Valor Econômico
Governo volta a respirar sem o auxílio de aparelhos, na esteira da recuperação da popularidade do presidente
Num momento em que o governo voltou a
respirar sem o auxílio de aparelhos, na esteira da recuperação da popularidade
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os esforços no Palácio do Planalto
convergem para que esse crescimento se mostre sustentável, e para evitar novas
crises e erros rumo a 2026.
Um diagnóstico que já havia se formado, antes de o presidente Donald Trump impor a tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras, era de que Lula tinha de aparecer mais e falar mais aos brasileiros. Embora não se questione o papel de Lula como maior comunicador do governo, a percepção de auxiliares é de que, no terceiro mandato, ele ainda não conseguiu demonstrar o mesmo talento que o ex-presidente Jair Bolsonaro para dominar a pauta nacional.
Para o bem ou para o mal, o antecessor
mantinha sobre si as atenções com declarações diárias, muitas vezes
controversas, seja no cercadinho do Palácio da Alvorada, ou nas “lives”
semanais. Petistas costumam dizer que “Lula tem um canhão na boca”, mas deixou
de usá-lo.
Nos últimos meses, o presidente estava
voltado à agenda internacional, em uma conjuntura que exigia mais declarações
formais e menos improvisos, e que o distanciou da população, conforme mostraram
pesquisas internas do governo. Houve quem comemorasse a redução dos improvisos
para conter a fabricação de gafes, como declarações de viés machista,
amplamente exploradas pela direita nas redes sociais.
A conclusão, entretanto, foi de que a menor
visibilidade do mandatário impactou diretamente a popularidade. O debate sobre
justiça tributária deu novo viço ao discurso presidencial, mas foi o tarifaço
de Trump a oportunidade de voltar à ribalta com uma retórica difícil de se
contestar, como a defesa da soberania nacional, da economia e dos empregos dos
brasileiros. Com esse mote, Lula falou à nação em pronunciamento transmitido em
rede nacional de rádio e televisão, deu entrevistas aos principais telejornais
e aos mais importantes veículos americanos, como CNN internacional e “The New
York Times”. Agora ele pretende dedicar as quintas e sextas-feiras a agendas em
outros Estados, para subir em palanques, discursar e mandar recados.
O presidente do Instituto Locomotiva, Renato
Meirelles, concorda com a visão de uma ala do Planalto e do PT de que Lula tem
de aparecer mais. “Falta trazer de volta o Lula que sabe usar metáforas para
trazer a discussão para dentro da vida das pessoas, falar menos é um erro”.
Para Meirelles, mesmo o impacto eleitoral das gafes que surgem em improvisos é
residual, e menor do que os danos à popularidade com o distanciamento dos
holofotes.
Para Meirelles, que há mais de duas décadas
pesquisa o comportamento do público das classes C e D, Lula precisa retornar ao
papel de líder político capaz de vender prosperidade e futuro. De fato, foi ao
que ele se propôs na agenda de quinta-feira (17), em Goiânia, quando discursou
para cerca de 10 mil jovens no Congresso da União Nacional dos Estudantes
(UNE). Ao falar na importância de resgatar o papel da esquerda na política,
desafiou: "É importante que, ao sair daqui, vocês comecem a pensar no Brasil
que vocês querem a partir de 2026".
Foi estratégica a participação de Lula no
evento, diante da recente pesquisa Genial/Quaest que confirmou que sua maior
reprovação está na faixa de 16 a 34 anos, justamente um eleitorado que votou
nele em peso em 2022. Esse índice atingiu o pico de 64% em março, mas caiu para
58% em julho. Para Meirelles, a rejeição a Lula entre os jovens não é pela
idade, mas pela falta de discurso. Pondera que os jovens uruguaios idolatravam
Pepe Mujica, falecido em maio. “Se Lula falar sobre oportunidades, sobre empreendorismo”,
pode se reconectar, avaliou.
Não foi um fato isolado, como o tarifaço, que
recolocou o governo nos trilhos, mas, sim, uma sequência de acontecimentos.
Para Meirelles, os acertos - que incluem a ofensiva de Trump - remontam ao
ajuste de rota na comunicação e à construção de uma marca, que faltava ao
governo. “O governo finalmente encontrou um inimigo”, observou Meirelles.
Lembrou que em 1989, o então governador de Alagoas, Fernando Collor,
projetou-se no noticiário nacional como o “caçador de marajás”. Depois,
Fernando Henrique Cardoso consagrou-se nos dois mandatos com o Plano Real e o
controle da inflação. Os governos Lula 1 e 2 tinham como símbolos o combate à
fome e a inclusão social. A gestão Dilma Rousseff buscou identidade na
educação, enquanto Bolsonaro mirava segurança pública e combate à corrupção.
“Lula 3 tinha um vazio, mas agora tem a materialização do inimigo no BBB, com
bancos, bets e bilionários na mira”, diz Meirelles. Trump pode ser incluído
nesta lista.
Não por acaso, o discurso da justiça
tributária, com o projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$
5 mil, atinge o público onde a popularidade de Lula mais cresceu, segundo a
Quaest. A reprovação do governo caiu 10 pontos percentuais, de 62% em março
para 52% em julho, na faixa de quem ganha de 2 a 5 salários mínimos. Esse
governo não tinha inimigo nem vendia sonhos, mas pode virar o jogo.
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