sexta-feira, 18 de julho de 2025

Parlamento está desconectado da agenda atual mais urgente – Flávia Oliveira

O Globo

Está em cartaz no Masp, em São Paulo, até fins de agosto, a exposição “A ecologia de Monet”. Hoje, o Museu do Amanhã, no Rio, inaugura a mostra “Claudia Andujar e seu universo — Sustentabilidade, ciência e espiritualidade”, com curadoria de Paulo Herkenhoff. São duas coletâneas que, cada uma a seu jeito, trazem a preservação da natureza para o mundo das artes, no ano em que o Brasil receberá a COP30, conferência do clima da ONU. Claudia Andujar nasceu na Suíça em 1931. Durante a Segunda Guerra Mundial, depois que o pai foi capturado e morto por nazistas num campo de concentração, exilou-se com a mãe em Nova York. Em 1955, mudou-se para o Brasil; fotógrafa, por sugestão de Darcy Ribeiro, passou a documentar sociedades indígenas. Dedicou quase toda a carreira aos ianomâmis, etnia que habita o norte da Amazônia; há uma década empresta o nome a uma galeria com 400 fotos no Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), do crime da Vale.

O impressionista Claude Monet (1840-1926) é reconhecido pelas pinturas de paisagens. As 32 obras expostas em São Paulo — curadoria de Adriano Pedrosa, Fernando Oliva e Isabela Ferreira Loures — passeiam pela relação do francês com o meio ambiente em 50 anos de carreira. Chama a atenção a travessia entre as paisagens bucólicas de fins do século XIX e os cenários cortados pela fumaça dos trens e das chaminés das fábricas, em decorrência da industrialização. A série de quadros é documento histórico da transição para o mundo moderno e evidência de que o artista não a ignorou. O trabalho de Claudia Andujar, igualmente, registra a existência de um povo que, há um par de anos, enfrentava nova ameaça de extermínio no próprio território pela presença do garimpo, durante o governo Bolsonaro.

Os dois artistas escancaram ao Brasil a relevância da proteção ao meio ambiente e aos povos nativos, os riscos do progresso sem freio. São mensagens, tristemente, impermeáveis a parlamentares brasileiros, que, de novo, demonstram indiferença e desconexão com a agenda mais urgente dos tempos de hoje. Sensibilidade houvesse, a Câmara dos Deputados não teria escolhido a madrugada do Dia de Proteção das Florestas para empurrar goela abaixo dos brasileiros o Projeto de Lei que, nas palavras da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, “quebra a coluna da proteção ambiental no país”. É arcabouço legal que, de uma só vez, “fragiliza regras e mecanismos de análise, controle e fiscalização”, como alertou em manifesto a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A entidade classifica a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, aprovada por 267 votos contra 126, como “ameaça à Constituição Federal e aos direitos dos brasileiros”. É também “afronta à ciência produzida no Brasil e no mundo”, por ameaçar biomas e mostrar-se incompatível com os compromissos assumidos pelo país no Acordo de Paris e noutros atos internacionais. O Brasil estabeleceu como meta reduzir, até 2035, as emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67%, na comparação com 2005; e zerar o desmatamento ilegal nos próximos cinco anos. Desde 2023, o país conseguiu avançar, segundo a ministra Marina, na “desintrusão das terras indígenas” e reduzir o desmatamento em 46% na Amazônia, em 77% no Pantanal, em 25% no Cerrado, em 32% no país inteiro. Em nota, a organização ActionAid classificou a votação como “tragédia anunciada”:

— Uma das agendas na COP30, que é a transição justa, se torna inviável diante do desmantelamento do licenciamento ambiental no país. O PL da Devastação ignora a crise climática, fragiliza instrumentos de proteção e institucionaliza a exclusão de populações historicamente vulnerabilizadas.

A ameaça ao sistema de proteção ambiental alcança também o debate econômico. O Mercosul tenta avançar no acordo de livre-comércio com a União Europeia. Do outro lado do Atlântico, cláusulas ambientais aparecem como argumento para barrar produtos brasileiros. Daí a proposição da recém-regulamentada Lei da Reciprocidade Comercial, texto que Lula cogita usar contra as retaliações de Donald Trump. Nesta semana, os Estados Unidos anunciaram abertura de investigação contra práticas alegadamente desleais atribuídas ao comércio exterior brasileiro. Entre os alvos, o desmatamento ilegal, que afetaria madeira, carne e soja dos Estados Unidos. Ainda ontem, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, declarou que “a tolerância ao desmatamento ilegal e outras práticas ambientais coloca produtores, fabricantes, agricultores e pecuaristas americanos em desvantagem competitiva”. Não há momento mais inoportuno para o Parlamento devastador agir.

 

Nenhum comentário: