O Globo
Está em cartaz no Masp, em São Paulo, até
fins de agosto, a exposição “A ecologia de Monet”. Hoje, o Museu
do Amanhã, no Rio, inaugura a mostra “Claudia Andujar e seu universo —
Sustentabilidade, ciência e espiritualidade”, com curadoria de Paulo
Herkenhoff. São duas coletâneas que, cada uma a seu jeito, trazem a preservação
da natureza para o mundo das artes, no ano em que o Brasil receberá a COP30,
conferência do clima da ONU.
Claudia Andujar nasceu na Suíça em 1931. Durante a Segunda Guerra Mundial,
depois que o pai foi capturado e morto por nazistas num campo de concentração,
exilou-se com a mãe em Nova York. Em
1955, mudou-se para o Brasil; fotógrafa, por sugestão de Darcy Ribeiro, passou
a documentar sociedades indígenas. Dedicou quase toda a carreira aos ianomâmis,
etnia que habita o norte da Amazônia;
há uma década empresta o nome a uma galeria com 400 fotos no Instituto Inhotim,
em Brumadinho
(MG), do crime da Vale.
O impressionista Claude Monet (1840-1926) é reconhecido pelas pinturas de paisagens. As 32 obras expostas em São Paulo — curadoria de Adriano Pedrosa, Fernando Oliva e Isabela Ferreira Loures — passeiam pela relação do francês com o meio ambiente em 50 anos de carreira. Chama a atenção a travessia entre as paisagens bucólicas de fins do século XIX e os cenários cortados pela fumaça dos trens e das chaminés das fábricas, em decorrência da industrialização. A série de quadros é documento histórico da transição para o mundo moderno e evidência de que o artista não a ignorou. O trabalho de Claudia Andujar, igualmente, registra a existência de um povo que, há um par de anos, enfrentava nova ameaça de extermínio no próprio território pela presença do garimpo, durante o governo Bolsonaro.
Os dois artistas escancaram ao Brasil a
relevância da proteção ao meio ambiente e aos povos nativos, os riscos do
progresso sem freio. São mensagens, tristemente, impermeáveis a parlamentares
brasileiros, que, de novo, demonstram indiferença e desconexão com a agenda
mais urgente dos tempos de hoje. Sensibilidade houvesse, a Câmara dos Deputados
não teria escolhido a madrugada do Dia de Proteção das Florestas para empurrar
goela abaixo dos brasileiros o Projeto de Lei que, nas palavras da ministra
Marina Silva, do Meio Ambiente, “quebra a coluna da proteção ambiental no
país”. É arcabouço legal que, de uma só vez, “fragiliza regras e mecanismos de
análise, controle e fiscalização”, como alertou em manifesto a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A entidade classifica a Lei Geral do
Licenciamento Ambiental, aprovada por 267 votos contra 126, como “ameaça à
Constituição Federal e aos direitos dos brasileiros”. É também “afronta à
ciência produzida no Brasil e no mundo”, por ameaçar biomas e mostrar-se
incompatível com os compromissos assumidos pelo país no Acordo de Paris e
noutros atos internacionais. O Brasil estabeleceu como meta reduzir, até 2035,
as emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67%, na comparação com 2005;
e zerar o desmatamento ilegal nos próximos cinco anos. Desde 2023, o país
conseguiu avançar, segundo a ministra Marina, na “desintrusão das terras
indígenas” e reduzir o desmatamento em 46% na Amazônia, em 77% no Pantanal, em
25% no Cerrado, em 32% no país inteiro. Em nota, a organização ActionAid
classificou a votação como “tragédia anunciada”:
— Uma das agendas na COP30, que é a transição
justa, se torna inviável diante do desmantelamento do licenciamento ambiental
no país. O PL da Devastação ignora a crise climática, fragiliza instrumentos de
proteção e institucionaliza a exclusão de populações historicamente
vulnerabilizadas.
A ameaça ao sistema de proteção ambiental
alcança também o debate econômico. O Mercosul tenta
avançar no acordo de livre-comércio com a União Europeia. Do outro lado do
Atlântico, cláusulas ambientais aparecem como argumento para barrar produtos
brasileiros. Daí a proposição da recém-regulamentada Lei da Reciprocidade
Comercial, texto que Lula cogita usar contra as retaliações de Donald Trump.
Nesta semana, os Estados Unidos anunciaram
abertura de investigação contra práticas alegadamente desleais atribuídas ao
comércio exterior brasileiro. Entre os alvos, o desmatamento ilegal, que
afetaria madeira, carne e soja dos Estados Unidos. Ainda ontem, a porta-voz da
Casa Branca, Karoline Leavitt, declarou que “a tolerância ao desmatamento
ilegal e outras práticas ambientais coloca produtores, fabricantes,
agricultores e pecuaristas americanos em desvantagem competitiva”. Não há
momento mais inoportuno para o Parlamento devastador agir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário