O Estado de S. Paulo
No Brasil e na Coreia do Sul, instituições sólidas e competição política freiam desvios e autoritarismos
Esses dez dias na Coreia do Sul me fizeram
refletir sobre as semelhanças políticas e institucionais com o Brasil. Ambos os
países se tornaram democracias praticamente ao mesmo tempo – o Brasil em 1985,
a Coreia do Sul em 1987. São sistemas presidencialistas, multipartidários, em
que o presidente concentra amplos poderes constitucionais, mas o Judiciário
atua com independência notável.
As coincidências não param nas instituições. Tanto no Brasil quanto na Coreia, a única mulher a ocupar a presidência foi afastada do cargo por impeachment. Park Geun-hye foi condenada a 32 anos de prisão por corrupção, mas cumpriu apenas cinco, após receber perdão do então presidente Moon Jae-in. No Brasil, Dilma Rousseff também teve seu mandato interrompido, embora por crimes fiscais e orçamentários. Já Lula foi condenado a 12 anos de prisão por corrupção, mas teve a pena anulada pelo STF após 580 dias de cárcere.
Brasil e Coreia do Sul são casos raríssimos
no mundo democrático: os únicos que puniram judicialmente líderes políticos
desviantes enquanto seus respectivos partidos ainda estavam no poder. Na maior
parte dos casos, elites políticas só são responsabilizadas quando já estão na
oposição, o que costuma levantar suspeitas de parcialidade nos julgamentos.
Essa exceção revela a força e a autonomia dos sistemas de freios e contra pesos
em ambos os países.
Mais recentemente, Brasil e Coreia do Sul
voltaram a exibir paralelos políticos, quando seus presidentes protagonizaram
tentativas de retrocesso democrático. Nos dois casos, no entanto, as
iniciativas fracassaram.
No Brasil, Jair Bolsonaro lançou dúvidas
sobre a lisura das urnas eletrônicas e se recusou a reconhecer a derrota na
eleição de 2022. Hoje responde no STF por tentativa de golpe de Estado,
abolição do estado de direito e organização criminosa. Na Coreia do Sul, o
presidente Yoon Suk-yeol enfrentou uma grave crise institucional em dezembro de
2024, ao decretar Lei Marcial. A Assembleia Nacional reagiu prontamente com um
processo de impeachment, confirmado por unanimidade pela Suprema Corte.
Esses episódios ilustram a importância de um
desenho institucional que combine presidencialismo, multipartidarismo e um
Judiciário autônomo – especialmente quando não há maiorias legislativas
automáticas para presidentes com perfil desviante ou autocrático. Tanto no
Brasil quanto na Coreia do Sul, a democracia foi colocada à prova – e
sobreviveu – não apesar, mas por causa de instituições capazes de impor limites
reais ao poder presidencial. Em tempos de crise democrática global, essa talvez
seja a mais inesperada das virtudes.
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