado brasileiro é que se articule para combater com eficácia as organizações criminosas, responsáveis pela violência e pela degradação ambiental na Amazônia.

Tarifas de Trump começam a mudar fluxos de comércio

Valor Econômico

Exportadores chineses compensaram as perdas no mercado americano desviando seus produtos para outros destinos

A guerra tarifária de Donald Trump começou a provocar mudanças significativas nos fluxos do comércio internacional. Diante de tarifas punitivas dos EUA, os exportadores chineses compensaram as perdas no mercado americano desviando seus produtos para outros destinos. Como consequência, outros grandes exportadores, como a União Europeia e o Japão, começam a ver uma queda nos embarques não só para os EUA, mas em geral, sugerindo um ambiente exportador mais desafiador com uma concorrência chinesa mais acirrada.

As ameaças de Trump de impor tarifas de importação generalizadas ao tomar posse desencadearam uma onda de importações nos EUA, com as empresas buscando se antecipar ao aumento no imposto, dando forte impulso ao comércio global no início do ano. Segundo a OMC, o comércio de bens em volume cresceu 3,6% nos três primeiros meses do ano sobre o trimestre anterior e 5,3% na comparação anual. Puxada pelos EUA, a América do Norte teve o maior crescimento nas importações em comparação a todas as demais regiões, 13,4% no trimestre.

No lado das exportações, a China aumentou suas vendas em 6%, em termos anuais, tanto no primeiro quanto no segundo trimestre. Esse resultado desafiou as expectativas, destacando a flexibilidade do setor de manufatura e exportação do país diante da turbulência comercial com os EUA. Parte da força das exportações chinesas pode ser atribuída a uma trégua temporária firmada entre as duas potências em junho.

A China encerrou o primeiro semestre do ano com um superávit comercial recorde de cerca de US$ 586 bilhões. Embora os EUA sejam o maior destino individual de produtos fabricados na China, os exportadores chineses conseguiram compensar o impacto da queda de 10,9% nas exportações ao mercado americano aumentando os embarques para o Sudeste Asiático em 13%, para a África em 22%, para a América Latina em 7,2% e para a União Europeia em 6,6%.

Não está claro quanto das exportações chinesas para outras regiões acabou tendo como destino final os EUA. Mas a reconfiguração dos fluxos comerciais globais levantou preocupações em Washington de que a China esteja usando outros países para vender produtos seus. No acordo comercial com o Vietnã, anunciado no início deste mês, o governo Trump incluiu uma cláusula que exige tarifas mais altas sobre mercadorias de transbordo — referência aos produtos redirecionados para o Vietnã antes de serem enviados aos EUA. Washington não citou a China, nem explicou como esse redirecionamento seria definido ou policiado. Mas em Pequim há poucas dúvidas de que a medida mira seus produtos.

Além dessa abordagem do governo Trump, muitos países começam a erguer barreiras contra o excesso de importações chinesas baratas, como Índia, União Europeia, Canadá e Brasil, entre outros. As restrições ao maior mercado consumidor do mundo e a fraqueza do mercado interno da China não deixa outra opção aos exportadores chineses a não ser buscar mercados alternativos. Em um momento que todos os demais países fazem o mesmo em reação às ameaças de tarifas punitivas de Trump, a abertura de novos mercados se tornou mais desafiadora diante dos baixos preços dos produtos chineses — que refletem a forte concorrência interna na China derivada do excesso de capacidade produtiva.

A perspectiva de mais barreiras comerciais a produtos originários da China, bem como a incerteza em torno das negociações comerciais com o governo Trump antes de 1 de agosto, novo prazo para entrada em vigor das tarifas “recíprocas” elevadas, nublam as perspectivas para o comércio internacional até o fim do ano. A OMC prevê uma estagnação no comércio global, com crescimento marginal de 0,1% no ano.

Os dados mensais mais recentes do comércio de muitos países dão evidências de que a demanda por importações já começou a desacelerar no segundo trimestre. Por exemplo, as importações dos EUA cresceram apenas 1% em abril e maio, após um aumento de 25% no primeiro trimestre. Relatório do Departamento do Comércio aponta que as varejistas americanas de eletrônicos e eletrodomésticos, de móveis e lojas de departamento registraram queda nas vendas em junho. Os produtos vendidos nesses setores são em grande parte importados.

As exportações da Europa para os EUA caíram pelo segundo mês consecutivo em maio e, no total, recuaram caíram 0,8%. O Japão, outro grande exportador global, viu seus embarques contraírem 0,5% em termos anuais em junho, ampliando a queda de 1,7% em maio. As exportações para a China, maior parceiro comercial do Japão, caíram 4,7%, enquanto para os EUA recuaram 11,4%.

As exportações do Brasil para a China caíram 7,6% no primeiro semestre, e suas compras do país asiático subiram 21,4%. O país aumentou importações de todos os principais países com os quais comercia, exceto Rússia. O saldo comercial caiu 27,6%, com desaceleração das exportações e maior expansão das compras, um prenúncio de que, com o protecionismo americano, a competição se acirrou e de que a China leva vantagem também no mercado brasileiro.

Congresso afronta o país no trato das emendas

Folha de S. Paulo

Mecanismo, que abocanhou R$ 176 bi do Orçamento em 10 anos, tem uso paroquial e está envolvido em suspeitas de corrupção

Em um país com limitações orçamentárias, os efeitos deletérios das emendas parlamentares para toda a sociedade só são superados pelos danos causados por sua proliferação. Desde 2015, quando a execução desses mecanismos paroquiais do Orçamento federal se tornou obrigatória, o pior da tradição da política tem emergido.

Há muito a se lamentar. A começar, pela decisão do Congresso Nacional de inserir na Constituição, em 2015, o direito para seus integrantes a parcela significativa das despesas orçamentárias de cada ano, em detrimento das prioridades de investimento e de custeio do Executivo em áreas como saúdeeducação e infraestrutura.

Por si só, nada poderia ser mais disfuncional para o modelo de equilíbrio e de atribuições específicas dos três Poderes do que o Legislativo assumir funções típicas do Executivo, eximindo-se de responsabilização.

Por fim, é preciso ressaltar a aviltante expansão desse butim nos últimos dez anos. Como evidenciou reportagem da Folha, entre 2015 e 2024, as emendas parlamentares consumiram R$ 173 bilhões a mais do que se tivessem sido corrigidas somente pela variação da inflação.

O relatório preliminar da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano eleitoral de 2026 reserva às emendas a fatia de R$ 54,2 bilhões. Desse volume, 77% sairá do Congresso e chegará ao governo com a imposição de execução.

O quadro agrava-se diante dos dribles dos parlamentares a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao passar as emendas de relator, consideradas inconstitucionais em 2022, para as comissões da Câmara e do Senado, o Legislativo deu provas de deslealdade aos princípios republicanos.

Ainda mais grave são o flagrante uso eleitoral de grande parte das emendas, que alimentam o clientelismo e o paroquialismo como meios de perpetuar carreiras públicas, a omissão das políticas de interesse nacional e, inevitavelmente, a corrupção.

A isso soma-se a disfuncionalidade. Como evidenciou recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o aumento do volume de emendas na área da saúde resultará em problemas futuros para a oferta de serviços e dificultará o financiamento de políticas com potencial de reduzir desigualdades que grassam no sistema. Em suma, sua aplicação e resultados são de "qualidade duvidosa".

Haveria alguma chance de correção se o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), fizesse valer sua afirmação de que "as emendas não são intocáveis" e estão sujeitas a corte. Considerando o papel do instrumento na cooptação de apoio a Motta na Casa, porém, sua palavra já está sob suspeita.

As emendas podem até se converter em arma do Legislativo para exigir do Palácio Planalto o necessário corte de gastos. Mas somente o acinte do Congresso ao espírito da Constituição e aos contribuintes explica sua dimensão atual e seu uso distorcido.

Com excedente produtivo, China avança sobre o Brasil

Folha de S. Paulo

Pequim desova bens em ritmo acelerado em vários países; volume importado por empresas brasileiras saltou 35% em 5 meses

Com o mundo ocupado em lidar com a truculência de Donald Trump na imposição de tarifas comerciais, é fácil perder de vista outra grande fonte de desequilíbrios e pressões concorrenciais: a China.

O mercado americano se fecha a importações, e desta vez de forma generalizada na comparação com a guerra comercial no primeiro mandato do americano, que focou no gigante asiático.

A reposta chinesa naquele momento foi utilizar outras geografias para manter seu acesso, mas agora os Estados Unidos estão determinados a não mais permitir essa estratégia, com cobranças ainda maiores sobre os países que atuarem como entrepostos de produtos chineses.

Pequim também tem responsabilidade pelo acirramento dos conflitos, já que desde a pandemia, com o esgotamento dos vetores de crescimento ligados a infraestrutura e construção, direcionou poupança e crédito oficial para a indústria, cujos saldos comerciais crescem sem parar e se aproximam de US$ 2 trilhões em bens manufaturados.

Assim, a China redireciona mais agressivamente seu excesso produtivo para outros. É o caso do Brasil, cujo volume de importações do país cresceu 35% entre janeiro e maio deste ano, na comparação com o mesmo período de 2024 —quase 3 vezes mais que a expansão das compras totais.

Em valor, o aumento das importações da China é menor (27%), dada a queda de preços que decorre do excesso de capacidade na maioria dos setores. No entanto, o país ocupou 26,3% das compras brasileiras (US$ 35,7 bilhões) no primeiro semestre.

Não há dúvida de que Pequim pratica um modelo mercantilista, com subsídios e crédito estatais, enquanto mantém uma insuficiência estrutural de demanda interna, algo que desestabiliza o jogo competitivo e penaliza indústrias de todas as regiões.

Para um equilíbrio global mais sustentável, a China precisa reorientar sua economia, incentivando o consumo doméstico e reduzindo a dependência de superávits comerciais. Isso envolveria reformas como aumento de salários e mais políticas sociais.

Para o Brasil, o avanço chinês traz oportunidades e desafios. O consumidor é beneficiado pela queda de preços e acesso a produtos. Por outro lado, acentua-se o risco de desindustrialização.

O Brasil deveria ser pragmático: diversificar parceiros, investir em inovação e fechar acordos que garantam transferência de tecnologia e investimentos na produção local em ambiente econômico favorável —pauta minada pelo desequilíbrio fiscal.

Brasil paga a conta da imprudência de Lula

O Estado de S. Paulo

Sairá cara a decisão de Lula de alinhar o Brasil à China e à Rússia a pretexto de fortalecer o Brics contra os EUA de Trump. Mas há uma saída para evitar o prejuízo: abandonar o bloco

Muito ainda pode ser dito sobre a irresponsabilidade de Jair Bolsonaro, que, para se livrar da cadeia e continuar com seu projeto golpista, fez lobby nos EUA para que o presidente Donald Trump viesse em seu socorro, ao custo de inestimável prejuízo para a economia brasileira, ameaçada por um tarifaço americano. Só por isso, o nome de Bolsonaro já está gravado no panteão dos maiores traidores da pátria que este país já viu.

Contudo, à medida que novas punições são anunciadas pelo governo americano contra o Brasil, torna-se óbvio que o objetivo de Trump vai muito além de ajudar Bolsonaro – de resto um sujeito absolutamente insignificante para os projetos de poder do presidente americano. Está ficando cada vez mais evidente que o crescente ataque de Trump ao Brasil é, na verdade, parte de uma ofensiva contra o Brics – bloco que, a despeito das fantasias lulopetistas sobre alternativas de desenvolvimento, se presta exclusivamente a projetar o poder da China em contraste com os EUA e o Ocidente, tendo como subproduto o respaldo ao imperialismo da Rússia de Vladimir Putin.

Isso ficou claro quando Mark Rutte, secretário-geral da Otan, a aliança militar ocidental ainda liderada pelos EUA, avisou que os países do Brics podem sofrer sanções por parte do governo americano caso continuem a fazer negócios com a Rússia. A intenção de Washington é obrigar os parceiros russos no Brics a pressionar Moscou a aceitar uma trégua na sua guerra contra a Ucrânia, como deseja Trump.

Como se sabe, Trump ameaça castigar a Rússia com tarifas de 100% caso Putin não interrompa seus ataques à Ucrânia. A medida incluiria sanções secundárias contra países que fazem negócios com a Rússia. A ideia aqui é sufocar economicamente a Rússia, que conseguiu contornar as sanções aplicadas por EUA e Europa graças à manutenção do comércio com os parceiros do Brics.

Ademais, a ofensiva contra o Brics insere-se no objetivo maior de Trump que é minar o poder da China. Para isso, escolheu o Brasil como saco de pancadas – um alvo fácil, dada a sua limitada capacidade de reagir e de arregimentar influência contra os EUA.

Tudo isso só evidencia a imprudência do presidente Lula da Silva de alinhar o Brasil à China e à Rússia a pretexto de fortalecer o Brics contra os EUA de Trump. A única forma de poupar o Brasil dos efeitos deletérios dessa decisão seria abandonar esse bloco, que se presta unicamente aos projetos chineses e russos, sem qualquer ganho concreto e de longo prazo para o País. Com isso, o Brasil retornaria ao terreno seguro do não alinhamento, onde ficam os países com vocação para se relacionar com o mundo inteiro, independentemente de orientação ideológica. Essa sempre foi a tradição brasileira, um patrimônio que seria especialmente relevante no momento em que o mundo se reorganiza não mais em relações multilaterais, e sim em blocos de poder.

Não é prudente, portanto, que o Brasil escolha um desses blocos, dado que o País não tem nem capacidade militar nem poderio econômico para ser protagonista no novo arranjo global. Mas Lula nunca foi prudente. Sempre que pode, movido por suas fantasias megalomaníacas e por suas convicções terceiro-mundistas, põe o Brasil em situações potencialmente danosas – sobretudo quando apoia autocracias só porque estas se dispõem a desafiar os EUA.

Em seu discurso na mais recente cúpula do Brics, Lula reforçou seu antiamericanismo e sua vassalagem à China ao tornar a defender o fim do uso do dólar como moeda comercial global – como se a adoção da moeda americana para esse fim fosse fruto da vontade de alguém, e não resultado de condições geopolíticas e de mercado.

Ademais, deveria causar vergonha a assinatura do Brasil no comunicado final da cúpula, que reservou nada menos que oito parágrafos aos atuais conflitos no Oriente Médio e míseros dois à guerra na Ucrânia – um dos quais, pasme o leitor, dedicado a criticar a Ucrânia por “deliberadamente” atacar áreas e infraestrutura civis na Rússia, sem qualquer menção à brutal e sistemática agressão russa aos ucranianos, inclusive com bombardeios contra civis.

Assim, russos e chineses devem ter saído muito satisfeitos desse rega-bofe antiamericano. Já o Brasil, como se vê agora, ficou com a conta.

O empobrecimento brasileiro

O Estado de S. Paulo

Estudo do FMI mostra que o Brasil se aproxima cada vez mais da metade mais pobre do mundo. O País, pródigo em gastos e em impostos, escolheu ser indigente – e, se não mudar, será

Reportagem publicada pelo jornal Valor neste mês expõe com clareza quem paga o custo das decisões erradas que o País insiste em tomar há décadas. Em 45 anos, o Brasil regrediu da 48.ª para a 87.ª posição no ranking de PIB per capita em paridade de poder de compra (PPC) do Fundo Monetário Internacional (FMI), aproximando-se perigosamente da metade mais pobre do mundo.

Em termos absolutos, esse indicador até aumentou no período, de US$ 13,7 mil em 1980 para US$ 19,6 mil em 2024. Em conjunto, no entanto, o mundo avançou mais, o que explica a piora na posição relativa brasileira. Em poucas palavras, o indicador mostra que o País, ao longo desse período, cresceu menos que seus pares, enquanto o custo de vida da população subiu mais que a média das nações pesquisadas.

O pior é que, até 2030, a estimativa do FMI é que caiamos ainda mais, para o 89.º lugar. Antes fosse apenas mau agouro. A combinação entre crescimento baixo, poupança reduzida, investimento pífio, produtividade estagnada, mão de obra desqualificada e inflação elevada não poderia gerar resultados diferentes. Se o País seguir na mesma rota em que está há tantos anos, a tendência, de fato, é que essa degradação se acentue no futuro, afastando o Brasil não só dos mais desenvolvidos, mas também das economias emergentes.

Para quem duvida das previsões do FMI, o desempenho econômico do País nos últimos anos é ilustrativo. Ao longo de dez anos, o indicador despencou até 2016, quando o Brasil teve uma recessão; recuperou-se lentamente até 2019; caiu em 2020, ano da pandemia de covid-19; e voltou a subir aos poucos desde então. Assim, o PIB per capita em paridade de poder de compra em 2024 foi de US$ 19.594, praticamente o mesmo de 2013, quando estava em US$ 19.169. A diferença é que, em 2013, estávamos na 79.ª posição e, agora, na 87.ª.

É triste, mas previsível, pois o Brasil parece que não aprende. Há anos se sabe que o crescimento econômico não depende de subsídios para setores ineficientes, mas de investimentos privados em áreas nas quais o País tenha vocação. A História prova que a abertura de mercados reduz o custo de produção e favorece a integração de cadeias produtivas, mas o País prefere a proteção e o isolamento comercial.

Gastos públicos em excesso são um motor para a inflação, pois corrói o poder de compra da população e exige aumento da carga tributária, o que reduz a competitividade da economia brasileira. Ademais, resultam em taxas de juros elevadas, o que inviabiliza o custo de financiamentos para aquisição de bens e para a ampliação da infraestrutura. Educação de baixa qualidade, por seu lado, cria um exército de informais sem capacidade para ocupar postos de trabalho com remuneração mais elevada e que, no futuro, dependerão de políticas de assistência social para sobreviver.

Em vez de reformas estruturais para ampliar o crescimento potencial do PIB, o País aposta em puxadinhos. Favorece empresários e setores próximos do poder, impõe barreiras às importações, aposta na elevação da arrecadação, cria linhas de crédito direcionado que distorcem os juros do restante do mercado, usa as estatais como um orçamento paralelo para induzir o desenvolvimento, patina na melhoria da educação básica e deixa estudantes se iludirem com promessas de empregabilidade em cursos a distância.

Mas governo, Congresso e Judiciário parecem bastante satisfeitos com esse desempenho medíocre. Para eles, esse Brasil à deriva não existe. No Executivo, no entanto, Lula da Silva só pensa em lançar programas que possam recuperar sua popularidade até a eleição. No Legislativo, os parlamentares só querem que suas emendas sejam quitadas. E nos tribunais, sempre há espaço para um pagamento retroativo e para um novo penduricalho, tudo com isenção de impostos.

A maioria da população percebe que o dinheiro já não compra o que comprava no passado e sabe que não tem alternativa a não ser se adaptar à realidade. Mas nenhum dos Três Poderes está disposto a rever despesas e contribuir com o futuro do País em nome do interesse público. A posição do Brasil no ranking do FMI é reflexo dessas escolhas.

A farra dos subsídios

O Estado de S. Paulo

Contas de luz embutem quase R$ 50 bilhões para subvenções, e o saldo ainda deve aumentar

Será de quase R$ 50 bilhões neste ano a fatura para pendurar encargos e subsídios nas contas de luz, uma desfaçatez à qual o uso frequente tem se encarregado de conferir status de normalidade. Do orçamento de R$ 49,2 bilhões aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – o fundo setorial que financia os subsídios –, R$ 46,8 bilhões serão pagos pelos consumidores de energia elétrica. O resto virá das multas aplicadas pela Aneel e outras receitas menores.

Na relação de despesas da CDE há de tudo, desde recursos para a energia gerada a carvão mineral ao financiamento da geração em áreas ainda não conectadas ao sistema interligado. São muitos os subsídios: ao consumidor de fonte incentivada, às usinas solares e eólicas, aos pequenos geradores de energia incentivada (usuários de placas solares, por exemplo), a cooperativas, à irrigação e aquicultura, ao saneamento básico, ao consumidor rural, ao consumidor de baixa renda. Entram na conta energia limpa, energia suja e até o que não é energia elétrica. Tudo rateado e embutido na tarifa mensal de luz.

A soma vem galopando desde sua criação, em 2002, como resposta à crise de abastecimento elétrico. O primeiro orçamento, de 2003, foi de R$ 1 bilhão; em 2013, já eram R$ 14 bilhões; em 2018, saltou para R$ 20 bilhões; em 2022, para R$ 32 bilhões; em 2024, para R$ 37 bilhões; e neste ano, para R$ 49 bilhões. O impacto nas contas de luz, por óbvio, segue a escalada, contrariando as promessas de redução das tarifas. O governo Lula da Silva, para dar algum sentido ao discurso de modicidade tarifária, editou recentemente uma medida provisória estipulando um limite máximo para a CDE. Mas, ora vejam, ninguém sabe qual é.

Em vez de estipular o valor, usando fundamentos conhecidos, como a média do orçamento em determinado período, ou uma dotação específica, pormenorizada de forma transparente, o governo apenas determinou que o limite será o do orçamento de 2026. Alvo mais incerto, impossível. Até junho, a Aneel trabalhava com a estimativa de R$ 40,6 bilhões para 2025 e somente em julho ficou definido o total, com quase R$ 9 bilhões a mais. Para o ano que vem, nenhuma projeção.

Especialistas do setor preveem uma explosão da CDE em 2026 em razão da ação de lobistas para garantir igual valor para os anos seguintes e assim evitar que os subvencionados sejam prejudicados. Calculam algo em torno de R$ 65 bilhões para o ano que vem. Faz sentido. O que não faz sentido é o governo esperar algum agradecimento do consumidor pela medida.

Isso sem contar que, na prática, como mostrou o Estadão, o teto pode de fato ser furado porque os subsídios setoriais estão previstos em lei e, eventualmente, podem ultrapassar o limite prefixado. Caso haja insuficiência de recursos para custeio da CDE, a solução encontrada foi criar, adivinhem, mais um encargo – o de “complemento de recursos”. A previsão é que este caiba, proporcionalmente, aos próprios agentes beneficiários das subvenções. Mas a experiência tem revelado que, no fim, quem paga a conta é o consumidor.

 Articulação diplomática para resolver a taxação

Correio Braziliense

Setores da economia já sofrem os efeitos ou fazem as contas da medida de Trump. A saída, segundo pesquisadores, é "uma articulação diplomática coordenada" urgente

Já se passaram quase duas semanas desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a imposição de tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros vendidos ao país. Autoridades asseguraram que o tempo seria suficiente para o Brasil absorver o impacto da notícia, discutir caminhos e propor soluções à medida prevista para entrar em vigor em 1º de agosto. A 10 dias do fim prazo, porém, o que se vê é uma escalada na tensão entre os países.

Os sinais vindos da Casa Branca têm sido interpretados como demonstrações de que o governo norte-americano não está disposto a recuar. Economia e política se misturam completamente, e a soberania nacional segue sob tentativa de interferência. A revogação dos vistos para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e seus familiares, comunicada pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, na noite da última sexta-feira, deixou isso claro. Lula reagiu: "Estou certo de que nenhum tipo de intimidação ou ameaça, de quem quer que seja, vai comprometer a mais importante missão dos Poderes e instituições nacionais, que é atuar permanentemente na defesa e preservação do Estado Democrático de Direito". 

Enquanto o impasse continua — e piora —, o governo brasileiro atua em frentes principais, como a manutenção das negociações formais, a sensibilização de políticos e empresários norte-americanos sobre impactos do tarifaço e a preparação para retaliação. Essa última opção é vista com muita reserva por representantes do setor produtivo e especialistas de mercado. Uma estratégia de quebra de patentes, por exemplo, poderia gerar dúvidas sobre a segurança jurídica e a previsibilidade do ambiente de negócios no Brasil. E a adoção da Lei de Reciprocidade teria o efeito colateral de encarecer custos em vários segmentos que dependem da importação de produtos dos EUA, como a indústria farmacêutica e a de equipamentos hospitalares. 

Setores da economia já sofrem os efeitos ou fazem as contas da medida de Trump. Suco de laranja, café, carne bovina e frutas frescas, como manga e uva, estão entre os itens mais expostos, conforme análise do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq) da USP. A saída, segundo pesquisadores, é "uma articulação diplomática coordenada" urgente. "Tal medida é estratégica não apenas para o Brasil, mas também para os Estados Unidos, cuja segurança alimentar e competitividade da agroindústria dependem de forma substancial do fornecimento brasileiro", diz a entidade. 

Antes mesmo de a medida entrar em vigor, há registros e relatos de suspensão de contratos. Do Mato Grosso do Sul, veio a informação da paralisação da produção de carne destinada ao mercado norte-americano de pelo menos quatro frigoríficos. Há 10 dias, compras de pescados da Bahia, Pernambuco e Ceará foram canceladas por negociadores dos EUA. Quase 60 contêineres de peixes, camarões e lagostas deixaram de ser embarcados nos portos de Salvador, Suape (PE) e Pecém (CE). No Paraná, uma indústria madeireira anunciou férias coletivas para 700 funcionários de fábrica em Jaguariaíva. São alguns exemplos de perdas em uma lista que vai crescendo, enquanto o prazo por solução aperta. 

O acerto em não se dar por satisfeito

O Povo (CE)

O número de homicídios caiu 16,6% no primeiro semestre no Ceará. O percentual, isoladamente, indica um avanço claro. Contextualizada, porém, a cifra expõe o longo caminho que ainda falta percorrer na segurança pública. Entre janeiro e junho de 2024, foram registrados 1.714 Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) — uma margem tão alta que, paradoxalmente, facilita reduções percentuais.

Nesse sentido, é acertada a postura cautelosa e reservada adotada pelo governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), diante da queda dos índices de letalidade no Estado. Afinal, foram 1.429 vidas ceifadas de forma violenta em apenas seis meses. Cada avanço é significativo, mas não se pode perder de vista o caráter urgente de uma situação calamitosa.

Elmano foi preciso ao afirmar que o índice "sai do altíssimo para o alto". A população não precisa de discursos eleitoreiros ou da celebração de tragédias menores, mas sim de compromisso com a resolução de um problema extremamente complexo. A animação com uma tendência de queda deve sempre ser recebida com ponderação — assim como qualquer oscilação negativa. É necessário compreender o quadro geral.

O cenário da segurança pública é de difícil solução em todo o Brasil, especialmente com a expansão de grupos criminosos. No Ceará, que sofre tanto com facções de dimensão nacional quanto com aquelas surgidas no próprio Estado, a situação é ainda mais complexa. Há uma disputa constante pelo controle do poder paralelo e dos territórios dominados pelo crime, o que transforma a população em refém e impõe ao Governo a necessidade de investimentos contínuos em ações efetivas.

Em entrevista exclusiva ao O POVO, no último dia 15 de julho, Elmano se comprometeu a manter os investimentos em pessoal, destacando a necessidade de duplicar o efetivo da Polícia Civil em relação a 2023. O foco na investigação pode evitar uma nova escalada de violência.

As ações governamentais, no entanto, não devem ser isoladas. O papel do Estado é central na segurança pública, mas as prefeituras, o Governo Federal, o Judiciário e o Legislativo também precisam convergir em iniciativas conjuntas. O combate à criminalidade não cabe apenas às polícias. É necessário promover ação social, inclusão, oportunidades, distribuição de renda, desenvolvimento sustentável, cultura, esporte e lazer.

É fundamental, hoje, que o Estado compreenda os dados com os quais trabalha. Que realize um diagnóstico preciso sobre onde avançou e por quais motivos. Que replique e adapte estratégias bem-sucedidas a outros territórios e contextos nos quais os números seguem alarmantes. Em junho, por exemplo, o número de homicídios cresceu em Fortaleza.

Reiteradamente, Elmano classificou os dados como "insuficientes". Com razão. A comparação se dá com 2023, quando o Ceará teve o quarto maior número de homicídios entre todos os estados do Brasil.

O avanço é relevante, dentro de todos os contextos. Mas cada vida perdida é uma tragédia familiar a mais. O número aceitável de homicídios é sempre o mesmo: zero. 

 

 

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