sexta-feira, 18 de julho de 2025

Uma semana para a história - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

O primarismo político de supor que a truculência externa pode resolver questões no interior da democracia brasileira é algo suicida

Desde a semana passada, o Brasil vive uma singularidade planetária. Neste ano, o déficit comercial com os Estados Unidos alcançou US$ 1,7 bilhão e fomos punidos com uma tarifa de 50%, a maior do mundo.

Superado o impacto inicial, é possível fazer algumas projeções, baseadas na experiência. Na maioria dos casos em que países são punidos com sanções, o objetivo é atingir o governo. Mas como as sanções atingem todos, a tendência é fortalecer as autoridades que querem punir e contribuir com o empobrecimento do país. O resultado é este: o governo se eterniza junto com a pobreza.

No caso das sanções ao Brasil, o resultado é o fortalecimento do governo, mas não necessariamente o empobrecimento do País, cuja economia diversa e sofisticada tem condições de se recuperar de um golpe.

Recuperar-se significa diversificar exportações, encontrar novos mercados. Mas não suprime a possibilidade de negociar. O problema é que, de um ponto de vista econômico, há pouco o que negociar. As condições impostas por Trump são políticas e inegociáveis, inclusive uma anulação de processo no Supremo Tribunal Federal (STF).

São muito grandes as possibilidades de uma unidade nacional. Poucos conseguem concordar com a punição de empresários e trabalhadores. Mesmo entre aqueles que apoiam Bolsonaro e o consideram inocente, é possível estabelecer uma divisão, atraindo os que acham que isso deva ser demonstrado no curso do processo legal, e não por meio da intervenção truculenta de um presidente norteamericano.

É difícil prever o futuro de nossas relações com os Estados Unidos. Bolsonaro deve ser condenado, assim como o núcleo próximo a ele, acusado de golpe de Estado. A intervenção de Trump não alterou o quadro e ele deve reagir em caso de condenação. Quanto a isso, nada pode ser feito.

Existem muitas declarações segundo as quais a política externa de Lula seria um dos motivos para o tarifaço.

Tenho criticado a política externa do governo, argumentando que não expressa a riqueza de uma frente democrática, mas sim a posição do presidente e de seu partido. Mas essa é uma questão que se resolve num debate civilizado, nunca por meio das ameaças de Trump.

Mesmo a esperança de superar o dólar como moeda padrão nas negociações internacionais não deveria ser dramatizada.

Isso não se resolve com discurso. A China, que é bastante discreta, lançou um sistema de pagamento internacional, o China Interbank Payment System. O uso global do yuan ainda não supera os 4% das transações internacionais.

O dólar é o que é por causa do tamanho da economia americana, estabilidade política, liquidez dos ativos e confiança internacional. Há um fator histórico: em Bretton Wodds, em 1944, as principais moedas foram atreladas ao dólar, que foi lastrado ao ouro, até 1971.

Se é verdade que a superação do dólar não se fará por simples ato voluntarista, também é verdade que sua manutenção não pode ser baseada em repressão tarifária, pois é algo que depende de fatores muito mais amplos do que a vontade de um governante. Isso mostra claramente como é absurda a decisão tarifária de Trump, que dificilmente resistirá ao tempo.

Desde o princípio, apostei numa estratégia que usasse as forças internas americanas para questionar essa agressão econômica ao Brasil. Muitos, inclusive de dentro dos Estados Unidos, eram céticos porque a conjuntura é de resignação diante da política errática de Trump. Figuras como o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman já manifestaram sua oposição, assim como Hillary Clinton. Empresas americanas que negociam com o Brasil por meio da Câmara de Comércio pedem negociação.

Não seria nada espantoso que a decisão de Trump fosse levada às cortes, pois existem condições legais condicionando a decretação de tarifas. No caso brasileiro, estavam ausentes. A decisão do governo americano, além de absurda, é ilegal.

É possível que essa maré passe sem causar grandes danos econômicos ao Brasil. No entanto, ela teve o poder de alterar a correlação de forças políticas, jogando o bolsonarismo para a margem e abrindo uma forte possibilidade de o governo se prolongar até 2030.

Muitas coisas acontecem por aqui, mas há situações que se tornam inesquecíveis. O primarismo político de supor que a truculência externa pode resolver questões no interior da democracia brasileira é algo suicida.

Os sobressaltos econômicos passam, mas as consequências políticas continuarão ecoando não só na decadência do bolsonarismo como também no desgaste daqueles que hesitaram em condenar o tarifaço pensando no apoio de Bolsonaro em 2026.

Tudo parece, pelo menos nesse momento, ser arrastado pelo equívoco de não reconhecer o interesse nacional e lutar por ele, no momento em que Trump o negou.

É uma avaliação tão corrosiva como aquela que comparou a epidemia de Covid-19 a uma simples gripe.

Em dois grandes momentos, a fragilidade política do bolsonarismo mostra que não tem condições de ocupar cargos majoritários. E é preciso considerar que o mundo se torna cada vez mais complexo, exigindo decisões cada vez mais elaboradas, jogando para a margem os aprendizes de feiticeiro que pensam em punir o País para salvarem a própria pele.

 

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