sexta-feira, 18 de julho de 2025

Trump inaugura a era do neoimperialismo digital - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O xis da questão são as big techs: controlam fluxos de informação e expropriam capital social, transformam redes de confiança e reputação em lucro, sem pagar impostos

Eric Hobsbawm (1917-2012), em sua célebre quadrilogia — A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios e A Era dos Extremos — descreveu o capitalismo de sua gênese industrial ao colapso das ordens liberais e socialistas do século XX. Se o historiador britânico estivesse vivo, acrescentaria um quinto volume: “A Era Digital do Imperialismo”. Nela, as antigas disputas por colônias e matérias-primas seriam substituídas pela luta por dados, algoritmos e infraestrutura tecnológica, e os monopólios industriais dariam lugar às big techs.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (“O mundo sou eu”, parafraseando Luís XIV da França), de forma personalista e agressiva, encarna uma espécie de recidiva do imperialismo no novo contexto digital: um nacionalismo protecionista que confronta aliados e rivais, do Canadá à Rússia, e busca subjugar os países emergentes. Neste cenário, a União Europeia tenta manter sua relevância com medidas regulatórias, enquanto a China, ao transitar para a economia do conhecimento, ameaça verdadeiramente a hegemonia norte-americana no comércio global. Com um lugar cativo nas cadeias globais de valor como produtor de commodities de alimentos e minérios, o Brasil tenta se equilibrar no tabuleiro, para não perder a condição de economia industrial, da qual o principal mercado são os Estados Unidos.

O imperialismo descrito por Hobsbawn era a fase monopolista do capitalismo, dominada pelo capital financeiro e pela partilha do mundo, com a fusão entre monopólios e Estados nacionais para satisfazer a necessidade de incorporar novos mercados, num processo global de desenvolvimento, desigual e combinado entre as potências e as periferias. Agora, com seu Make America Great Again (em português: Torne a América Grande Novamente), Trump sonha com o poderio do velho “imperialismo yankee” do século XX, ao transformar tarifas e sanções em armas de coerção.

Trump ameaça taxar as exportações brasileiras em 50%, promove investigações injustificadas sobre o sistema financeiro brasileiro e o comércio doméstico, como nos casos do Pix e do centro comercial paulistano da Rua 25 de Março, respectivamente. Como bem destacou a analista Lydia Polgreen, no New York Times de ontem, enquanto Trump usa intimidação e tarifas, a China oferece infraestrutura e investimentos, como a ferrovia bioceânica financiada por Pequim, conectando o Atlântico brasileiro ao Pacífico peruano. A União Europeia propõe normas e padrões com apelo democrático, para regulamentar a economia digital, mas tem pouco capital para investir em grandes obras e, por causa da França, não consegue concluir o seu acordo com o Mercosul.

O nosso lugar no mundo

O Brasil ocupa uma posição estratégica na disputa global. Lula explora essa condição nos Brics, mantendo nosso histórico não alinhamento diplomático ativo, ao lado da África do Sul e da Índia, mas está sendo empurrado por Trump para os braços de Xi Jinping. A China é o principal exemplo de capitalismo de Estado com pretensões imperialistas na era digital: Huawei, Alibaba e Tencent funcionam como tentáculos do projeto nacional. A Iniciativa do Cinturão e Rota Digital cria dependência em 5G, satélites e logística. O Brasil, cujo maior parceiro comercial é a China, está em difícil situação para sustentar a equidistância, devido à agressividade de Trump e ao imobilismo da União Europeia. Os países periféricos são forçados a entrar na era digital de forma subordinada. Ou seja, adotamos tecnologias chinesas e americanas sem construir uma base industrial-digital robusta.

Nos espelhamos na União Europeia, que aposta na chamada Bruxelas Effect, ou seja, em normas como o GDPR e a Lei dos Mercados Digitais para obrigar as big techs e empresas chinesas a se adaptarem. Esse modelo intermediário é mais democrático, porém, não é suficiente para competir em escala com investimentos chineses ou com o mercado americano. Em resumo, enquanto Trump representa a volta do imperialismo coercitivo, a China aposta no domínio tecnológico estatal e a UE no sistema regulatório. O Brasil segue sem um projeto próprio de soberania digital.

O xis da questão é a nova forma de acumulação de capital das big techs: controlam fluxos de informação e acumulam capital social, transformam redes de confiança e reputação em lucro, sem pagar impostos. Trump tenta assegurar a hegemonia dos EUA na era da economia digital ao proteger suas empresas de tecnologia, confrontar concorrentes chineses (Huawei, TikTok) e pressionar aliados. No Brasil, Google, Meta e Amazon dominam a comunicação e o comércio digital. Sem regulação forte ou plataformas nacionais, o país se torna colônia de dados, dependente de algoritmos estrangeiros e todo o seu capital social é expropriado.

Trump, ao atacar o Brasil e o Brics, perde a oportunidade de construir uma nova ordem multipolar cooperativa, como defenderam Barak Obama e Joe Biden. Empurra os países emergentes para a órbita chinesa. O Brics, apesar de frágil, simboliza a busca por autonomia e influência dos países em desenvolvimento num mundo multipolar. A Casa Branca não se dá conta de que, para muitos países, “o verdadeiro destruidor da ordem global são os Estados Unidos, não a China”, como lembrou Oliver Stuenkel, professor associado de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, citado pela articulista do New York Times.

Ao contrário da narrativa da oposição ao seu governo, Lula se digladia verbalmente com Trump, mas é pragmático: sua única opção é negociar e não romper com Washington.

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